Muito obrigado, meu caro Carlos Coelho, Magnífico Reitor desta Universidade de Verão, meu caro Presidente da JSD, meus caros amigos. Eu devo dizer que, com toda a amizade que tenho pelo Carlos Coelho, e caracterizando-me por uma certa franqueza e desassombro em dizer aquilo que penso, começo por registar que ele é firme no verbo, mas é menos firme nos seus propósitos. Porque tinha-me pedido para vir aqui ler “Os Lusíadas”, eu trouxe esta edição, pensando que começava na primeira estrofe do Canto Primeiro e, depois, aí lá para a seis da manhã, estaria a chegar à última estrofe do Canto X. (Risos)
Com isto, quis apenas aplicar aquilo que vocês, há bocado, ouviram no Encerramento da Assembleia, de que deve haver uma nota de humor naquilo que se diz. Dispõe bem o Auditório, leva a que os que pensam que vai ser uma maçada, pensem que, afinal, talvez não seja assim tão maçador, aquilo que vão ouvir. E, permite, uma maior cordialidade na exposição.
Mas antes de entrar na matéria, gostava de salientar, a propósito da flauta, que tudo vai dar a Camões. E ocorreu-me, e felizmente trouxe “Os Lusíadas”, também trouxe “A Lírica” para o caso de alguém, a partir das seis da manhã, quisesse que eu lesse “A Lírica” inteira, ocorreu-me, a propósito dos “Lusíadas” que a própria frauta vem mencionada, logo no princípio.
«Dai-me uma fúria grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito acende e a cor ao gesto muda;»
Quando Camões fala na tuba canora e belicosa, está-nos a falar no Canto Épico. Mas ele deixou de usar a frauta, a flauta no seu Canto Lírico como, talvez, tenhamos tempo de ver. Gostava também de dizer às gentis frequentadoras deste curso que Camões era um homem muito feio, o que talvez sossegue os simpáticos frequentadores porque, com certeza, qualquer deles é mais bonito que o Camões. (Risos) Dizem testemunhos da época que era ruivo a tender para o açafroado, portanto, devia ter o cabelo entre o ruivo e o louro e que afeiava-o, notavelmente, a falta do olho direito. Ele próprio, ironizando em relação a si mesmo, dizia que manquejava de um olho.
Não vou começar por falar, propriamente, do seu trajecto biográfico, nem da sua obra mas, abordar de um outro ângulo, este aspecto: o Camões começa os Lusíadas com os versos que toda a gente ouviu, “as armas e os barões assinalados”.
E, depois, são dois exemplos que eu vou dar, no Canto
V tem uma passagem curiosa que eu peço licença para ler na íntegra:
“Cantem, louvem e escrevam sempre extremos
Desses seus Semideuses, e encareçam,
Fingindo Magis Circes, Polifemos,
Sirenas que com o canto os adormeçam;
Dêem-lhe mais navegar à vela e remos
Os Cicones, e a torra onde se esqueçam
Os companheiros, em gostando o Loto;
Dêem-lhe perder nas águas o piloto;”
Ventos soltos lhe finjam, e imaginem
Dos odres e Calipsos namoradas;
Harpias que o manjar lhe contaminem;
Descer às sombras nuas já passadas:
Que por muito e por muito que se afinem
Nestas fábulas vãs, tão bem sonhadas,
A verdade que eu conto nua e pura
Vence toda grandíloqua escritura."
Estas duas estrofes são a síntese de quê? Da Odisseia
de Homero. Vêm aqui referidos quase todos os episódios importantes do trajecto de Ulisses a regressar a Ítaca, a regressar da Guerra de Tróia à sua pátria postos, exactamente, no centro dos Lusíadas, no centro do poema. Os Lusíadas têm 1.102 estrofes e, se nós as numerarmos, de 1 a 1.102, estas duas estrofes estão aí pelas 552, 553. Portanto, no centro do poema, Camões coloca uma remissão para uma das primeiras Epopeias da humanidade. Com a importância de que, como que ilumina à partida desse núcleo radiador, a figura de Vasco da Gama. Vem logo referido a seguir, como Vasco da Gama, “o facundo Capitão”, etc.
Eu peguei nestes dois exemplos para dizer que Camões, sem a cultura europeia, não teria sido o vulto importante que é, o vulto, para nós, essencial. Antecipo, dizendo que para mim, ele é o Maior Português de Sempre, mas depois, eu explicarei porquê. Se não tivesse sido herdeiro de uma tradição cultural densa e muito antiga, muito longa que começa em Homero; se não tivesse sido herdeiro de Virgílio, “as armas e os barões assinalados” é a tradução quase literal do princípio da Eneida, “ Arma virumque cano”,“canto as armas e o homem, canto as armas e o barão”; se não tivesse aprendido com Petrarca; senão tivesse lido a poesia de Ariosto, Camões não teria sido Camões. Porque a cultura é um tecido contínuo e, cada vez mais, enriquecido e, por cada criador cultural, faz sua, à sua maneira, a herança que recebe, seja na literatura, seja na pintura, seja na música, etc., etc., etc.
