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14.30 - Assembleia (simulação)
20.00 - Jantar-Conferência com o Dr Vasco Graça Moura
28-08-2007
Ambiente: peça chave do desenvolvimento?
 
Dep. Carlos Coelho
A presença entre nós do Prof. Dr. João Joanaz de Melo, que é um dos jovens professores universitários nesta área, foi presidente do GEOTA, tem como poucos um currículo notável na área do ambiente, associando, quer a dimensão da intervenção cívica, quer a reflexão científica e a produção científica sobre a matéria.

O Prof. Doutor João Joanaz de Melo, que é professor na Universidade Nova de Lisboa, tem como hobby a leitura e a espeleologia, tem como comida preferida toda aquela que seja boa, regional, e slow food, portuguesa com certeza, o animal preferido é o Lobo, sugere-nos um livro de Lester Brown “Plan B 2.0 – Rescuing a Planet Under Stress and a Civilization in Trouble”, o filme que sugere é “Uma Verdade Inconveniente” de Al Gore, e quando lhe perguntámos qual é a principal qualidade que mais aprecia, respondeu-nos que uma só não chega, algumas das mais importantes são a honestidade, a competência e a empatia.

De certa forma um auto-retrato, porque eu que conheço o Prof. Dr. Joanaz de Melo há muitos anos, reconheço nele um homem honesto, um homem competente e capaz de gerar uma grande empatia.

A palavra é do nosso convidado.

 
João Joanaz de Melo
Muito obrigado Carlos. Eu prefiro falar passeando, nenhum de vocês vai ter a tentação de ficar virado para mim, fixado, e adormecer com os olhos abertos, vão ter de pelo menos andar com a cabeça de um lado para o outro.

O tema da nossa conversa de hoje eu resolvi intitulá-lo “Ambiente – Luxo ou necessidade”?, e a formula é colocada como uma questão deliberadamente, porque é uma questão que todos nós podemos ter que responder, todos vocês, enfim, desejavelmente no fim da sessão de hoje, terão que responder.

Antes de mais, gostaria de agradecer a honra que me é dada pelo convite que foi dirigido pelo Carlos Coelho e pela Universidade de Verão. É de facto um prazer estar aqui, porque entendo de facto que é muito importante discutir estas temáticas com pessoas que se preocupam com a vida política e com a vida cívica. Porque as questões de desenvolvimento são questões que nos dizem respeito a todos e o ambiente é uma peça, na minha opinião, muito importante do desenvolvimento que nós todos pretendemos para a nossa sociedade.

Vamos ver se vocês partilharam desta opinião.

A primeira questão que se pode colocar é: proteger o ambiente porquê? Porque é que vale a pena proteger o ambiente? Questões, respostas, ideias? Como?

Participante: - Qualidade de vida.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Qualidade de vida. Mais?

Participante: - Preservação das espécies.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - preservação das espécies. Porque é que é importante preservar as espécies? Mais ideias?

Participante: - Crescimento sustentável.

Participante: - Rendimento.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Crescimento sustentável. Será que um crescimento pode ser sustentável? A nossa terra é finita. Podemos crescer indefinidamente?

Participante: - Não, não nesse sentido. Num conceito mais abrangente de desenvolvimento sustentável talvez.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - OK. Mais ideias?

Participante: - Equilíbrio natural.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Equilíbrio natural. O que é que é o equilíbrio natural, por exemplo?

Participante: - O equilíbrio dos ecossistemas.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Porque é que os ecossistemas têm que estar equilibrados?

Participante: - Por causa da biodiversidade.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Bom, obviamente na biodiversidade não há ecossistemas equilibrados, as duas coisas estão ligadas uma à outra. A questão é: será que os ecossistemas estão equilibrados? Ao longo da história da terra os ecossistemas sempre se alteraram, e portanto, enfim, porque é que agora temos que fazer alguma coisa de diferente?

Participante: - Porque o homem provocou o desequilíbrio.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Por exemplo?

Participante: - Por causa do clima. O clima está em constante mutação.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - O clima está em constante mutação, pois está.

Participante: - Por causa da acção humana. Da acção antrópica do homem.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Então, mas o clima já estava em constate mutação antes de haver acção antrópica.

Participante: - Mas por causa das mudanças, a indústria, de toda essa..

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Será que o clima está agora a mudar mais do que estava antes da actividade industrial?

Participante: - Acho que é importante também falar de gestão de recursos naturais para as actividades humanas e crescimento a nível tanto económico como o desenvolvimento sustentável. Uma coisa não pode-se dissociar de outra.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Porquê? A experiência que nós temos dos últimos 50 anos é que tem havido um crescimento económico e tem havido também um constante aumento dos recursos naturais.

Participante: - Mas esse crescimento económico não devidamente estruturado levou ao desequilíbrio e às próprias problemáticas que vamos ter no futuro, como o escasseamento da água, que vai levar a grande parte dos conflitos a nível mundial. É um exemplo prático.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Por exemplo, que conflito, que conflito é que pode ter a ver com a escassez de água?

É assim, isto são coisas que nós ouvimos falar, é importante nós percebermos que isso tem âncoras reais. Há pessoas reais que sofrem com esses problemas. No que é que estamos a falar quando estamos a falar de conflitos gerados pela escassez de água?

Participante: - Nos países em vias de desenvolvimento a água potável é escassa.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É?

Participante: - E em Israel sobretudo. Actualmente é considerada uma das..

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É, o médio oriente é claramente um dos sítios onde a água ou a falta dela é claramente uma fonte de conflito.

Participante: - Aliás, o desenvolvimento de Israel a nível da agricultura com os sistemas mais avançados de gota a gota e tudo, deve-se sobretudo à guerra da água.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Bom, e parte dos problemas com a vizinhança também se devem à utilização da água para rega.

Portanto, essas coisas, isso é uma das primeiras coisas que nós aprendemos quando falamos de ambiente, é que os princípios fundamentais são relativamente simples, mas depois quando vamos a querer aplicá-los na prática a coisa já não é assim tão simples como isso.

Então vamos ver alguns exemplos. Qual é o estado do nosso Mundo. Três biliões de pobres. Metade da população mundial vive com menos de 2 dólares por dia, um dólar é mais ou menos 1 euro, agora vocês imaginem o que é que era viverem com um bocadinho menos de 2 euros por dia. Isto é o estado em que está metade da população no mundo inteiro. Isto é uma situação, do ponto de vista social, é obviamente degradante, e uma parte importante destas pessoas está envolvida naquilo que se chama “o ciclo de pobreza”, não só é pobre como não tem nenhuma maneira de sair desta pobreza.

Um bilião de iletrados. Um sexto da população mundial não sabe ler nem escrever.

Um bilião sem acesso fiável à água potável. Um bilião de pessoas, vocês estão a ver quando é que é um bilião, é mil milhões de pessoas. Em Portugal há 10 milhões de pessoas em Portugal inteiro, cem vezes isto.

Em todo o mundo, há 21 milhões de refugiados e deslocados, principalmente devido a guerras. Principalmente devido a guerras civis, aliás. Digamos, hoje em dia a guerra convencional é felizmente um evento relativamente raro, mas os fenómenos de guerra civil, de terrorismo, de perseguição do próprio Estado contra partes de um país, é muito vulgar.

A riqueza de um quarto dos países mais pobres do mundo é, mais coisa menos coisa, igual à riqueza das três pessoas mais ricas do mundo. Portanto, temos aqui uma disparidade brutal.

Estamos neste momento, alguém falou em perda de biodiversidade, nós estamos neste momento a assistir, devido à pressão humana, à maior extinção em massa desde o Cretáceo. A extinção em massa do fim do Cretáceo foi quando desaparecem aos Dinossauros, e não apenas os Dinossauros mas para aí 90% das espécies que existiam em toda a terra nessa época. Aparentemente, enfim, a teoria científica hoje em dia mais aceite é que terá sido devido à queda de um meteorito. Nós estamos, neste momento, nós, humanidade, a provocar uma extinção em massa de velocidade comparável e de magnitude comparável a esta.

Já se falou das alterações climáticas não se falou ainda de um outro fenómeno que é a poluição sistémica. Neste momento há uma série de contaminantes, o mais famoso, o mais mediático, são as chamadas dioxinas, que começam a aparecer com níveis cada vez mais elevados, nos sítios mais inesperados, por exemplo, no leite materno.

E temos, já ouviram falar do conceito de “pegada ecológica”? Alguém ouviu?

Aquele senhor está ali a dizer que sim. O que é que é a “pegada ecológica”?

Participante: - Teoricamente será aquilo que eu utilizarei no ambiente ao meu redor e que poderei poluir na minha acção diária, praticamente nós podemos calcular a pegada ecológica anual, por exemplo, de cada pessoa.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Muito bem. Nós podemos exprimir o nosso estilo de vida na quantidade de território que é preciso para satisfazer os nossos usos: a nossa alimentação, aquilo que nós vestimos, a casa que nós vivemos, a maneira como nos transportamos, e por aí fora.

E, portanto, a pegada ecológica expressa-se, pode ser expressa de várias maneiras, mas expressa-se por exemplo em hectares de território, chamados hectares globais, que tem a ver com o facto de nós irmos buscar recursos a todo o mundo.

E portanto, alguém tem uma ideia, cada português hoje em dia, tem uma pegada ecológica de que tamanho? Alguém faz uma ideia? Não?

Participante: - Não há uma média de cada português produz quilo e meio de lixo por dia?

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Já lá iremos. Sim, mas isso é uma parte, pequena, até eu diria, da pegada ecológica.

É assim, para os recursos que nós consumimos no nosso dia a dia, cada um de nós precisaria de ter quatro hectares de território do mundo. Quatro hectares por português. Quatro hectares em permanência. Não é por ano. Podemos falar em consumo de litros de água por ano ou produção de lixo por ano, mas quando falamos da pegada ecológica falamos de um território que é usado em permanência, do qual nós extraímos os recursos, que é utilizado para nós e não para a manutenção da biodiversidade ou de outra coisa qualquer.

Isso é um pormenor de utilização de unidades físicas, mas enfim, podemos discutir mais um bocado essa ideia.

Mas, cada português, digamos, que usa quatro hectares de recursos no planeta. Ora, se vocês fizerem as contas ao território que Portugal tem e ao número de portugueses que existem, chegamos à conclusão que estamos a usar quatro vezes mais recursos do que aqueles que temos. É como ter uma conta no banco e em vez de viver do rendimento, viver do capital, todos os dias a ir tirar um bocado do capital. Portanto, ele gasta-se, não é.

E nós temos um estilo de vida que obviamente é mais rico, consome mais recursos do que a média mundial. A média mundial é que para garantir eternamente o nível de consumo de recursos que o mundo em média tem hoje em dia, não basta um planeta, são precisos dois.

E se os chineses e os indianos passarem a ter um estilo de vida como o nosso, não basta um planeta, são precisos quatro.

Bom, e se o mundo inteiro tivesse o mesmo estilo de vida dos EU, então não bastavam quatro, eram precisos para aí uns oito.

Portanto, nós estamos de facto a usar muito mais planeta do que aquele que temos. Não é efectivamente sustentável.

Este mapa dá uma imagem até que ponto nós já alteramos o estado do nosso planeta. As zonas que estão a vermelho são as zonas mais intervencionadas, onde a natureza basicamente desapareceu: a Europa central, a costa leste dos EU, aqui esta zona litoral até à América do Sul, o subcontinente indiano, aqui a zona oriental da China, e, a zona envolvente do Saara, portanto, o Sahel, a zona de savana envolvente do Sahel, e praticamente toda a orla mediterrânica.

Portanto, estas são as zonas onde o homem tem uma pegada mais forte, onde a natureza foi mais degradada.

Mas, mesmo nas zonas mais remotas, o único sítio onde não há uma ocupação humana é estes risquinhos amarelos que vocês vêem aqui, são sítios onde há estradas onde há ocupação humana, embora de menor densidade.

Até no meio do deserto do Saara já há uma intervenção humana significativa.

No meio da selva amazónica. Até na Sibéria, em quase toda a Sibéria.

Só aqui nas calotes glaciares é que há pouca intervenção humana.

Portanto, nós temos um grau de artificialização do nosso planeta que hoje em dia é brutal. Portanto, aquele coisa que aparecia nos mapas do século XVIII e XIX, que era, havia uma expressão que agora não me lembro como é que era, em latim, que era qualquer coisa como “aqui há bichos”, quer dizer, era terra incógnita, não se sabia o que é que lá havia. Praticamente já não existem esses espaços.

Como é que estamos em Portugal? Em matéria de cultura temos 10% de analfabetos, isto são as estatísticas, as últimas a que consegui botar a mão, minimamente fidedignas, são as estatísticas da população de 2001. 81%, não tem escolaridade obrigatória, só 19% da população portuguesa, hoje em dia, é que tem a escolaridade obrigatória, ou seja, a actual escolaridade obrigatória até ao 9º ano de escolaridade.

A taxa de pobreza, não de acordo com aquele critério das Nações Unidas que eu disse há pouco, mas de acordo com o critério da OCDE, é de 26%. Portanto, há 26% que a OCDE considera como pobres em Portugal, um quarto da população do país é classificada como pobre.

A nossa intensidade energética é uma medida muito importante de eficiência da economia, piorou, ou seja, aumentou 9% desde 90 a 2003. O que é que isto significa, desde 90 a 2003, para produzir um unidade de riqueza, um euro de riqueza, gastamos 9% mais energia, do que gastávamos há quinze anos atrás.

A nossa emissão de gases de efeito de estufa, que tinha como limite em 2010 um acréscimo de 27% em relação a 1990; em 2003 já tinha ultrapassado um acréscimo de 37%. Portanto, estamos muito, muito acima dos nossos compromissos em matéria de Quioto.

O nosso consumo de água, hoje em dia, em média é de, ao nível das captações, dos rios, e dos aquíferos, 270 litros por habitante por dia. Cada um de vocês, Meus Senhores, implica extrair dos rios 270 litros de água por dia. Considerando que cada um, enfim, no verão se tiver muita sede e se não for dado à vinhaça, é capaz de beber um litro ou litro e meio de água por dia, agora pensem bem em que é que estão a usar os outros 270 litros.

Bom, eu digo-vos que 40% em que é que estão a ser usados. Estão a ser perdidos por canos rotos, desperdícios, captações ilegais e tal, antes sequer de chegar à vossa torneira.

A maior parte disto é desperdício, costuma-se dizer que em Portugal há falta de água. Em Portugal não há falta de água, há é falta de juízo. Só 60% dos esgotos que saem das nossas casas, das vossas casas é que são tratados. Por acaso não sei onde vão parar os esgotos aqui deste hotel, mas acho que era importante no intervalo se calhar descobrir. Aliás, pode ser um dos trabalhados que vocês têm que fazer esta noite, pode ser, onde é que vão parar os esgotos deste hotel. Tendo em conta que Castelo de Vide é um dos municípios com uma gestão municipal mais eficiente e mais progressista, eu tenho esperança que eles vão parar a uma ETAR. Mas não sei, verdadeiramente não sei.

A nível nacional, 35% das estações de medição da qualidade da água, indicam uma qualidade da água má ou muito má. Só vinte e poucos por cento é que tem qualidade boa ou muito boa.

Resíduos sólidos urbanos, a média nacional, cada um de nós em média está a produzir 1,2 quilos de lixo por dia, estamos a falar de lixo urbano, só, aquele que sai das nossas casas, não estou a incluir aqui resíduos das áreas comerciais, da indústria, por aí fora. Só o lixo que sai das nossas casas. Nas zonas urbanas, nos centros urbanos, portanto, em Lisboa e Porto, este número chega ao tal quilo e meio por dia por pessoa, que um dos vossos colegas focou.

Mas apesar disso somos um país rico, somos um dos países da Europa que tem uma maior taxa de segunda habitação. Temos uma casa e meia por família, em Portugal existem à roda de três milhões e meio de famílias, temos 5 milhões de habitações. É verdade que meio milhão está devoluto, duzentos ou trezentos mil, não se sabe bem quantos, mas por aí, estão a cair de podre, literalmente a cair de podre, todos os anos caem não sei quantos prédios. Mas de facto temos, toda a gente tem casa e toda a gente tem segunda casa, às vezes terceira casa. E no meio disto, nós temos um planeamento territorial que diz que todas as áreas declaradas como urbanizáveis nos planos directores municipais (toda a gente sabe o que é um plano director municipal), que todas essas áreas declaradas como urbanizáveis fossem efectivamente construídas, acham que isso dava para aí para quantos milhões de habitantes? Dêem lá um palpite.

Participante: - 40.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Quem é que disse 40? Mas já sabia? Se todas as áreas urbanizáveis se fossem construídas davam para 40 milhões de habitantes. Portanto, é quatro vezes a população do país.

Temos quase 1% do território que está declarado como urbanizável e que está expectante, não tem nenhuma utilização de facto, nem agrícola, nem florestal nem coisa nenhuma, é um terreno que está para ali a acumular lixo, à espera de ser construído e nunca vai ser, porque é evidente que quem planeou estas coisas, se calhar, não sabe donde é que vêm os bebés, a população não cresce assim.

29% da nossa costa está ameaçada pela erosão. Quando ouvirem falar de lindos projectos turísticos à beira mar plantados, pensem nisso. Quase 30% da costa ameaçada pela erosão.

E estamos obviamente numa permanente crise económica. Se não é todos os dias, é dia sim, dia não.

Há várias razões para isto, fala-se muito de várias coisas, da produtividade, da caspa debaixo das unhas, nisto, naquilo e naqueloutro.

A razão mais importante de todas e é uma das questões que vale pena, eventualmente, discutir e até discutir com pessoas que percebam mais do que eu de economia, é que a percentagem de empresas que desenha os seus próprios produtos em Portugal, é das mais baixas de toda a Europa. Em números redondos, não há nenhuma estatística fiável sobre isso, do trabalho que eu tenho feito sobre a matéria, o meu palpite é que ande à volta dos 5%. Só 5% das nossas empresas é que desenham os seus próprios produtos, o resto, ou são investimento estrangeiro, ou usam patentes de terceiros, ou são subempreiteiros, ou são basicamente criados dos outros.

Portanto, nós não desenhamos o nosso produto, não temos marcas, e portanto, não controlamos aquilo que fabricamos e aquilo que vendemos.

Bom, para não pensarem que isto é só desgraças, há algumas imagens da natureza que temos. Alguém conhece isto? Arriba Fóssil, na Costa da Caparica.

Alguém conhece isto?

 

Participante: - Vale do Zêzere.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Vale do Zêzere. É o nosso maior vale Glaciário. Isto mostra que tivemos glaciares aqui em Portugal.

Alguma ideia?

Participante: - Cabo Espichel

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Perto. Arrábida. Por acaso nem por isso. Cabo Sardão, Costa Alentejana.

Participante: - É Alentejo?

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não, não é aqui. Por acaso aqui nesta zona também há sobreiros..

 

(Um minuto inaudível

 

(cont.) como é que se chama este tipo de terreno, este tipo de ocupação do solo?

Participante: - Montado.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Montado. O que é que quer dizer um montado? O que é que significa o montado? Porquê este nome? É um nome esquisito, não é? Montado? Sim, obviamente. Mas porque é que se chama montado?

Participante: - Porque não tem espécies produtivas, não se produz.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Como?

Participante: - Não se produz.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não se produz? Então não produz! Produz imensas coisas.

Participante: - Não, não é isso. Mas não tem uma agricultura, quando digo “não se produz”, não se vai por nada para comer em casa, é nesse sentido.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Pode pôr, isto pode ser uma pastagem natural, ou pode ser cultivado. O que caracteriza o montado é que eu tenho um coberto arbóreo com pastagem, portanto, tenho uso múltiplo, tenho uma espécie que é uma ou duas, que é o sobreiro e a azinheira que correspondem à flora original, portanto, seria o coberto arbóreo original dessas regiões, e o que foi feito aqui foi destruir o mato, o chamado sub-bosque, para instalar uma pastagem. Portanto, isto é uma zona com uma ocupação agrícola extensiva, é uma baixa intensidade de uso, que mantém algumas espécies originais, mantém uma biodiversidade elevada, mas tem uma utilização humana e é uma paisagem fortemente humanizada.

Isto não é uma paisagem natural, isto não é uma floresta, isto não é um ecossistema natural, isto é uma paisagem fortemente humanizada.

Um olival com pastagens no Alentejo interior, na Primavera obviamente, se fosse nesta época do ano estava tudo amarelo.

Muito bem, Vale do Sabor.

Olhem bem para isto, olhem para isto porque daqui a uns anos pode já não estar aqui, pode estar afogado.

Odeceixe, muito bem.

Peneda-Gerês. Alguém sabe como é que se chama esta mata? Mata de Albergaria, Parque Natural da Peneda-Gerês. Isto é uma verdadeira floresta. Isto é uma floresta, isto é muito próximo daquilo que existiria naturalmente aqui. Enfim, há umas quantas espécies a menos, por exemplo, já não há ursos. O último urso foi morto em Portugal para aí no século XVIII, mas isto é muito próximo, é um dos raros exemplos que temos em Portugal de uma ocupação verdadeiramente próxima da natureza. Isto é um habitat muito próximo do natural.

Participante: - Serra da Lousã.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não. Frio, frio.

Participante: - Gerês.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não.

Participante: - Mas é para aqueles lado?

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Bom, não é no fundo do mar nem na lua. Madeira. Não há aqui ninguém da Madeira?

Então?! É por causa do nevoeiro!

Isto é Laurisilva, claro!

Graças a Deus há mais coisas na Madeira do que o Alberto João.

Participante: - Açores.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Açores. O quê, nos Açores?

A Lagoa do Fogo, muito bem.

Isto é uma fotografia raríssima. Esta é das poucas desta série que não é minha, isto foi tirado por um fotógrafo da natureza, chamado Pedro Alarcão, isto é uma Loba com 5 lobinhos, este aqui só se vê as orelhinhas. Isto é na Serra da Peneda. Na serra da Estrela já não há lobos, infelizmente.

Para que é serve um Lobo?

Vocês sabem, obviamente que o lobo é uma espécie protegida em Portugal. Para que é que serve o lobo? Para que é que a gente se dá ao trabalho de proteger um bicho destes?

Participante: - Para equilibrar a cadeia alimentar.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Para equilibrar a cadeia alimentar. O que é que o lobo equilibra na cadeia alimentar?

Participante: - Come coelhos.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Ah, coelhos, por acaso não caça muitos coelhos. Para um lobo, um coelho não dá nem para a cova dum dente.

 

Dep. Carlos Coelho: - Deus queira! (Risos)

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Sabem quantos casos documentados é que há de ataques de lobos a pessoas em Portugal? Desde para aí do século XVII, foi quando se começou a fazer este tipo de estatística: zero. Há montes de, há centenas e centenas de casos, aliás continua a haver, ataques de lobos a rebanhos, há muitos registos de lobos a perseguir pessoas, ou pessoas a queixarem-se que foram perseguidas por lobos, mas não um único caso documentado de um ataque de lobos a pessoas em Portugal, noutros países há, em situações nomeadamente de Invernos rigorosos, mas em Portugal não há um único desde pelo menos o século XVII. Foi quando estas coisas começaram a, desde que foi criada a montaria-mor do reino, que tinha como objectivo, entre coisas, caçar lobos.