Primeira nota que eu queria deixar, não há inovação a partir do nada, na cultura. Um criador é sempre um herdeiro de tudo aquilo que o precede e, ao mesmo tempo, um vizinho em contacto com tudo aquilo que é seu contemporâneo.
A segunda nota que me parece importante e é política, é esta: nós, hoje, vivemos uma situação completamente diferente daquilo que há trinta anos se chamava, o conflito de gerações. Há trinta anos, os filhos opunham-se aos Pais, em termos políticos, por exemplo, muitos filhos de famílias de direita, cresceram a afirmar, na sua adolescência, ideologias de esquerdas e vice-versa; filhos, houve, em muitas famílias de esquerda que enveredaram pela direita, embora nalguns casos, depois, tenham transinversado. Ou por questões de maneiras de vestir, ou por diversões preferidas, o conflito de gerações foi norma, como afirmação de um certo tipo de ruptura e de aparecer uma nova geração a disputar o espaço da anterior.
E, hoje, o que se verifica não é isso. Hoje, verifica-se uma indiferença entre as gerações. Quando muito, os pais preocupam-se se os filhos andam na droga; mas, se os filhos gostam de piercing ou de rap, ou de rock, ou de tatuagens ou de outra coisa qualquer, é-lhes completamente indiferente. Isto significa, também, que não se preocupam em transmitir o legado que receberam. Ou seja, corre-se o gravíssimo risco e isto, repito, é eminentemente político, de todo esse património incalculavelmente rico e que é um contributo fundamental para a nossa identidade, se evaporar. Porque começa a verificar-se que há muito mais simultaneidade nas imitações, nos mimetismos entre comportamentos, com as novas tecnologias, com a internet, etc., etc., etc., vocês sabem disso, com certeza, muito mais do que eu do que trans-geracionalidade na transmissão do conhecimento e tradições acumuladas. Isto, a propósito de Camões, é fundamental porque Camões é um dos obreiros, um dos agentes, um dos construtores da nossa identidade.
Por outro lado, a identidade – e estamos numa Europa que é um mosaico de identidades nacionais e de culturas nacionais –, a identidade é uma das armas mais eficazes que nós temos ou que nos restam, depende da perspectiva, mas sempre uma arma, sempre eficaz e sempre essencial para impedir a banalização implicada pela globalização.
Estes dois aspectos, a importância da cultura para a criação cultural, em qualquer momento, e a importância da transmissão trans-geracional dessa cultura, são aspectos que, hoje, são gravíssimamente importantes para o homem de hoje e para os jovens de hoje.
Posto isto, entremos em Camões dizendo que, ao contrário de qualquer outro grande escritor ou grande autor épico, de alguém que tenha tentado cantar a História do seu País, Camões é o único, que eu saiba, que termina o seu poema com a palavra inveja. Isto requer alguma explicação porquê? Porque os estrangeiros, normalmente, ficam muito espantados, inveja, um poema nacional que termina com a palavra inveja, mas com os diabos, isto é uma coisa estranha. É tão estúpido pensar-se isso como pensar-se que Lisboa é uma cidade branca, como também fez curso nalguns meios intelectuais, a propósito de um filme que aqui há uns anos apareceu. Porque Camões termina o poema a dizer ao Dom Sebastião que não tem que fazer como fez o Alexandre Magno, que tinha muita pena de não ter um Homero para o cantar, como Aquiles tinha tido. E, portanto, diz para o Dom Sebastião, a quem propõe que faça novas façanhas, novas conquistas, que expanda a presença portuguesa no mundo, que ele, Camões, está em condições de o cantar. E diz:
«De sorte que Alexandro em vós se veja,
Sem à dita de Aguiles ter enveja.»
São os últimos versos dos Lusíadas. Ou seja, não tenhas medo de fazer façanhas que eu estou aqui para te cantar e eu serei o teu Homero. Não vais ser como o Alexandre que tinha inveja de Aquiles e da sorte que Aquiles teve, em ter tido um Homero para o cantar. Este é o sentido.
Mas há um outro sentido nisto. É que quando o Camões se inculca a rematar o seu poema desta maneira, está a fazer uma afirmação da consciência que ele próprio tem da sua própria qualidade, do seu próprio estro, do seu próprio nível literário, como sendo o único que o pode fazer. Isto no século XVI, é uma afirmação de individualidade criadora e de orgulho da criação artística como há poucos exemplos na época, em toda a literatura europeia.