Portanto, a minha pergunta mantém-se pertinente, para que é que serve um Lobo? Alguém aqui gosta de lobos? Então acham que se deve manter lobos? É uma ideia boa manter lobos em Portugal? Porquê?

Participante: - Para o equilíbrio do ecossistema.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Em que medida é que o Lobo contribui para o equilíbrio do ecossistema?

Participante: - Preponderante(?) na cadeia.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Como? Quem é que estava a falar? Em que aspecto? Qual é que é a praga que o Lobo está a evitar?

Participante: - Confesso que não sei exactamente em que ele está inserido, mas contudo julgo que ele sendo um predador diminui o desenvolvimento de determinadas espécies, ou seja, acaba por de alguma forma controlá-las.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É verdade. Aliás, podemos dizer que isso é um critério genérico pelo qual os predadores que estão no topo da cadeia trófica são interessantes.

Infelizmente, no caso do Lobo não se está muito a verificar esse aspecto. Por exemplo, aqui no Parque Nacional da Peneda-Gerês, as principais presas do Lobo são os garranos, os cavalos que vivem no monte, vivem em liberdade, e os bezerros, na Serra da Estrela eram as ovelhas. Portanto, aquilo não é bem gado doméstico, eu não sei se vocês já deram de caras com alguma manada de cavalos do Gerês ou uma manada de vacas, aquilo não é propriamente aquilo que se chama gado doméstico, aquilo que estamos habituado a ver aí metidos no estábulo. Mas de qualquer maneira, enfim, não são uns bichos tão difíceis de caçar para o Lobo como por exemploo javali. O problema é que para o Lobo caçar o javali, o javali é um bicho um bocado, esse sim é uma praga, e era interessante haver mais lobos para poderem caçar mais javalis. O problema é que para caçar um javali é preciso uma matilha de lobos grandinha. Ou seja, não é uma loba com 5 lobachos que consegue caçar um javali, tinha que haver alcateias maiores, para poder ser de facto um factor de controle do javali. Portanto, eventualmente uma das formas de controlar melhor o javali será aumentar o número de lobos.

Sim?

Participante: - Mas, eu não tenho a certeza do que vou dizer, mas julgo que é proibido matar javalis também.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não. É assim, a caça ao javali é controlada, não é admissível caçar indiscriminadamente o javali, mas há montarias aos javalis, nomeadamente em zonas onde eles proliferam, por exemplo aqui no Alentejo interior, na beira interior, há montes de javalis, não há nada que ataque o javali, aqui nesta zona não há lobos, e portanto, eles tornam-se uma praga para as culturas, e portanto, é frequente nesta zona haver caçadas aos javalis.

Portanto, os lobos se fossem em maior número poderiam efectivamente ser um factor de controlo de javalis.

Alguém tem ideia de quantos lobos existem em Portugal?

Participante: - 200.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Para aí, entre os 200 e os 300.

Não se sabe bem ao certo, porque, enfim, vai variando obviamente ao longo dos anos. É um número relativamente pequeno.

E alguém sabe quantos linces existe em Portugal.

Participante: - Nenhum.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É assim: existem, mas são turistas. Vêm de Espanha, portanto, fazem turismo internacional. (Risos)

O lobo tem esta virtualidade, é de ser um animal extraordinariamente adaptável, desde que não seja activamente caçado, ele convive perfeitamente bem com o homem.

O que não é o caso do lince, nós praticamente já extinguimos o lince em Portugal. Ou seja, há lince em Portugal, há vestígios, há avistamentos muito raros, mas não existe neste momento uma população viável reprodutora de Lince em Portugal. Porquê? Porque nós destruímos o habitat dele.

Alguém sabe o que é isto?

Participante: - Alecrim.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Alecrim aos molhos, por causa de ti choram os meus olhos.

Conhecem isto?

Participante: - Foz Côa.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Foz Côa. Isto aqui é talvez o exemplo mais precoce da história de desenhos animados. Isto foi o percursor do Walt Disney.

Isto aqui é uma figura de um cavalo, que tem aqui três posições da cabeça, uma aqui, outra aqui, e outra aqui. Quem desenhou isto estava a desenhar um cavalo que se estava a mexer. Há talvez vinte mil anos atrás.

Quem é que conhece Foz Côa? Já foram a Foz Côa?

É uma pegada de Dinossauro, não é na Lourinhã nem na Pedreira do Galinha, é num parque..

Participante: - Fátima.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: -  Candeeiros, sim. Era um bichinho grandinho. Este era daqueles que tinha para aí 4 metros de altura e umas dentuças deste tamanho. Portanto, pode-se pensar: ainda bem que se extinguiram! Já viram o que era andar a passear aí pelo monte. E estes não eram como os Lobos que têm algum pudor em atacar pessoas, estes se aparecesse algum sujeito assim tenrinho pela frente, eram capazes de lhe chamar um figo.

Bom, mas estes extinguiram-se há 65 milhões de anos. Temo-los sob a forma de pegadas.

E são fascinantes. Quem é que nunca achou graça nenhuma a Dinossauros?

OK. Portanto, 99% das pessoas que aqui estão acham graça aos Dinossauros apesar de só os conhecerem por pegadas e outras coisas afins.

Bom, portanto, porquê proteger o ambiente?

Eu diria, temos duas ordens de razões.

Um conjunto de motivações éticas:

- Que pode ter a ver pelo respeito pela vida;

- Por esta ideia de que se não somos capazes de consertar é melhor não partirmos;

- Solidariedade com as próximas gerações, é uma das peças do chamado conceito de desenvolvimento sustentável;

- E se quiserem, uma motivação religiosa, inclusivamente. Qual é o nosso papel no mundo, somos zeladores ou somos saqueadores, nós espécie humana.

Depois, temos um conjunto de razões que podemos chamar genericamente de egoísmo esclarecido, algumas já foram aqui referidas:

- A nossa qualidade de vida;

- A nossa saúde:

- A nossa economia, porque em última instância toda a nossa economia é baseada nos recursos naturais;

- A nossa qualidade de vida; e, por último, mas não menos importante, a paz no mundo.

Alguém sabe quem é que foi o Prémio Nobel da Paz em 2004?

Ideias?

Participante: - Uma senhora da Palestina.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não. Foi uma senhora, mas não era da Palestina.

Participante: - Era uma activista ambiental nigeriana.

Participante: - A Ministra do Ambiente do Kenya ou..

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Muito bem. A senhora Wangari Maathai. Veio a ser depois mais tarde Ministra ou Secretária de Estado do Ambiente no Kenya, e que foi a lançadora do movimento chamado Green belt, que promoveu a plantação de milhões de árvores, exactamente naquele região do Sahel, na região sub-desértica a sul do Saara, que sofre tremendamente com a falta de água, com a falta de comida, com a guerra, e uma das razões fundamentais para isso é a falta de recursos, e portanto, a reflorestação digamos que ajuda a resolver estes vários problemas. Hoje em dia a nível mundial, de facto, a escassez de recursos está, aliás como sempre, todas as guerras têm independentemente dos factores complicantes políticos, sociológicos, religiosos e tal, a razão fundamental para a guerra sempre foi e sempre vai continuar a ser, a luta pelos recursos, pelo controlo dos recursos.

Alguém sabe qual é que é a dimensão das nossas águas territoriais? A que distância da costa é que se definem as nossas águas territoriais?

Participante: - 12, 12 milhas.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Quem é que disse 12 milhas?

Participante: - Agora estão em 200.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não 200, é a zona económica exclusiva. 12 milhas.

Sabem qual é que é a definição original, no direito marítimo internacional, a definição original das águas territoriais, eram 3 milhas, e a definição era baseada, alguém sabe em quê?

Participante: - Do alcance da artilharia.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Exactamente. Do alcance da artilharia. Portanto, até onde chega a minha bala de canhão é meu. Portanto, o que significa que de facto, ou nós encontramos maneira mais pacífica de gerir os recursos ou estamos sempre em risco de entrarmos em situações de conflito por causa do controle dos recursos.

Bom, agora, passamos à parte, até aqui isto foi só conversa, é muito engraçado, muito interessante saber estas coisas, agora, vamos passar à parte de meter as mãos na massa. Ok, então e agora o que é que vamos fazer acerca disto.

Agora, passamos da parte de dizer: bom, vamos aprender umas coisas, para a parte de dizer: nós somos cidadãos deste país, da UE, do Mundo, se quiserem entender dessa maneira, o que é que nós podemos fazer, o que é que nós devemos fazer, como é que podemos resolver alguns destes problemas.

Este é o paradigma tradicional das relações entre ambiente e economia.

É um paradigma que emerge na cena internacional, por exemplo na Conferência de Estocolmo em 1972. É a forma tradicional como ainda hoje uma grande parte da nossa sociedade olha para o ambiente.

O ambiente é uma coisa muito interessante, muito agradável e tal, mas a gente tem que pesar as coisas. Bom, num lado temos o ambiente, do outro lado temos a economia, para termos mais economia temos que ter menos ambiente.

Algum comentário?

Participante: - Não será bem assim.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Porquê?

Participante: - Ainda há pouco disse que a economia (..) estava a dizer que um bom ambiente contribui para uma boa economia.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Eu também acho que sim, mas..

Participante: - E os recursos naturais são rentáveis.

Participante: - E é daí que vem o conceito de desenvolvimento sustentável, é da combinação da economia com o ambiente.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Por exemplo?

Participante: - Ao entrarmos numa floresta bem ornamentada..

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Ornamentada?

Participante: - Sim.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Com bolas de natal e tudo.

Participante: - Ordenada, a nível florestal, e o aspecto visual também é importante, não é bolas, mas é outro tipo de bolas, pinhas e coisas do género.

Temos uma riqueza de madeira, temos oxigénio, temos toda a fauna, toda a riqueza, não é. Madeira, papel, uso múltiplo da floresta. Bom ambiente, boa economia, desde que seja sustentado, feito por partes.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Então, e se nós resolvermos deitar abaixo ali um bocado de floresta e construir uns condomínios ou uns campos de golfe? Dão muito mais dinheiro.

Participante: - Dão?

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Dão. Prelo menos da forma como actualmente está organizado o nosso sistema de finanças locais, de fiscalidade, etc. Hoje em dia dão, pode-se gostar ou não gostar, mas é um facto.

Portanto, é verdade que há casos, há muitos casos em que uma boa gestão de recursos naturais representa uma boa economia, mas também há muitos casos em que uma má gestão de recursos naturais dá dinheiro a muita gente.

Bom, então, como é que a gente..

Sim?

Participante: - Só para fazer um comentários relativamente à gestão de recursos naturais. Acho que é dum egoísmo atroz pormos a economia e ambiente na mesma balança. Porque a economia depende de todo o ambiente e o ambiente não depende em nada da economia.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Depende sim.

Participante: - Em quê?

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Se as pessoas estiverem a morrer à forma estão-se completamente nas tinhas para o ambiente.

Participante: - Sim, mas as pessoas não morrem à fome.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Bem, em Portugal não, mas em outros países sim.

Participante: - Mas isso é um problema de..

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - No Sahel morre-se de fome.

Participante: - ..de excesso de população mundial. Os problemas ambientais e o problema do excesso de população mundial, mais nada.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Cada habitante do Sahel consome muito menos recursos do que nós.

Participante: - Com certeza.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Consome, talvez 100 vezes menos recursos do que nós.