Portanto, um outro aspecto, Camões é alguém que escreve uma Epopeia - já vamos ver alguns pormenores dela - em que se afirma e não só se afirma, como ele próprio é um dos protagonistas daquela história que conta. Quando eles naufragam na Foz do Mecom que corresponde, hoje, ao Vietname, descreve-se a si mesmo, naufragando e salvando os Lusíadas. Ele vem do Extremo Oriente, não se sabe se esteve em Macau ou não, há o naufrágio e ele salva-se a nado inculcando que transportava o manuscrito dos Lusíadas numa das mãos. Isto não é assim tão original porque já o Júlio César naufragou no Egipto, também disse que tinha salvo os comentários da Guerra das Gálias, pelo mesmo processo. Mas o que é importante é que ele se introduz, a si mesmo, como protagonista da Epopeia que conta. São os versos célebres da estrofe 128 do Canto X, a falar da Foz do Mecom:
«Este receberá, plácido e brando,
No seu regaço os Cantos que molhados
Vêm do naufrágio triste e miserando,
Dos procelosos baxos escapados,»
Camões iria preso, iria sob prisão, regressando a Goa e, depois, diz quando será executado o injusto mando naquele,
“Naquele cuja Lira sonorosa
Será mais afamada que ditosa.”
Ou seja, apresenta-se, também, como alguém infeliz. Como alguém infeliz e vítima, e di-lo noutros poemas, de perseguições. Mas, não só ele – isto é de uma audácia extrema para os cânones da Epopeia e para a época – se introduz como protagonista da Epopeia, como tem a ambição de colocar a História de Portugal entre a infância e a idade adulta do Rei D. Sebastião. Dom Sebastião, a quem ele chama, Maravilha Fatal da nossa Idade e Segurança do Reino, portanto, compreendendo perfeitamente o papel que o nascimento de Dom Sebastião, dada à política de alianças entre as duas Casas Reais de Portugal e de Espanha, significava, porque o nascimento de um herdeiro da Coroa Portuguesa significava que o trono não iria parar a um Príncipe espanhol, começa a dirigir-se-lhe como uma criança no berço.
“Inclinai por um pouco a majestade,
Que nesse tenro gesto vos contemplo,”
Para aqueles que não tenham percorrido estas coisas, “gesto” significa rosto nesta expressão. Mas quando termina o poema está-se a dirigir ao homem adulto. Ou seja, ele escreve toda a História de Portugal, desde as suas origens míticas, passando pela história cronologicamente aferida até à viagem de Vasco da Gama, até ele mesmo, dentro da vida do Rei. E, de facto, se canta o peito ilustre lusitano, se canta as façanhas dos portugueses, com a consciência de que depois de estabilizada a situação militar com Espanha e a situação (…)
(Um minuto inaudível)
(...) ir-se para fora das fronteiras europeias, e di-lo no Canto IV, tem a consciência de que, se o povo, se o peito ilustre lusitano é quem apresenta a gesta que ele canta, por outro lado, o grande herói dos Lusíadas, tal como ele trata essa figura, é o Dom Sebastião. E ele considera que o Dom Sebastião é quem polariza o destino nacional.
E sabe-se – é um história muita curiosa, que pouca gente sabe, e que eu tive ocasião de contar num livro -, o seguinte: um dia veio-me parar às mãos, um manuscrito de uma biografia de Camões do século XVII, portanto, escrita uns trinta anos depois da morte dele. E eu encarreguei um grande especialista de paleografia, o Prof. Borges Nunes, de decifrar e transcrever todo esse manuscrito. E o Prof. Borges Nunes conseguiu transcrever mesmo o que estava rasurado. E uma das rasuras dizia que, quando chegaram a Camões já doente e próximo da data em que morreu, notícias do desastre de Alcácer Quibir em 1578, ele lançou aí o fogo a outro poema que começara de escrever. Ou seja, Camões a pensar continuar, de alguma maneira, os Lusíadas, escrevendo para além do seu remate textual, quando a notícia da desgraça acontecida a Portugal queimou o seu manuscrito, segundo essa notícia que, depois, foi rasurada, talvez para evitar que olhos inquisitórios, a serviço de Espanha, viessem a pensar que isso ia reacender, mais ainda, o espírito patriótico dos portugueses.
Um outro aspecto que é extremamente importante é o da modernidade de Camões. Mas temo-nos que entender quanto a isto. Sob alguns ângulos, podemos achar que Camões era um reaccionário, conservador, católico, ortodoxo, sem dúvida que tinha notas ligadas a todos esses aspectos. Mas há uma coisa que ele compreendeu e que é extremamente moderna para a sua época. É que o comércio era o motor do avanço da humanidade para o futuro; e que o comércio era fundamental no relacionamento entre um pequeno reino no extremo ocidental da Europa e essa região a que os portugueses tinham acabado de chegar chamada Índia. É a segunda citação que eu peço licença para fazer lendo. E, então, Vasco da Gama quando se dirige ao Samorim, diz-lhe o seguinte:
«E se queres com pactos e alianças
De paz e de amizade sacra e nua
Comércio consentir das abastanças
Das fazendas da terra sua e tua,
Por que cresçam as rendas e abastanças,
Por quem a gente mais trabalha e sua,
De vossos Reinos, será certamente
De ti proveito, o dele glória ingente.»
Ou seja, ele vai-lhe propor que, através do comércio, haja um enriquecimento recíproco do Reino de Portugal e do Reino da Índia, através do comércio pacífico. Sabemos que a História, depois, evoluiu doutra maneira. Mas, o que é importante de salientar, é que Camões tem a perfeita noção de que o comércio é uma das chaves do avanço da prosperidade dos povos.
Um outro aspecto que também é importante tem a ver com a ciência. Camões é uma perfeita enciclopédica, por vezes, desactualizada – não nos esqueçamos que ele ainda perfilha uma concepção geocêntrica, em que o Sol gira em torno da Terra –, mas a propósito de tudo, da história, da botânica, da zoologia, do sistema solar, da geografia é duma riqueza de informação, absolutamente, incalculável. E, aqui, também tem uma noção muito própria e muito rigorosa da diáspora portuguesa. Normalmente, nós usamos o termo diáspora num sentido que é bastante errado. Diáspora é um conceito judaico que exprime o sair da terra a que se pertence, da terra onde se nasceu e, depois, fazer um périplo que tem, sempre, consigo o desejo de regressar ao ponto de partida. É aquilo a que os gregos chamavam nostalgia – de nostos, regresso e algia, dor. A dor do regresso, o desejo de regresso. Ulisses quando viaja está nostálgico dita, quem tem a nostalgia dita quem. Como é que Camões formula isto, em termos superiormente belos:
«Esta é a ditosa pátria minha amada,
A qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta vida ali comigo.»
Ou seja, pátria como local onde nasceu, périplo à qual «sou eu que o céu me dá que eu sem perigo torne com esta empresa já acaba» e «fim da vida», acabe-se esta vida ali, comigo. A pátria é o lugar onde eu, concluído o meu percurso pelo mundo, desejo morrer. Isto é de uma extrema elegância. Mas Camões não se limita a contar a História de Portugal até ao seu tempo. E aqui há, também, um aspecto, geo-estratégico que devemos consignar.
Que é que se passa no mundo, a partir de 1566, aproximadamente? Os Lusíadas são publicados em 1572. Passa-se que o poderio muçulmano conquista, na Costa do Malabar, posições estratégicas importantíssimas fazendo perigar as possessões portuguesas de Goa, Damão, a presença portuguesa na Índia. Esse poderio estende-se de Gibraltar, vai por toda a costa da África do Norte, passa no que é, hoje, o Canal de Suez, no mar Vermelho, vai pela costa do Malabar e vai até Java. É um cordão contínuo que põe em perigo a presença portuguesa no Oriente. Isso leva, pela primeira vez, a que a Coroa Portuguesa e os responsáveis portugueses e, digamos, a intelligentia portuguesa comece a pensar no Brasil, como alternativa. É um facto que, normalmente, nos esquece. O Brasil, até esse momento, tinha umas capitanias e tal, mas era, sobretudo, um lugar onde as naus paravam para fazerem a “aguada” quando seguiam para a Índia. O próprio Álvares Cabral descobre o Brasil, mas ia a caminho da Índia. Portanto, primeira consequência da situação geo-estratégica é que a Coroa começa a pensar que Rota do Cabo, o trajecto para marítimo para a Índia estava em perigo, e começa a pensar no Brasil como alternativa; segunda consequência, há um movimento ideológico em Portugal, no sentido de reforçar a importância da presença portuguesa na Índia.
Em 1566 são publicados os comentários do grande Afonso de Albuquerque pelo seu filho, o Brás de Albuquerque, e em 1572 são publicados os Lusíadas. Ignoram-se as circunstâncias concretas que levaram a essa publicação. Camões tinha regressado a Portugal em 1570, depois de ter estado 17 anos no Oriente. Mas há um aspecto que podemos relacionar com esta situação. Em Julho de 1572, Dom Luís de Atayde regressa a Portugal, coberto de glória pela sua vitória sobre os Romes. Os Romes eram um povo que tinha estado em conflito com os portugueses. Há manifestações de regozijo enormes, Te Deums, cerimónias, procissões, toda a Lisboa e todo o Reino andaram envolvidos nisso.
E, pouco depois, quinze dias depois, há o alvará de publicação dos Lusíadas. Dom Luís de Atayde era irmão de Vasco de Atayde, um dos grandes amigos de Camões na Índia e possivelmente esta vinda dele, numa situação em que Portugal precisa de afirmar o seus prestígio, o seu poderio, etc., etc., explica que tenha havido uma protecção especial ou uma pressão especial para que os Lusíadas fossem publicados. E temos um indício muito posterior de que pode ter sido assim porque quando Dom Luís de Atayde vai para Índia como Governador, em 1576 ou por aí, há um retrato de Camões – que já não estava na Índia – que é encomendado por uma grande figura que se encontrava em Goa para ser oferecido ao Vice-Rei, Dom Luís de Atayde; e as dimensões desse retrato coincidem bastante com as dimensões que conhecemos na edição dos Lusíadas, 1572. Eu penso que era um retrato que era para ser colado numa página de um exemplar dos Lusíadas para ser oferecido ao Vice-Rei.