Participante: - Com certeza. Mas é um problema de excesso de população. Idealmente o ambiente não depende em nada da economia, somos nós que dependemos totalmente dele. Portanto, podemos ter um respeito total e as únicas técnicas que devemos utilizar sobrepondo a economia ao ambiente são aquelas que nos permitem sobreviver mais nada, o resto são tudo luxo.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É verdade. Por exemplo, porque é que nos estamos aqui numa sala com as cortinas corridas e com as luzes acesas?

Participante: - Podíamos estar na rua, na floresta, era bem mais agradável.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Por acaso podíamos, era bastante mais. Estamos obviamente com um excesso de consumo de energia eléctrica, neste momento, aqui nesta sala (uma dica para a organização), podíamos ter aquelas cortinas abertas..

 

Pedro Rodrigues: - E depois estávamos todos a ver as pernas das meninas que passavam em vez de darmos atenção aos oradores. (Risos)

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não, porque aqueles vidros são foscos. Por acaso aqueles vidros são foscos, portanto, o problema não se põe. Podíamos, por exemplo, em vez de ter aqui estas garrafas, sabem quanto é que custa esta água?

Participante: - 50 cêntimos.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Isto custa, para aí, números redondos, um euro por litro. A água da torneira tratada para ser bebível, custa mais coisa menos coisa, um euro por m3. É mil vezes mais barata.

Participante: - Esta água da garrafa não chega a 10 cêntimos, a sair da fábrica.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Pois, isso é bom para quem vende a água da fábrica, não é. Isto é um exemplo de como se pode ser pouco eficiente.

Mas que qualquer forma, a questão mantém-se, a vossa colega diz, e eu até estou inclinado a concordar com ela, que o ambiente é algo que vale a pena proteger por si.

Mas, o problema é que o Mundo não funcionava assim, Se houver 51% e pessoas que não acha isso, nós não conseguimos resolver os problemas nem do ambiente nem da economia.

Participante: - Nos países em vias de desenvolvimento, eles estão perdoando o termo “marimbando para o ambiente”, eles querem é matar a fome, é o que acontece na Amazónia, em que eles destroem para sobreviver.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Então nos países desenvolvidos como por exemplo em Portugal, que, enfim, está no clube dos países ricos do mundo, as pessoas só querem sobreviver: só querem ter dois carros em vez de um, só querem uma casa de 150 m2, em vez de ter uma de 70.

Portanto, o conceito de sobrevivência é diferente em diferentes sociedades.

É evidente que parte da questão passa pelo nosso estilo de vida, mas há outras coisas que têm de ser consideradas, há uma pressão muito grande para que as pessoas tenham um estilo de vida parecido com o do vizinho.

Sim?

Participante: - Eu não concordo numa pequena coisa que disse. Tinha dito que são tipos diferentes de sobrevivência, que nós precisamos se calhar de dois carros para sobreviver, enquanto que as outras pessoas precisam, sei lá, de metade um pão para sobreviver..

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É claro que não é sobrevivência, é claro que é um luxo.

Participante: - Exactamente, era isso que eu ia dizer. É um comodismo, é um comodismo que acaba por ser idiota, porque nós não estamos a pensar em nós e não estamos a pensar naquilo que está acontecer aos outros pelo facto de nós nos darmos ao luxo de ter esse luxo.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É evidente que é um luxo, mas não é necessariamente um comodismo. Eu dou o exemplo, o exemplo do automóvel é um exemplo significativo. Quem é que aqui mora na área metropolitana de Lisboa ou do Porto?

Eu moro na margem sul, e de vez em quando tenho que vir a Lisboa, e tipicamente, se for para um sítio em Lisboa que tem metro à porta eu vou de transportes públicos, apanho o comboio e apanho o metro; se vou para um sítio em Lisboa que não tem metro à porta, eu recuso-me a andar a mudar de transportes públicos 4 vezes e a demorar 2 horas para fazer um percurso que posso fazer em 20 minutos. Portanto, não é um mero comodismo, é uma questão da maneira como as coisas estão organizadas.

Em sociedades um bocadinho mais avançadas que a nossa, se formos à cidade de Londres ou à cidade de Florença, ninguém pode estacionar o carro na rua a seu bel prazer, e quem tem o carro estacionado à porta de casa paga para ter o carro estacionado à porta de casa, mas também lá nesses sítios há transportes públicos que nos permitem andar de um lado para o outro, e de uma ponta à outra da cidade de Londres, ou da cidade de Paris, ou da cidade de Munique, ou de Berlim, de facto com transportes públicos eficientes.

Portanto, acho que nós devemos ser idealistas, devemos ser aguerridos, mas não devemos ser simplistas.

Há muitas coisas que dependem da nossa vontade individual, mas há muitas coisas que dependem da forma como a nossa sociedade está organizada. E portanto, isto é um curso avançado de ciência política, globalmente falando, e portanto, é nessa perspectiva que vocês também têm que se pôr, para além da vossa perspectiva individual.

Bom, definições de desenvolvimento sustentável. Aquela primeira que ali está é aquela que vocês já ouviram com certeza falar, é a definição, podemos dizer, oficial, que foi publicada há 20 anos, portanto, já lá vai um tempinho, no chamado Relatório Brundtland em 1987.

Eu sou mais adepto daquilo que eu chamo as definições livres, aquilo que eu designaria pela definição familiar “fazer com que os nossos netos se orgulhem de nós”, porque isso das gerações futuras é daqui a muito tempo, os nossos netos é daqui a poucochinho tempo. Não sei quantos de vocês é que têm filhos? Alguém aqui já tem filhos? Um.

Eu, eu já tenho filhos e já crescidotes, ainda não tenho netos, mas tenho esperança de vir a ter qualquer dia destes. Se nós pensarmos assim: o que é que eu quero deixar aos meus filhos e aos meus netos.

Isto funciona na nossa cabeça, sabermos o que queremos deixar aos nossos filhos e aos nossos netos.

É mais operacional do que pensarmos nas gerações futuras, daqui a um milhão de anos a Terra tomará conta de si própria, ultrapassou a extinção dos dinossauros, também ultrapassará a extinção da humanidade.

Mas o que é que acontece com os nossos netos, se calhar isso já tem um bocadinho mais a ver connosco. E gosto particularmente, aquela definição infantil, isto é de uma criança do 5º ou 6º anos de escolaridade duma escola de Évora, que dizia que o desenvolvimento sustentável é fazer durar as coisas boas. É uma definição agradável.

Portanto, podemos comparar esta ideia da sustentabilidade àquilo que eu chamaria o paradigma do tripé. Um tripé, como vocês todos com certeza já tiveram experiência, só se aguenta em pé com os três pés, e se um dos pés estiver mais curto do que os outros, vamos parar ao meio do chão. O tripé cai. Portanto, para que isto funcione, não podemos ter só um pé, qualquer um pé. Não ser ter só um pé do ambiente, ou só o pé da economia, ou só o pé da sociedade. Para termos um desenvolvimento sustentável, significa que as nossas opções, opções tecnológicas, mas também opções políticas têm que ser socialmente aceitáveis, têm que ser sustentáveis em termos ecológicos, têm que manter os recursos, e têm que ser economicamente viáveis porque senão não têm hipótese de funcionar. Tem de cumprir estas três condições ao mesmo tempo.

Portanto, aqui é que está a dificuldade da coisa. Cumprir só uma destas coisas é fácil, cumprir as três ao mesmo tempo, é razoavelmente complicado.

Bom, isto é um caminho que se faz, caminhando, como dizia o poeta.

Nós, hoje em dia, na sociedade portuguesa estamos algures por aqui, portanto, a maior parte das empresas e das organizações já ultrapassou aquela fase burra em que se achava que o ambiente era uma chatice, lá vem os ecologistas falar não sei o quê.

Ainda há quem diga esse género de parvoíces, se não me falha a memória o Exmo. Sr. Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses, correr os fiscais do ambiente à pedrada e tal. Ainda se vêm uns lapsus língua desses, mas felizmente já são coisa rara.

A maior parte das empresas e organizações deste país estão algures entre a fase do cumprimento, dizer: o ambiente é uma coisa incontornável, é para cumprir e ponto final; e a fase da boa prática e dizer: bom, vamos fazer um bocadinho mais do que aquilo que nos é exigido para estarmos sossegados e para fazermos as coisas bem feitas.

Já é encarado como um selo de qualidade. Nas empresas e nas grandes empresas hoje em dia, e aqueles de vocês que têm contacto com empresas já têm essa consciência, as boas empresas, as empresas topo de gama em Portugal, e em qualquer país civilizado do mundo, hoje em dia estão a apostar claramente nas boas práticas ambientais, fazer mais do que aquilo a que são obrigados.

Bom, onde verdadeiramente se dá a viragem, é quando o ambiente começa a ser uma oportunidade de negócio, e aqui a coisa é um bocadinho mais complicada e mais rara. Só poucas as empresas em Portugal e noutros sítios, mas particularmente em Portugal que já perceberam isto, mas vai havendo, já começa a haver anúncios de automóveis que dizem que o automóvel é não sei quantos por cento reciclável. Sobretudo as senhoras que lêem catálogos de roupa, já vêem que muitas vezes há lá um catálogo que é a roupa ecológica e tal, que não tem corantes, ou que foi produzida com a fórmula xpto.

Portanto, hoje em dia boa qualidade ambiental, é uma coisa que vende. E isso é particularmente evidente em certos sectores, por exemplo, o turismo, mas é verdade em muitos outros, mesmo no sector dos produtos de consumo.

Onde começamos realmente a aproximarmo-nos da sustentabilidade é quando começamos a ter soluções pioneiras. Com o estado actual da nossa tecnologia nós não conseguimos ser sustentáveis. Qualquer coisa, neste momento, qualquer coisa como 70% da nossa energia vem de fontes absolutamente não renováveis, vem de combustíveis fósseis, vem do carvão, vem do petróleo. Estas coisas não são sustentáveis. O ritmo a que nós as estamos a usar não é sustentável.

E portanto, se queremos caminhar para a sustentabilidade temos uma margem de poupança grande, mas temos que ter uma evolução tecnológica. Só conseguimos de facto vencer esse desafio com novas tecnologias, e portanto é de facto um caminho que nos vai demorar, isto é um trabalho para décadas, não é uma coisa que se resolva de hoje para amanhã, e não é fácil.

Obviamente há muitos interesses em jogo, há muitas pessoas, muitas entidades que vão ser prejudicadas para se fazer esse tipo de alterações, e portanto isto é uma coisa que é difícil, dá trabalho, é complicada, dá chatices.

Bom, algumas ideias feitas que é importante desfazer. De facto, o ambiente como motor da economia é uma noção muito importante e a primeira das ideias que eu gostava de vos chamar a atenção é a chamada hipótese de Porter.

O sr. Porter começou a fazer um estudo para, já não me recordo se por para as Nações Unidas ou se para a OCDE, sobre a relação entre a exigência das regras ambientes, dos regulamentos ambientais e o nível de desenvolvimento dos países. E chegou surpreendentemente a esta conclusão, é que os países mais desenvolvidos são aqueles que têm regras ambientais mais exigentes.

E portanto, enfim, há várias explicações para isto, uma das explicações é que o facto de haver regras ambientais mais exigentes promove a inovação, e portanto, a inovação tecnológica promove uma melhor eficiência no uso dos recursos.

Segundo exemplo, é o dos índices bolsistas. Há uma série de índices bolsistas de hoje em dia, todos vocês olham para os índices da bolsa, com certeza, mas se calhar nunca ouviram falar dos índices sustentáveis. Há por exemplo, um índice que é o mais conhecido de todos que é o chamado Dow Jones sustentável, que agrupa apenas empresas com alto desempenho ambiental, e verifica-se que estes índices bolsistas ditos sustentáveis, a longo prazo têm sistematicamente comportamentos melhores do que os índices bolsistas vulgares.