Bom, mas Camões consegue contar a História de Portugal com todas as peripécias, descrever a navegação de Vasco da Gama, com observações da natureza, em muitas situações que, ele próprio, não terá presenciado. Ele podia ter escrito os Lusíadas sem ter ido para a Índia porque recorreu, sobretudo, a fontes escritas – cronistas. Há passagens dos Lusíadas que são uma crónica em verso, como chamou António José Saraiva, registos com que ele contactou e vou-lhes só dar um exemplo quanto a um dos casos mais célebres. Todos sabem que ele no Canto V, um pouco antes do episódio do Adamastor, descreve dois fenómenos naturais: uma tromba de água e o fogo de Santelmo. E é-se levado a pensar que ele teria presenciado estes fenómenos.
Eu penso que não foi nada disso. Temos que remontar à primeira viagem de D. João de Castro, uns anos antes, para a Índia; D. João de Castro era também um cientista, além de ser um grande guerreiro; D. João de Castro foi registando no seu diário de bordo, todos os fenómenos que presenciava e a desenhando a costa, também. Não pensem que aqueles mapas muito bonitos que nós conhecemos hoje da cartografia portuguesa do séc. XVI, eram os que andavam a bordo. Os que andavam a bordo eram uns esboços, tão precisos quanto possível mas rudimentares, porque senão com o mar, estragavam-se com a água do mar, com o sal, com tudo aquilo. Portanto, os mapas que nós vemos, muito bem acabados pelos cartógrafos, eram para algo na posse dos Príncipes ou para prendas entre os Príncipes. Ora, D. João de Castro quando vai à Índia da primeira vez, vê uma tromba de água e descreve-a, e desenha-a.
Depois, volta da Índia e, passado uns anos, volta a ir à Índia e vai anotando na margem do diário, as novas coisas que vai presenciando: fenómenos, situações, vestígios, bocados de cascas e de troncos à tona da água, coisas assim. Na noite correspondente à altura em que, na viagem anterior ele tinha descrito a tromba de água, assistiu ao fogo de Santelmo no cimo dos mastros, uma fosforescência no cimo dos mastros e anotou ao lado. E a meu ver, isto é que explica que o Camões tenha posto os dois fenómenos juntos. É que ele que, certamente, teve funções, não sabemos bem quais, ligadas à escrita e a compulsar documentos e elementos a bordo; certamente, ao percorrer uma cópia do diário de D. João de Castro – porque, depois, estes diários eram copiados para serem instrumentos de navegação dos outros capitães da armada – encontrou essas duas descrições, na mesma página, uma ao lado da outra, da tromba da água e do fogo de Santelmo.
Isto leva-nos à questão das fontes que um autor pode ter que utilizar para escrever o seu texto. Mas, para além da questão heróica, para além do cantar as façanhas dos portugueses, as vitórias dos portugueses que, depois, nalgumas edições foram adulteradas, por exemplo, durante o domínio espanhol, há passagens que são adulteradas, onde, por exemplo, dizia de D. Nuno de Álvares que “era açoite de valentes castelhanos”, numa edição do tempo dos Filipes, saiu “exemplo de valentes castelhanos”. Há inúmeras situações desse género.
Para além disso, Camões é capaz de uma intensidade lírica, absolutamente, extraordinária, mesmo no seu poema épico que todos conhecem, o caso da Inês de Castro, e eu só gostava de chamar a atenção para o que é, talvez, o mais belo verso da língua portuguesa. E que é um verso a propósito do episódio do Adamastor. O Adamastor conta a sua história, apaixona-se por uma ninfa, a ninfa ilude-o, quando ele pensa que está a agarrar o corpo da ninfa está transformado em rochedo e ao pé de outro rochedo. E então, diz assim:
- "Ó Ninfa, a mais formosa do Oceano,
Já que minha presença não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte, nuvem, sonho, ou nada?
Este verso, «ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada», é uma obra-prima ímpar.
Reparem até na gradação de consistência de textura, monte, nuvem, sonho ou nada. E só um génio é que pode escrever um verso destes e é um aspecto que, também, me parece importante de salientar. Da enorme qualidade daquilo que ele diz, no plano literário, mesmo quando dá erros. Também há erros nos Lusíadas, erros literários. No entanto, funcionam deslumbrantemente. Os Lusíadas, como sabem, são escritos em decassílabos, com regras próprias, decassílabo heróico, normalmente, acentuado na sexta e na décima sílaba, ou o sáfico acentuado na quarta, na oitava e na décima sílaba. Dois dos versos mais célebres e mais bonitos dos Lusíadas estão errados. Não têm dez sílabas, têm onze. Sabem quais são?