Alguma explicação para isto? Alguma ideia?

Acontece que há uma séria de investidores, por exemplo, fundos de pensões, que apostam nas empresas com bom comportamento ambiental porque acham que são empresas com o longo prazo. E, de facto, isso não só se verifica na realidade que muitas dessas empresas que têm esse comportamento, como também ajuda a subir o preço das acções no mercado. E portanto, ajuda a manter esses índices bolsistas verdes, mais altos do que os índices bolsistas normais.

Bom, já falámos do mercado, do ambiente, e dos produtos verdes. E finalmente, chamar a atenção que muitos sectores eu diria, toda a nossa economia em última instância depende dos recursos naturais. Desde aquilo que nos comemos, àquilo que nós vestimos, àquilo com que nos abrigamos, tudo isso é baseado em recursos naturais, e portanto, de uma maneira ou de outra a má gestão de recursos naturais acaba por ter, a prazo mais curto ou mais longo, consequências prejudiciais para nós.

Uma das minhas paixões é a educação, e eu diria que a maneira como se faz a educação em Portugal está muita coisa errada, para não dizer quase tudo. A coisa mais importante para a educação é a paixão pelo saber.

Até que horas vocês estiveram a trabalhar ontem à noite?

Eu não estou a dizer nos copos, estou a dizer a trabalhar em termos de actividade.

Vocês todos estão aqui porque querem estar, porque acharam que isto era capaz de ser interessante, tinham essa esperança. Este é o factor mais importante hoje na educação. É a curiosidade. É a paixão pelo saber. Isto e uma coisa que nas nossas escolas, em muitos casos é cortado no ovo. Esta paixão pelo saber. É parte mais importante da educação.

Há umas quantas competências básicas: Matemática, Língua, Cultura Científica, Comunicação, são coisas importantes em qualquer área de actividade, que são muito maltratadas na nossa escola, temos não sei quantos anos da dita língua portuguesa, mas a minha experiência é que a maior parte do estudantes universitários não sabem escrever. Já para não dizer que não sabem falar, mas enfim, mas não sabem escrever certamente.

Criatividade, inovação, estas coisas conseguem-se, há várias maneiras de conseguir isto. E uma coisa muito importante que é aprender o exercício da cidadania. Que é uma coisa que a maior parte das pessoas não sabe o que é quanto mais fazer.

Mas já voltaremos a essa questão.

Ao nível das políticas ambientais há uma séria de políticas, que podemos chamar sectores ambientais. Eu listei ali algumas, não vou estar agora a descascar cada uma delas, se tiverem curiosidade sobre alguma questão particular podem perguntar. E eu ia focar um bocadinho mais de atenção numa colecção de instrumentos de política que são chamados instrumentos económicos do ambiente, que tentam fazer esta função que é: pôr a economia ou a economia de mercado, se quiserem, a funcionar a favor e não contra o ambiente.

Hoje em dia nós temos um sistema económico que está montado de tal maneira que a maior parte das pressões económicas funcionam no sentido da destruição de recursos.

A forma como nós temos montadas as finanças locais, como temos montado o sistema fiscal, como temos montado o sistema de apropriação de recursos ou de concessão de recursos naturais. Estão montados de tal maneira que quem ganha mais é quem destrói mais o ambiente. Quem polui não paga nada por poluir, quem tira água não paga nada por tirar água, e por aí fora.

Vocês por terem água em vossas casas ao nível doméstico, abrir a torneira e sair água, vocês não estão a pagar o custo real dessa água, a nível urbano, tipicamente estão a pagar algures entre os 10 e os 50% do custo da água. Portanto, nem sequer estão a pagar o custo que leva a trazer a água à vossa torneira.

Todo o nosso sistema económico está montado de tal maneira que quem gasta mais recursos, quem destrói mais recursos, quem destrói o ambiente tem vantagens com isso.

Portanto, a ideia é criar instrumentos económicos que invertam esta situação.

O primeiro mecanismo que eu ali indico são as chamadas eco-taxas. As eco-taxas significa que tudo o que é extracção de recursos que são bens comuns - de quem é que é a água, de quem é que é a água dos rios? Alguém sabe? Em termos de código civil? Em termos de Constituição da República? A quem é que pertence a água dos rios?

Participante: - Domínio público.

Participante: - É um bem público.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Então e a água subterrânea?

Participante: - É do proprietário do terreno.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - A água dos rios é domínio público em Portugal. Mas as águas subterrâneas a lei não diz a quem é que pertence. As águas de nascente são do proprietário, a água enquanto está debaixo do chão, a lei portuguesa é omissa sobre a quem é que ela pertence. Curioso não é?

Embora os recursos minerais também sejam do domínio público. E os ocos subterrâneos, as grutas, também são domínio público. É curioso, não é, o buraco é domínio público mas a água que lá está dentro a lei não diz a quem é que pertence. A partir do momento em que um sujeito faz um furo e tira a água cá para fora a água é dele, estando obviamente a prejudicar os outros todos que estão à volta.

Isto não é fácil resolver. Não..

Participante: - Isso é como o caso das areias extraídas, como os casos que ruíram as pontes.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Isso aí já não é um caso de politica, é um caso de polícia. Porque a maior parte da extracção de areias em Portugal é ilegal, e enfim, por razões várias nunca se decidiu atacar a sério esse problema, porque essa malta recebe os fiscais a tiro. Não estou a fazer uma figura de estilo, é mesmo, têm, caçadeiras, quando vai lá o fiscal, recebem-no a tiro. Portanto, isso é verdadeiramente um caso de polícia.

No Douro extraiu-se, na época em que a Ponte de Entre os Rios caiu, estava-se a extrair 10 vezes mais areia do que aquela que estava legalizada para extracção. Portanto, é evidente que também não há política, neste caso de extracção de areia ou de protecção das margens dos rios, mas aí além do problema político era também um problema de polícia.

Participante: - Em relação à omissão da lei, no que concerne às águas subterrâneas, uma das formas de supressão dessa lacuna é através da analogia, a analogia legis. Sendo os rios domínio público, uma das formas do Estado reivindicar para si essa propriedade é aplicar o regime análogo aos rios, e portanto..

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Eu concordo plenamente.

Participante: - Acho que a lei já tem…

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Quando você for deputado da Assembleia da República, espero que subscreva uma proposta de lei a propor exactamente isso mesmo.

Participante: - Com certeza, com certeza.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É um desafio. Estou a falar a sério, não estou a falar de cor, porque eu já propus isso mesmo aos deputados do PSD e doutros partidos na Assembleia da República, portanto, sei do que é que estou a falar, e não é fácil essa ideia passar numa câmara legislativa, porque obviamente há oposição de vários sítios a esse conceito. Nós temos a nossa regulamentação de recursos naturais muito dominada pela legislação de inícios do século XIX decorrente da Revolução Liberal que tem este conceito: o proprietário do terreno é proprietário do terreno até onde for. Há quem defenda a analogia oposta, que é, se eu sou proprietário do terreno, é para ser proprietário do terreno até ao centro da terra.

É evidente que isto no século XIX era irrelevante, porque eu não tinha meios técnicos para ir buscar recursos além de 10 metros de profundidade. Mas, hoje em dia tenho meios técnico para ir buscar recursos a centenas ou milhares de metros de profundidade. Portanto, o problema é um problema real que de facto merece uma clarificação na lei.

Participante: - Posso só voltar um pouco atrás, em relação há hipótese Porter?

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - sim.

Participante: - Que dizia, segundo depreendi das suas palavras que a exigência ambiental gera desenvolvimento através da inovação.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Exactamente.

Participante: - A questão que eu faço é, isso não é uma tautologia, porque quem garante que a causalidade, o nexo de causalidade é entre a exigência ambiental e inovação, porque é que não é inovação também a gerar exigência ambiental. E portanto, era uma tautologia, é um raciocínio circular.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Tem toda a razão. O que acontece é que não se demonstrou uma coisa nem outra, o que se constatou foi uma correlação, e uma correlação não é como muito bem diz uma causalidade. Agora, o facto é que a correlação existe, e portanto, se é a inovação que gera a melhoria ambiental ou se é a melhoria ambiental que gera a inovação, é discutível, o facto é que elas estão correlacionadas. Quando eu tenho a presença de inovação, eu tenho melhorias ambientais, quando eu tenho a exigência ambiental superior eu tenho uma maior pressão para gerar inovação. Porque se eu disser a um industrial: você só pode poluir x, e a tecnologia que tem que usar é esta. O que é que ele vai fazer? Ele vai usar aquela tecnologia para poluir x. Mas se eu lhe disser assim: você pode poluir o que quiser, mas quanto mais poluir mais paga. O que é que ele vai fazer? Ele vai andar a puxar pela cabeça de maneira a inventar uma tecnologia que lhe permita poluir o mínimo e pagar o mínimo.

E, portanto, se eu tiver uma regulamentação ambiental estúpida, eu crio estagnação; se eu tiver uma regulamentação ambiental bem feita eu crio, de facto, incentivo à inovação.

Sim?

 

Participante: - Só queria acrescentar que há empresas que preferem poluir depois pagar a coima ou sanção do que instalar sistemas anti-poluição. Isso é muito frequente em várias empresas, incluindo as petrolíferas..

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Sim, é verdade. Uma coima não é uma eco-taxa. Uma eco-taxa significa o seguinte: eu tenho uma gama de níveis de poluição que posso atingir, e quanto mais poluir mais pago. Isto é uma taxa.

Uma coima é: eu não cumpri a lei e portanto estou a pagar algo pelo facto de não ter cumprido a lei. Ora bem, isso resolve-se de uma maneira muito simples, mais uma vez o caso da coima é um caso de polícia, não cumpriu a lei, agora é muito simples, que aliás a lei prevê, fecha-se a fábrica. O problema é que isto depois socialmente tem outros problemas. Agora se a política fosse, sempre que polui paga sempre, mas se infringir a lei fecha, de certeza que havia muito menos gente a poluir aquilo que polui.

Portanto, isto é um problema por um lado, de políticas e das políticas serem bem desenhadas, mas por outro lado, também, da eficácia do cumprimento da lei. Que também é um problema sério em Portugal. Há um amigo meu que costuma dizer que a única lei que se cumpre em Portugal é a lei da gravidade.

Isso tem a ver com a maneira como as leis são feitas e tem a ver com a maneira como a sociedade encara as leis. Nós temos uma grande costela romana e uma grande costela árabe. E ambas essas costelas nos incentivam a encarar as leis como coisas a ultrapassar ou a fugir. Ao contrário da tradição germânica em que a tendência é quando há menos leis mas quando há leis é para se cumprirem mesmo. Portanto, isto é um problema também de mentalidade e de cultura.

Participante: - E tem alguma solução para o défice de execução da legislação ambiental?

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Há várias soluções. É o que vamos discutir daqui até ao fim da sessão.

Clarificando, a ideia das eco-taxas, é que sempre que eu utilizo um recurso natural que é um bem comum, eu devo pagar por esse privilégio, porque isto é um privilégio: e esse pagamento deve ser de tal maneira, deve ser bem feito, de maneira a que me incentive a ser eficiente, por um lado, e por outro lado a gerar recursos económicos que permitam gerir esse recurso natural. Pode-se aplicar isto à água, pode-se aplicar às florestas, pode-se aplicar à emissão de poluentes, pode aplicar-se a uma série de coisas.

O que é a ideia deste duplo dividendo? Eu, ao aumentar estas taxas eu tenho que reduzir alguma coisa, em termos da factura digamos, do orçamento das empresas ou das famílias. Então o que é que eu vou reduzir? Vou reduzir os impostos sobre o trabalho, nomeadamente o IRS e a Segurança Social, e o IRC, os impostos sobre o trabalho e sobre o lucro.

O que é que isto faz? Por um lado, cria um incentivo para as empresas que são mais eficientes e um desincentivo para as empresas menos eficientes, e por outro lado, torna o trabalho mais barato, donde incentiva o emprego.

Isto é uma ideia que parece na literatura científica e económica nos anos vinte, no século XX, e que é pela primeira vez defendida politicamente em 1993, numa coisa que vocês já são capazes de ter ouvido falar, que é o Livro Branco sobre o crescimento do emprego, o chamado Relatório Delors. Portanto, estou em muito boa companhia, não estou aqui a fazer nenhum manifesto radical ecologista.

Isto funciona, mas é muito pouco aplicado.

Já vamos ver porquê.

Uma segunda ideia importante é a reforma fiscal ambiental. A ideia é alterar a maneira como funcionam os impostos, de maneira a que os impostos tenham um significado ambiental ou tenham um significado político, se quiserem. Como vocês, com certeza sabem, a maior parte dos impostos hoje em dia tem um único objectivo: que é arrecadar receita fiscal para o Estado. Depois aquilo vai lá para o Ministério das Finanças e depois o governo decide onde é que aquilo é aplicado, o Governo e a Assembleia da República e tal, o chamado Orçamento de Estado.

A ideia da Reforma Fiscal Ambiental, é mudar a maneira como isto funcionava. É que em vez de os impostos serem uma mera maneira de levar dinheiro para o Ministério das Finanças, também tenham um significado em termos de desenvolvimento, tenham uma capacidade para alterar comportamentos. Hoje em dia o único comportamento relacionado com os impostos é que toda a gente tenta fugir-lhes, de todas as maneiras e feitios.

Portanto, era interessante que os impostos gerassem outros comportamentos, como por exemplo, tentar encontrar tecnologias mais eficientes para produzir uma coisa qualquer numa fábrica.

Participante: - A reforma da tributação automóvel vai, na sua opinião, vai a esse encontro ou nem por isso?

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Vai, tarde e mal. Tarde e pouco. Na maior parte dos países europeus a tributação automóvel incide sobre a eficiência energética e sobre as emissões poluentes. Em Portugal neste momento está nos 10%, dentro de quatro ou cinco anos, vai chegar aos 60%.

E tarde, ou seja, estamos a fazer com 10 anos de atraso e a uma fracção daquilo que devia ser, não há razão nenhuma para 100% de impostos automóvel não seja baseado na eficiência energética, ou na segurança eventualmente. Mas enfim, hoje em dia o nível de segurança da maior parte dos veículos já é muito elevado, portanto, o factor diferenciador é de facto a eficiência energética.

Temos depois outro tipo de mecanismo, por exemplo as alterações negociáveis, é o mecanismo de Quioto, basicamente, ou um dos mecanismos de Quioto para a emissão de gases de efeito de estufa. Temos sistemas de fundos e incentivos. Funcionam pior que o sistema fiscal, para haver fundos tem que haver alguém que faça a gestão de fundos.

Responsabilidade civil ambiental, significa que se alguém polui é responsável pelos danos que gera, mesmo que não tenha culpa. A fábrica tem um acidente e aquilo ficou poluído, é da responsabilidade dessa fábrica promover a limpeza, mesmo que não tivesse culpa. É o princípio da responsabilidade objectiva.

Isto em Portugal ainda não está regulamentado.

E finalmente, uma outra ideia que são as aquisições verdes. Ao nível do governo, ao nível das empresas, pode-se ter políticas para     quando se escolhe um fornecedor de qualquer coisa, escolher um fornecedor que tenha um bom comportamento ambiental. Isto obviamente faz com que os fabricantes de coisas que sejam mais amigos do ambiente, sejam beneficiados em relação a outros.

Isto são alguns dos mecanismos com que nós podemos pôr a economia a funcionar a favor do ambiente e não contra.

Sim?

 

Participante: - No meio destes instrumentos que referiu, onde é que encaixam as actuais regulamentações de obrigações ambientais a cumprir?

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É assim: essas obrigações algumas poderiam ser flexibilizadas, mas por grosso elas devem continuar a existir. Portanto, são coisas complementares. Uma coisa não dispensa a outra. O facto de eu ter este tipo de ferramentas não me dispensa de ter, por exemplo, parques naturais e reservas naturais, ou de ter normas mínimas para a emissão de poluentes, e por aí fora. Portanto, as duas coisas são complementares. O meu argumento é que só regulamentos não chegam. Portanto, nós não podemos prescindir deles, mas não são suficientes.

É muito importante criar ferramentas que ponham o mercado a funcionar a favor do ambiente.

Para acabar um caso estudo. Barragem do Baixo Sabor.

Alguém sabe para que é que serve a Barragem do Baixo Sabor?

Participante: - Acumulação de água.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Acumular água para quê?

Participante: - Para a produção eléctrica portuguesa. A água ainda é a melhor maneira de armazenar energia…

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Alguém tem a noção de qual é que é a rentabilidade..

 

(Um minuto inaudível)

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - (…) eficiente de fazer essa armazenagem de energia, como dizia aqui o vosso colega.

Vamos ver os números. A potência instalada é 170 megawatts, isso é uma coisa muito importante para o sistema eléctrico nacional. Isto representa 1% da potência instalada. 2% na ponta máxima.

Em termos de energia, isto representa 0,6% da produção nacional, Podemos comparar isto com o crescimento actual da procura, que é de cerca de 5% ao ano.

Ou seja, a Barragem do Sabor, permite compensar o crescimento da procura de um mês, e depois já foi ultrapassado.

Gás com efeito de estufa, representa 0,3% das emissões nacionais. Aquilo que poupa de emissões de CO2, e mesmo a ser efeito só se verifica ao fim de 4 anos. Portanto, é inútil para as metas de Quioto e da União Europeia.

As desvantagens ecológicas são evidentes, é o ecossistema que é destruído. São capazes de ter ouvido o argumento local, se vocês falarem por exemplo com os operadores turísticos da zona, toda a gente vos diz que a Barragem não vai servir absolutamente para nada, como nenhuma outra barragem serviu. Ou seja, as barragens não geram desenvolvimento local, ao contrário da sabedoria popular.

Hoje vinha para cá, na viagem, ouvi dizer que há aí uns cromos quaisquer que estão a prever um empreendimento de 7 mil camas à borda do Alqueva, não sei se alguma eles vão construir, acho é que não vão conseguir ter lá ninguém. Já vos vou mostrar qual é o aspecto de uma albufeira que é utilizada para a armazenagem de água.

Para a economia nacional, isto é um subsídio escondido à electricidade, aquilo só se faz com 50% de subsídio a fundo perdido, a Barragem do Sabor custa 320 milhões de euros, só se fará, só será economicamente viável para a EDP fazê-la se metade disso for a fundo perdido.

Subsídio a fundo perdido, donde é que vem o dinheiro?

Pois, dos nossos impostos.

Quanto de vocês é que já pagam impostos?

Eu pago, e não sou poucos. Aqueles de vocês que ainda não pagam impostos, garanto que os vossos pais pagam impostos.

Portanto, chama-se a isto um subsídio escondido.

É assim: neste momento o preço da electricidade que nos pagamos é para aí metade do custo real que ela tem, o resto são subsídios escondidos, são subsídios às barragens, são subsídios ao terminal de carvão, subsídios à rede de gás, subsídios à Petrogal, subsídios à EDP..

Em termos políticos, enfim, tive várias reuniões em Bruxelas, uma das quais com o Comissário Europeu do Ambiente, e aquilo que nos dizem é que: Bom, isto já se sabe que Portugal é um dos países iconoclastas. É um dos países onde se faz toda a porcaria e mais alguma. Ou seja, somos conhecidos como uns tipos, assim uns bandalhos que andam para ai, quer dizer, para quem a lei comunitária não interessa nada, é uma anedota, não é bem para levar a sério.

Bem, isto é o aspecto de uma albufeira, e neste caso estamos a falar de uma albufeira pequenita em que o nível da água desceu para aí 15 metros. Esta zona chama-se a zona inter-níveis, porque é que aquilo está naquele estado?

Já repararam que há volta de uma albufeira há sempre uma zona de pedra, está toda careca, completamente careca, mas isso não acontece nos lagos naturais.

Participante: - Porque a água não será de boa qualidade.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não. Não tem nada a ver com isso.

Participante: - Porque não há espécies que possam viver constantemente com a água a subir e a baixar o nível.

Participante: - De que ano é esta fotografia.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Isto aqui é em Vilarinho das Furnas, não é obviamente o Sabor que ainda não foi construído. Mas neste caso o nível da água foi baixado porque tinham que fazer uma reparação na barragem. A questão importante é – quem é que disse que não há plantas que resistam?

Participante: - Fui eu.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - É exactamente aquilo que o vosso colega disse. Num lago natural ou num rio natural, há plantas que vivem nas bordas, nas margens do rio que aguentam estar com os pés de molho no Inverno e fora de água no Verão. Não há nenhuma planta que aguente um nível de água que está sempre a subir e a descer. E portanto, qualquer albufeira e em particular as albufeiras que são usadas para a armazenagem de água de longa duração, têm sempre uma faixa deserta à volta.

Isto do ponto de vista turístico é muito mau. E, portanto, é uma das razões pela qual a Barragem do Sabor será muito pouco interessante do ponto de vista turístico.

Em compensação no rio como ele está neste momento pode-se fazer, por exemplo: rafting, pode-se fazer passeios, vocês já viram a paisagem que isto tem.

As alternativas são diversas, em termos de conservação de energia, para terem noção o que é que isto significa em termos económicos. É possível poupar entre 6-10% dos consumos do país inteiro com investimentos equivalentes ao Sabor, portanto, trezentos e tal milhões de euros, mas com um período de retorno de 3 anos. Ou seja, consegue-se 10 vezes o efeito com um período de retorno que é 10 vezes menor, e praticamente sem investimento público. Portanto, isto é, se quiserem, 100 vezes mais interessante do que fazer a Barragem no Sabor.

É evidente que enterrar dinheiro no Sabor, significa não investir dinheiro em energias renováveis por exemplo. Portanto, há de facto alternativas.

Bom, e para concluir, quem é que deve fazer isto? Estas coisas todas que temos andado para aqui a discutir e outras que vamos continuar a discutir o resto da tarde?

Participante: - Todos nós.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Todos vocês. Em que papel?

 

Participante: - Apagar as luzes.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Apagar as luzes. Mais? Enquanto utilizadores, e enquanto quê?

 

Participante: - Gestores de empresas. Reciclar o lixo.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Sim. Não estou a falar de pormenores do que é que se faz, estou a falar que papel é que vocês devem desempenhar?

 

Participante: - Enquanto contribuintes.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Um de cada vez. Microfone.

 

Participante: - (vozes cruzadas ininteligíveis)

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Ok, e então como é que se consegue fazer isso?

 

Participante: - Enquanto homens e mulheres, simplesmente.

 

Participante: - Enquanto legisladores.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Sim, todos nós como cidadãos podemos fazer alguma coisa.

 

Participante: - Acho que todos nós enquanto cidadãos devíamos ter uma consciência crítica sobre estes problemas e portanto, nos meios onde estamos inseridos, se achamos, que eventualmente, como disse há pouco, há construções perto das arribas e isso pode prejudicar o ambiente, então teremos o dever cívico de intervir enquanto cidadãos e depois eventualmente suportados por outras instituições ou organizações e criticar e apontar o dedo, para além de apagar as luzes e eventualmente todas as coisas quotidianas..