“Melhor é experimentá-lo que julgá-lo,
Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.”
No canto IX, do episódio da Ilha dos Amores. Porque é que estão errados? Porque têm onze sílabas: me-lhor-é-ex-pe-ri-men-tálo-que-jul-gálo, tem onze sílabas; para ter dez temos que ler, expri-mentá-lo.
O poema termina com a profecia sobre a evolução e o destino de Portugal até ao tempo em que Camões escreve. Mas, aqui, também há um aspecto interessante que é, o da fama e o da recompensa dos navegadores; e isso é feito através de uma alegoria do amor. Eles vão ter à Ilha dos Amores – a que o Camões nunca chama Ilha dos Amores, chama Ilha Namorada, uma ilha colocada por Vénus no seu trajecto – e têm aí, primeiro, uma cena erótica com as ninfas, uma cena de perseguição e entrega das ninfas. Mas depois de satisfeitos os apetites carnais e é-nos fácil imaginar que marinheiros, depois de tantos meses a bordo, certamente, precisariam dessa recompensa, quanto mais não fosse pela boca de um poeta, se acaso não aconteceu na realidade.
Mas, para além disso, o que é que acontece que também é fundamental para compreendermos os Lusíadas? Acontece que, Tétis que é, digamos, anfitriã, leva Vasco da Gama para o cimo de um monte – esta ideia de ascese é muito importante – e dá-lhe a contemplar o quê? A máquina do mundo através do chamado globo reduzido, portanto, uma espécie de modelo em cristal, de todo o girar do orbe e das esferas.
Isto leva-nos à concepção do amor como motor do funcionamento cósmico, ou seja, da presença de Deus, mas o que é Deus? Ninguém não entende, diz Camões.
Não tenho muito tempo, mas queria também dizer que, na Lírica, este homem que soube cantar, tão bem, a identidade nacional, a história nacional, afirmar as virtudes nacionais e ser crítico também dos vícios nacionais, crítico da cobiça, da ambição, da intriga, da cupidez pelo dinheiro. Dois dos versos mais extraordinários dele é a crítica àqueles que vão,
“Amando cousas que nos foram dadas,
Não para ser amadas, mas usadas.”
Ou seja, o dinheiro não deve ser amado por si, deve ser utilizado e os meios devem ser utilizados não amados enquanto meios. Mas sendo também um moralista, nesse aspecto, Camões é um homem capaz de exprimir a condição humana nas suas contradições da maneira mais extraordinária. E, aí, é o grande poeta da Lírica, é o homem dos sonetos, é o homem das canções, sobretudo, da última canção autobiográfica em que ele traça, praticamente, o seu trajecto biográfico, e é o homem das redondilhas “Sobre os rios que vão”.
Eu não tenho tempo para lhes falar destas coisas, mas há um soneto que faz pendant com «mas que é Deus, ninguém o entende» que me parece muito importante para esta pequena introdução. É um soneto em que Camões, por exemplo, tem dois versos em que antecipa Shakespeare. Quando Shakespeare diz no Hamlet, «há mais coisas no céu e na terra, Horácio, do que sonha a tua vã filosofia», temos Camões a dizer, «e feitos mil revolve o pensamento e não sabe a que causa se reporta, mas sabe que é o que mais que vida e morte, que não o alcance humano entendimento». Ou seja, de alguma maneira, ele está a dizer que há mais coisas a que não chega o entendimento humano. Então, neste soneto que é muito filosófico, ele diz, ele tem um final que mostra que não uma explicação racional para as coisas; há outro tipo de abordagem da realidade e de conhecimento da realidade que, à falta de melhor, é o que nos resta:
“Verdade, Amor, Razão, Merecimento
Qualquer alma farão segura e forte;
Porém, Fortuna, Caso, Tempo e Sorte
Têm do confuso mundo o regimento.
Efeitos mil revolve o pensamento,
E não sabe a que causa se reporte;
Mas sabe que o que é mais que vida e morte,
Que não o alcança o humano entendimento.
Doutos varões darão razões subidas;
Mas são experiências mais provadas,
E por isso é melhor ter muito visto.
Cousas há i que passam sem ser cridas
E cousas cridas há sem ser passadas...
Mas o melhor de tudo é crer em Cristo”
Este final que é de um absurdo genial, mostra que, para um homem como Camões, muitas vezes, não há uma explicação do mundo, de maneira que, só lhe restava ter fé que, para ele, era fé em Cristo, «o melhor de tudo é crer em Cristo». E não resisto também a ler-vos um outro soneto. Não se sabe quantos sonetos Camões escreveu. Não se sabe, cada especialista diverge, uns dizem que são duzentos e tal, no tempo de Diástomo, da crítica camoniana, chegou-se aos quatrocentos tal; hoje, há um número que, provavelmente, andará, com rigor, pelos cento e cinquenta e poucos.