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - O caso na construção das arribas. Como é que nos conseguimos intervir enquanto cidadãos individuais?

Participante: - Não votando

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não chega, isso só resolve o problema daqui a não sei quanto anos.

Participante: - Não comprar as casas.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Não comprar as casas, entretanto se elas já estão construídas o mal já está feito.

Participante: - Denunciar as coisas também.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Denunciar a quem?

Participante: - Os meios de comunicação social devem ser utilizados para a formação e cidadania participativa.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Denunciar a quem?

Participante: - Através da criação de uma cadeia de ???

Participante: - Tanto nos meios de comunicação social como também fundamentar projectos de intervenção comunitária para a cidadania participativa nestas questões ambientais.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Tinha que levar isso ao tribunal?

Participante: - Novas gerações.. Não, estou mais na política da educação não formal, acho que é muito importante e em Portugal ainda não está muito desenvolvido.

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Pois é, mas isso dá muito trabalho.

Participante: - Desde já podemos participar nos processos de consulta pública para tudo o que é planos de ordenamento, que em geral quem participa são sempre pequenos grupos e são processos até que nunca são muito abertos, digamos, do ponto de vista da maneira como são estruturados para o cidadão comum. Mas devemos tentar entrar nisso.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Ok. Ali o Carlos Coelho já está a ficar… já estão a crescer picos ali na cadeira dele. E iremos continuar esta conversa a seguir, portanto, só para sintetizar um bocadinho, de facto, primeira coisa: somos todos parte do problema. Há bocado alguém falava da poluição industrial, o sector neste momento que polui mais em Portugal, não é a Indústria, são os Transportes, ou seja, são os carros onde nós andamos. E se a indústria polui é porque nos compramos coisas dessa industria. É porque nós compramos a nossa roupa, os nossos carros, as nossas mesas, os nossos microfones. Somos nós que poluímos, não é a indústria, a indústria somos nós, ou é aquilo que nós compramos à indústria.

As escalas de intervenção, isto é importante, são todas, há coisas que se revolvem ao nível da vizinhança, ao nível do bairro, ao nível do município, mas há coisas que só se revolvem, a nível nacional, ou coisas que só se revolvem a nível europeu, ou coisas que só se resolvem a nível mundial

O problema dos gases de efeitos de estufa, só se resolve a nível mundial.

O problema da política energética, não conseguimos resolvê-lo em Portugal, mas conseguimos avançar muito na solução a nível europeu.

Portanto, temos que ter a noção que temos estas várias escalas de intervenção, e problema diferentes são revolvidos a diferentes escalas.

E ao nível dos modos de intervenção, obviamente a nível individual, a nível profissional nós temos uma margem de influência muito grande, que usamos pouco, ao nível político-partidário, obviamente, os partidos são os principais legisladores deste país, e, uma coisa muito pouco acarinhada mas na minha opinião absolutamente fundamental, tem sido a minha guerra desde há vinte e tal anos a esta parte, mais de metade da minha vida, ao nível das organizações não governamentais, faz-se política todos os dias através de organizações cívicas. E em matéria de ambiente e, enfim, isto é uma das provocações que eu deixo para o debate a seguir, quem faz política de ambiente em Portugal são as organizações ambientalistas; aquilo que o Estado faz é tipicamente em reacção às organizações ambientalistas; aquilo que as empresas fazem é tipicamente em reacção às organizações ambientalistas.

Portanto, vocês podem gostar mais ou menos das atitudes, das posturas, das posições das organizações ambientalistas, mas a verdade é esta, nua e crua, não haveria política de ambiente em Portugal se não fossem as organizações ambientalistas.

E, portanto, se vocês querem melhorar o ambiente, o sítio onde provavelmente conseguem fazer mais, se quiserem, é através das organizações ambientalistas.

Isto é uma provocação e eu espero que depois haja questões sobre esta matéria, e portanto, para já por aqui me fico.

Muito obrigado pela vossa atenção.

(APLAUSOS)

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado Sr. Prof. Vamos passar agora à fase das perguntas entretanto previstas. Vou dar a palavra ao Grupo Laranja, Ana Rita Ramoa.

 
Ana Rita Ramôa
Boa tarde. Prof. Dr. João Joanaz de Melo, muito obrigada pela sua disponibilidade e pela exposição interactiva que acabou de fazer e que focou pontos muito úteis na actualidade. Porque de facto assistimos a uma consciência ambiental cada vez maior, mas o que é certo é esta consciência nem sempre é acompanhada por uma participação pública eficaz, e portanto é um bocadinho na sequência do que acabou de falar, e o que lhe perguntava é uma curiosidade, e que talvez a sua experiência profissional me possa satisfazer essa curiosidade. Na prática qual é o método mais eficaz de incentivarmos o empenho individual do cidadão. Que todos nós estamos muito informados actualmente, mas depois passar à prática, se o problema não nos afecta na nossa casa, se calhar não fazemos muito. Portanto, será através da educação? Temos que apostar na educação, numa cultura preventiva, numa valorização do património ou teremos que apostar na fiscalização, que sabemos que até há algumas leis, mas depois nem sempre são cumpridas, e uma fiscalização mais eficaz e transparente. E que meios é que nós temos, como cidadãos, para o exigirmos às entidades competentes? Ou se devemos ir mais longe e entrarmos no âmbito do direito, e por exemplo dar privilégio

às sanções penais em prol das sanções contra ordenacionais, como um exemplo a não seguir. Portanto, é um bocadinho, qual destes métodos e outros sem prejuízo dos restantes, que tem mais eficácia.

Obrigada.

 
João Joanaz de Melo
Bom, muitos parabéns, eu acho que foi directa ao nó do problema. Há muitas maneiras de intervir mas a maneira mais básica e mais profunda, tem mesmo a ver com a educação. Estamos a falar da educação cívica, treinar as pessoas para funcionarem como cidadãos. A maneira que eu diria mais eficaz que eu diria de fazer isso, é desde os bancos da escola. Até há umas disciplinas chamadas Educação Cívica e Formação Cívica e tal. O problema é que quem as ensina não faz a mais pequena pálida ideia do que é que isso é. E portanto, é um bocadinho difícil ensinar-se aquilo que não se sabe.

E portanto, acho que tem que haver um incentivo muito maior, tem que se reconhecer que isso é importante, e acho que cada um de nós tem que ser, eu diria um missionário dessa causa, temos que ter a noção que todos temos de facto um papel a cumprir e cumpri-lo significa entre outras coisas, as pessoas que estão em contacto connosco, nós criarmos esta ideia de que não só é possível como é necessário nós intervirmos. Mesmo que isso seja complicado. Há muitos processos de participação pública formal que são muito pouco usados, ao nível de planeamento, ao nível da avaliação de impactos ambientais, ao nível da intervenção em tribunal. E são pouco usados, porque as pessoas não se dão trabalho de o fazer.

E portanto, o maior desafio é, em primeiro lugar, nós próprios dizer: bom, nós queremos fazer isto, mesmo que dê trabalho, mesmo que dê chatices.

Como disse estou envolvido num movimento ambientalista em Portugal, há para aí 25 anos ou 26 anos ou coisa que o valha, há um bocado mais de metade da minha vida. E a experiência que eu tenho é que nós metemo-nos em muitas guerras e perdemos a maior parte delas. A taxa de sucesso não é muito brilhante. Se calhar ganhamos 15% ou 20% das batalhas em que nos metemos, mas se não nos metermos nelas ganhamos 0.

E a diferença é esta: é entre conseguir, eu diria que a coisa, o ponto onde a coisa bate é assim: cada um de nós tem que decidir se quer ser apenas mais um tijolo na engrenagem, mais uma peça da engrenagem, ou se quer mudar o mundo, e o mundo muda-se com aquilo que está à nossa volta. Muda-se no sítio onde nós estamos, na nossa vida profissional, na nossa vida política, partidária, cívica, de vizinhança, familiar, muda-se um bocadinho de cada vez, com aquilo que está à nossa mão. Podemos ter ambições maiores ou menores, mas todos nós temos alguma coisa que podemos fazer.

A Educação a nível escolar é absolutamente fundamental, e tem sido muito pouco acarinhada neste sentido, portanto, é certamente um dos sectores que precisa seriamente de ser upgraded.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado Sr. Professor, vamos agora passar ao Grupo Cinzento, ao Nuno Gaibino.

 
Nuno Gaibino
Muito boa tarde a todos. Gostaria de saudar em primeiro lugar o Professor João Melo pela magnífica apresentação que acabou de fazer. Nesta mesma apresentação ouvimos falar numa triologia existente entre a sociedade, a natureza e a economia. É fácil perceber a relação existente entre a sociedade e a natureza, o próprio ser humano necessita de um espaço, um ambiente físico, biológico onde se encaixe, e possa viver. Quanto à relação existente entre a natureza e a economia, já existe um conflito como também foi referido durante a apresentação.

A questão do nosso grupo seria: tendo em conta as dificuldades económicas que vivemos neste momento em Portugal, de que modo a natureza e os recursos naturais presentes no nosso território, poderiam catapultar a economia nacional num projecto a longo prazo?

Muito obrigado.

 
João Joanaz de Melo
Eu acho que nós temos que reconhecer que quando falamos de ambiente e de economia, há aspectos convergentes, portanto, há aspectos que se auxiliam mutuamente e há aspectos de conflito. É importante também reconhecer que a maior parte dos aspectos conflituosos são questões de curto prazo: alguém não quer abdicar dos seus privilégios, alguém quer ter um lucro de curto prazo e para isso está disposto a destruir os benefícios futuros para o conjunto da sociedade. Portanto os conflitos que existem são tipicamente conflitos de interesses em confronto no curto prazo.

É importante reconhecer isto.

E há vários sectores em que essa convergência de interesses é muito clara. Eu vou dar dois ou três exemplos. Um que é mais ou menos óbvio que é o turismo. Nós temos em Portugal, infelizmente, uma tradição de fazer um mau turismo, aquilo que eu chamo o sindroma da galinha dos ovos de ouro. Aquilo que se fez no Algarve, aquilo que se fez no Estoril, aquilo que se fez em quase todo o litoral, que é: bom, é um sítio muito bonito, então vamos por aqui uns condomínios e uns hotéis e umas torres. E, portanto, vamos trazer para aqui não sei quantos turistas. Resultado é que o sítio vai ficar feio, e portanto, vai deixar depois de haver turistas. A principal razão pela qual o turismo está em crise em Portugal, é a estupidez dos empreendedores turísticos, vamos chamar as coisas pelos nomes.

Nós temos em Portugal a paisagem mais diversificada de toda a Europa. Aqui há 20 anos atrás foi montado um Projecto Corine Land Cover, para definir a partir de fotografia satélite a cobertura, o uso do solo em toda a Europa. Portugal foi escolhido como caso piloto, porque o único tipo de habitat, digamos, o único tipo de paisagem que não existe em Portugal, são as neves eternas, são os glaciares. Todos os outros 43 tipos de paisagem ou de ocupação do solo definidos para toda a Europa, todos os outros existem em Portugal. Desde as zonas estepárias até à pradaria de alta montanha.

E portanto, nós temos uma paisagem extraordinariamente diversa, extraordinariamente bonita, e com uma data de características que são únicas, únicas em qualquer parte do Mundo, já para não falar na Europa.

E portanto, temos um potencial enorme em termos da natureza que podemos mostrar, paisagens naturais e paisagens humanizadas, que é de facto um manancial excelente se nós não o destruirmos. Se nos pusermos a pôr 50 campos de golfe à volta do Alqueva, se calhar o resultado não é particularmente inteligente.