Mas este que lhes vou ler, que é um dos mais conhecidos, é um soneto que, recentemente, foi discutido em termos de autoria, por um grande especialista, talvez o maior especialista vivo de Camões que é o Prof. Vítor Manuel Aguiar e Silva, com quem eu tenho andado em polémica porque eu acho que não há mais ninguém no séc. XVI que pudesse escrever este soneto. E, se não há mais ninguém, temos o Camões; será, a meu ver, um erro não atribuir a Camões, até porque há manuscritos que o atribuem. E este é um soneto desesperado; não vos vou falar dos sonetos em que, ou ele se debate nas contradições amorosas – que é uma outra linha que vem até aos nossos dias -, do «amor é fogo que arde sem se ver» ou, como diria o David Mourão Ferreira, um grande poeta desaparecido há onze anos, «se, é sem dúvida, amor esta explosão de tantas sensações contraditórias» é a mesma coisa que o Camões disse. E, por sua vez, o Camões disse o que o Petrarca tinha dito duzentos anos antes.
Mas este é um soneto negro, desesperado, provavelmente até herético pelo seu desespero: já não é o melhor de tudo crer em Cristo, aqui já não há saída. Que é a célebre de paráfrase do livro de Job, diz ele: «morra o dia em que eu nasci”.
«O dia em que eu nasci, morra e pereça,
Não o queira jamais o tempo dar,
Não torne mais ao mundo e, se tornar,
Eclipse nesse passo o sol padeça.
A luz lhe falte, o sol se lhe escureça,
Mostre o mundo sinais de se acabar,
Nasçam-lhe monstros, sangue chova o ar,
A mãe ao próprio filho não conheça.
As pessoas pasmadas, de ignorantes,
As lágrimas no rosto, a cor perdida,
Cuidem que o mundo já se destruiu.
Ó gente temerosa, não te espantes,
Que este dia deitou ao mundo a vida
Mais desgraçada que jamais se viu!»
Reparem que há aqui um verso quem também é um verso tão genial como aquele, «ou fosse monte, nuvem, sonho ou nada», que é, «eclipse nesse passo o Sol padece», reparem nesta prostração(?) toda em sons de P e de s’ – chamada a aliteração dupla.
A aliteração, para quem não esteja nestas coisas, é a utilização da mesma letra e consoante inicial, numa série de palavras de uma frase, por exemplo, forte, fiel, façanhoso, fazendo, feitos, famosos, é uma aliteração. Ou, como se dizia a brincar quando eu era pequena, os “vomveiros voluntários de Valongo vorraram os vicos das votas vrancas na vosta de voi”.(Risos) Isto também é uma aliteração. E é uma receita. Além de una notazinha de humor no princípio, já, perto do fim, acrescentem outra que não vos faz mal nenhum e a audiência também gosta.
«Eclipse nesse passo o Sol padeça» é um verso, absolutamente, genial na sua orquestração. Mas, além disso, temos que, esta visão apocalíptica de catástrofe total, «a mãe não conheça o filho, o ar chova sangue», etc., etc., é projectada nele e na sua vida, a vida mais desaventurada que se viu é o dia do seu nascimento e ele, por ele sua vez, projecta-se na catástrofe. É um soneto que não tem nada ver com «o melhor de tudo é crer em Cristo», é o soneto mais existencialmente desesperado de toda a literatura portuguesa.
Gostava de terminar com um a parte inicial de aquilo que eu considero, talvez, o maior poema lírico do ocidente europeu que são as redondilhas “Sobre os rios que vão”. Muito rapidamente, é um poema que tem 365 verso, portanto, como os dias do ano e que goza um Salmo, o Salmo 136 da Bíblia. O Salmo em que os judeus cativos em Babilónia choram as saudades de Jerusalém e de Sião, portanto, da sua pátria terrestre e da sua pátria celeste. Camões aproveita este ensejo para fazer uma recapitulação amarguradíssima da sua vida mas, a partir de certo momento do texto, há aqui como que uma reconversão e essa reconversão orienta-o ad o divino, ou seja, orienta-o para a salvação da sua alma. Cada versículo do Salmo é introduzido ao longo deste texto, e eu tive ocasião, há muitos anos de mostrar que isso obedece a um princípio matemático e pitagórico. Não vamos, agora, perder tempo com isso.
Só salientar, antes de ver os primeiros 45 versos que, e já que começámos falando na flauta, também neste poema, o Camões fala na flauta. A flauta é, desde os gregos, considerado o instrumento dos sentidos, o instrumento do erotismo, o instrumento da pulsão e do instinto do corpo humano. E à flauta contrapõe-se a cítara, que é um instrumento para cantar a Apolo, é um instrumento que Apolo utiliza, a lira é um instrumento para cantar à divindade. Também, neste poema, o Camões faz a chamada palinódia, ou seja, um discurso de sentido inverso àquele que tinha feito até aí, uma espécie de arrependimento. E, portanto, pendura a cítara com que cantou, com que cantou os seus instintos vitais, a sua poesia amorosa, os seus encantamentos para empunhar a lira para cantar à divindade. Não vamos chegar a esse ponto, mas vamos só pegar nos primeiros 40 versos.
Também é importante notar que Camões que tratou, como ninguém, a herança italiana e espanhola, do decassílabo, do petrarquismo, portanto, inovou extraordinariamente, entre nós, aqui, usou o metro, a chamada medida velha, o metro tradicional que, até fins do séc. XV, era típico da poesia portuguesa.
«Sôbolos rios que vão
por Babilónia, me achei,
Onde sentado chorei
as lembranças de Sião
e quanto nela passei.
Ali, o rio corrente
de meus olhos foi manado,
e, tudo bem comparado,
Babilónia ao mal presente,
Sião ao tempo passado.
Ali, lembranças contentes
n'alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.
E vi que todos os danos
se causavam das mudanças
e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura.
Vi aquilo que mais val,
que então se entende milhor
quanto mais perdido for;
vi o bem suceder o mal,
e o mal, muito pior,
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento,
e vejo-me a mim, que espalho
tristes palavras ao vento.»
Porque é que Camões é, para mim, o maior português de sempre? Para já porque, comparar portugueses, figuras históricas das mais variadas áreas é uma pura falácia: é impossível comparar um cientista com um guerreiro; é impossível comparar um navegador com um cantor de ópera, por exemplo.
Quando falamos do maior português de sempre, estamos a pensar no potencial simbólico que uma determinada figura tem para nós enquanto portugueses. Simbólico, de tal maneira simbólico, que essa figura avulta ao longo de um trajecto que tem mais de oito séculos de História.
Ora, Camões é, por um lado, quem melhor deu forma, pela palavra e expressão, à identidade nacional. Camões fala da ditosa Pátria, sua amada, pela via da História e pela via da Língua. Não se esqueçam que Vénus quando vai ter Júpiter pedir-lhe auxílio para os portugueses e pensa na língua portuguesa na qual, quando imagina, com pouca variação crê que é latim. Camões compreende a História e a modernidade do seu tempo, e a importância ímpar dos Descobrimentos na História portuguesa e na História europeia. Camões é um crítico da Europa do seu tempo e da desunião dos Europeus, outro ponto político importante para nós hoje, na União Europeia.
Camões critica, por exemplo, a França por Francisco I se aliar com os turcos, chama a Francisco I, o galo indigno; vê a soberba alemã, a arrogância alemã, vê dos alemães, soberbo gado. E compara, literalmente, a propósito da Europa, os cristãos desunidos aos dentes espalhados por Cádomo. Europa é raptada por Júpiter e Atenor, seu pai, manda o irmão dela, Cádomo, procurá-la; e às tantas sai ao caminho de Cádomo, um dragão; Cádomo mata o dragão e os dentes do dragão caem na terra; e desses dentes caídos na terra, nascem homens que se matam uns aos outros. Então, reparem na dureza da imagem que ele dá em relação aos europeus comparando-os aos dentes que Cádomo tinha espalhado. Este «de» os dentes de Cádomo esparzidos, este «de» é um «por», é uma voz passiva que está aqui introduzida por este «de».
Camões compara, portanto, a esses homens ferozes que se matam entre si na situação de pouca paz, de uma Europa dividida pelas guerras da religião e em que, às tantas, o interesse faz com que um dos grandes europeus se vá aliar ao turco, uma das principais ameaças para a estabilidade e para a existência europeias enquanto civilização cristã.
É, portanto, um português que, tendo escrito há mais de 400 anos, mantém uma actualidade no seu pensamento e nos dá uma lição, quer enquanto grande artífice da língua – o português moderno nasce com ele -, quer enquanto visão da História, quer enquanto percepção das grandes tendências do seu tempo, como mais nenhum conseguiu fazer.
Mas, sobretudo, Camões perdurou de tal maneira na consciência do imaginário colectivo que é importante, mesmo para quem nunca o leu e se limitou a falar dele, se for português.
Portanto, não vejo mais nenhum caso, podemos achar que o maior Rei foi D. Afonso Henriques ou D. João II, o maior Primeiro-Ministro foi o Marquês de Pombal ou Professor Cavaco Silva, que o maior compositor foi João Domingos Bomtempo ou Carlos Seixas. Podemos achar isso tudo. Um que consiga conjugar todos estes aspectos relativamente ao que é a identidade nacional, esse, na minha opinião, espero que seja partilhada por muita gente, chama-se Luís de Camões. Muito obrigado.
(APLAUSOS) |