Este é um sector onde é muito clara a convergência inteligente entre a natureza e uma economia sustentável a longo prazo. Tem condições para se aguentar e competir com Cuba e com as Maldivas e com não sei onde.

Enquanto que as torres à beira mar plantadas do Sol e Mar não têm condições para competir com coisíssima nenhuma a prazo.

Um outro exemplo, é o exemplo da energia. Como referi há bocado, Portugal é dos países da União Europeia com pior eficiência energética. O que significa que, ao contrário da sabedoria popular, aquilo que nós devíamos estar a fazer em relação à energia, não era baixar preços, esta medida recente do governo de baixar o preço da electricidade 2%, é demente, é mentecapta. O que nós devimos estar a fazer era dizer assim: meus senhores vamos fazer um pacto de regime no país, dizer, a electricidade vai para o preço que corresponde ao custo real. Ou seja, vamos meter no preço da electricidade, os subsídios das barragens, o subsídio da rede de gás, o subsídio disso tudo, e vamos começar a pagar uma factura da electricidade que é o dobro da actual. Mas, vamos baixar os impostos, o IRS, o IRC, as empresas vão passar a pagar menos para ter lucros, e as pessoas vão passar a pagar, os trabalhadores vão passar menos para trabalhar, hoje em dia paga-se para trabalhar, e vamos pôr uma parte do dinheiro que deixa de ir para subsidiar a EDP e a Petrogal, vamos pôr esse dinheiro a fazer com que os equipamentos energeticamente eficientes sejam mais baratos. Os automóveis híbridos, por exemplo, em vez de custar 30 mil euros, se calhar deviam custar 15 mil, os frigoríficos classe A+, em vez de custar 20% ou 30% mais do que os de classe AB, deviam se calhar ser ao mesmo preço, e por aí fora.

Portanto, devíamos reciclar uma parte desse dinheiro que era recuperado ou que era obtido através de um preço realista da electricidade, que hoje em dia a electricidade não tem um preço real, tem um preço fictício, tem um preço subsidiado. O que acontece, hoje em dia, é que todos nós pagamos impostos, andamos a pagar a electricidade de quem desperdiça electricidade. É assim que a coisa funciona.

Vamos tornar a coisa transparente em termos económicos e vamos dar um sinal ao mercado a dizer: não meus senhores, é barato investir na conservação de energia, é caro desperdiçar a electricidade. O sector energético é um sector muito claro em que se eu fizer isto, eu estou a ser positivo em termos ambientais porque estou a promover, por exemplo, a energia solar. Hoje em dia a energia solar não é competitiva porque a electricidade é demasiado barata, se a electricidade fosse cara já era competitivo fazer por exemplo fotovoltaico. Hoje em dia se alguém quiser investir em fotovoltaico, o tempo de recuperação do investimento é para aí 10 ou 15 anos. Enquanto que se o preço da electricidade fosse o dobro ou o triplo, que era o que devia ser, era rentável investir em fotovoltaico.

E o resto é tudo a condizer. Em termos estratégicos não tem comparação. Nós somos dependentes do exterior para a nossa energia em 80% em Portugal. A média europeia é de 56%. Portanto, a Europa e Portugal em particular é extraordinariamente dependente do exterior em termos de energia. Cada vez que o presidente da Nigéria ou da Argélia espirra, o mercado do petróleo anda por ali fora, fica tudo “ó tio, ó tio!”.

Isto é um disparate.

Estrategicamente nós estamos nas mãos de uma colecção de indivíduos que a maior parte deles são ditadores lunáticos. Isto estrategicamente falando é demente. Nós devíamos apostar profundamente em tornar-nos mais independentes em termos energéticos e independentes com coisas que sejam de baixo impacto e não de alto impacto, estar a construir mais barragens. Vocês são capazes de já ter ouvido o nosso Primeiro-Ministro dizer que quarenta e tal por cento do potencial hidroeléctrico em Portugal está por explorar? Já ouviram esta boutade? É verdade, as maiores mentiras são aquelas que são verdades. É verdade que 40 e tal por cento do potencial hidroeléctrico está por explorar. Todo o potencial de energia solar? Está 99,9999999% por explorar. E do ponto de vista estratégico e do ponto de vista, até de rentabilidade económica é muito mais interessante.

Temos de facto a começar a pensar de uma maneira diferente. Continua a haver áreas em que há conflitos entre a protecção do ambiente e interesses económicos de curto prazo, e vai continuar a haver durante muito tempo, e a maneira de os ultrapassar é, primeiro, aquilo que podemos chamar abordagem sem arrependimentos, em inglês uma expressão muito usada “no regreat approach”. Vamos começar por aquilo que é mais fácil e mais rentável e que é em simultâneo bom para o ambiente e para a economia. A política energética é o caso mais óbvio, o turismo é outro caso óbvio, há uma série de outros casos que são facilmente demonstráveis.

Vamos começar por esses, e vamos ter que, para atingir um patamar de verdadeira sustentabilidade, isto permite resolver para aí 50% do problema. E através deste tipo de abordagens: abordagens de economia ecológica, abordagens de pôr a funcionar as ferramentas que já existem, procurar a melhor eficiência possível, isto permite resolver para aí 50% do problema, os outros 50% do problema tem que vir da inovação.

Da inovação tecnológica mas também da inovação institucional. Maneiras diferentes de fazer as coisas, maneiras diferentes de produzir decisões na Assembleia da República, por exemplo.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado, sr. Prof. Vamos passar agora ao Grupo Roxo, Nuno Brito.

 
Nuno Brito
Boa tarde a todos, Prof. obrigado pela excelente apresentação que fez aqui. Gostava só em primeiro lugar começar por fazer uma observação a uma coisa que disse que foi mesmo no final da sua apresentação, que foi que em Portugal só existe política de ambiente graças às ONG’s, é verdade que têm um grande papel, mas acho que é um bocado injusto para a UE que também é um dos responsáveis da existência de política ambiental em Portugal.

Agora vou-lhe colocar a questão em nome..

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - Deixe-me responder a isso já, desculpe lá. É que a política ambiente europeia também se deve às ONG’s europeias.

 

Nuno Brito: - Sem dúvida. Mas não exclusivamente.

Vou-lhe colocar a questão o meu grupo que é relativamente às alterações climáticas, existe nas negociações internacionais um princípio que é o princípio do burden sharing, que é a partilha de responsabilidades que diz que os países que mais poluírem até serem industrializados devem agora pagar, mas quem ainda não poluiu não vai ser tão limitado para ter espaço de progressão. No nosso entender parece-nos que isso acaba põe sabotar um pouco o sistema, porque países a desenvolver-se vai sempre haver, por isso há uns que estão agora a poluir, que é o caso da Índia e da China para se desenvolverem, e quando não foi a Índia e a China, vai estar o Botsuana e Moçambique, e depois vão estar outros países consecutivamente sempre a poder poluir mais porque no passado não o fizeram. Acha que existe um mecanismo ou seria possível inventar um mecanismo que fizesse com que o burden sharing fosse também cumprido ao obrigar os países desenvolvidos a financiar técnicas mais limpas para o desenvolvimento dos países que ainda não o são?

 
João Joanaz de Melo
Tem toda a razão, isso é um problema que é complicado e parte desta constatação: a negociação de Quioto, foi feita em 1997 para vigorar no período de 2008 a 2012, foi uma negociação que partiu do status quo, partiu de uma situação inicial, que era a situação em 1990, e foram definidas metas só para os países mais desenvolvidos a partir de 1990.

Ora, nós sabemos que não é possível ao ritmo a que a China e a Índia estão a crescer, mas não só a China e a Índia, podemos falar da América Latina, podemos falar dos outros países do extremo oriente, ao ritmo a que esses países estão a crescer não é possível conseguir uma estabilização do efeito de alteração climática sem envolver também esses países nos mecanismos de controlo das emissões.

Ou seja, se esses países não tiverem nenhum tipo de tecto às suas emissões não vai ser possível controlar as alterações climáticas. Hoje em dia cientificamente sabe-se isto. E portanto, a questão de qual é que é o princípio que deve ser utilizado, é uma questão que não é nada pacífica.

Há várias ideias que podem ser avançadas.

A ideia mais simples de todas, podia ser um contraponto interessante a essa discussão, a ideia de que cada cidadão do mundo, por assim dizer, tem direito a poluir o mesmo. Cada cidadão chinês tem o mesmo direito a poluir que o cidadão português. E que portanto, o mecanismo de troca, o mecanismo quer de tectos de emissão, quer de trocas económicas para garantir esses tectos de emissão, poderiam em vez de partir de um princípio do status quo, partir dum princípio de direitos iguais para todos os cidadãos do mundo.

Isso já é uma equação diferente, mas não resolve completamente o problema. Parte da equação podia ser qualquer coisa deste género: Ok, os chineses, existem 1,2 biliões de chineses e portanto teriam direitos de emissão correspondentes a números redondos a um quarto da população mundial, ou um bocadinho menos de um quarto, vinte e qualquer coisa por cento da população mundial e, portanto, senão usassem esses direitos todos poderiam vendê-los. E portanto, receber por essa via verbas que ajudariam até a serem mais eficientes na sua própria economia. Mas isto só funciona se eles forem obrigados a usar esse dinheiro em projectos de eficiência energética, por exemplo.

Por exemplo, para que as centrais de carvão na China, que hoje em dia têm uma eficiência de 20%, que é praticamente baixo, usarem uma tecnologia mais avançada e passarem a ter uma eficiência de 40 ou 50%, que é aquilo que permite a melhor tecnologia disponível no mercado mundial.

O que nós temos que ter a noção, é que o problema é francamente complicado e não vai lá com soluções simplistas, temos um pacote de várias coisas.

Mas concordo completamente que o burden sharing tem que envolver os países que neste momento estão em crescimento rápido. Tem que haver mecanismos específicos, não podemos no pós-Quioto ficarmos ao nível a que estamos no Protocolo de Quioto, ou seja, as metas serem apenas para os países mais desenvolvidos.

No pós-Quioto tem que haver metas necessariamente, não direi para todos os países em desenvolvimento, não é razoável ir pedir isso a Moçambique ou à Somália, mas é razoável pedir isso à China e à Índia, através de um mecanismo que seja tendencialmente equitativo. Poderá passar por uma lógica deste tipo, portanto, partindo do princípio que cada cidadão do mundo tem os mesmos direitos e depois garantir mecanismos de aplicação que criem tectos reais. Porque temos que ter a noção que para controlar a alteração climática temos que ter tectos efectivos às emissões. Portanto, não pode ser um tecto flutuante, tem que haver um limite mesmo, e para garantir esse limite a coisa não pode ser totalmente mercado livre, digamos assim, tem que haver metas para os países e tem que haver algum mecanismo de compensação baseado nestes, por um lado no burden sharing e por outro lado nesta ideia de equidade entre os cidadãos do mundo.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado, Sr. Prof. Vamos agora passar ao Grupo Rosa, ao João Reis.

 
João Reis
Muito boa tarde, boa tarde a todos, desde já agradeço a disponibilidade por estar entre nós. E gostaria de perguntar-lhe qual foi o crime ambiental mais grave que testemunhou em Portugal, e o que é que o sr. fez ou teria feito para o evitar?
 
João Joanaz de Melo
É assim, podemos distinguir entre dois tipos de crimes ambientais: vamos distinguir crimes ambientais devido a políticas genericamente erradas que se prolongaram ao longo de anos ou décadas, e podemos falar de casos concretos, projectos concretos.

Na primeira categoria eu elegeria as campanhas do trigo que começaram nos anos 30, na época do Estado Novo, e que tinham como objectivo tornar Portugal auto-suficiente em cerais e que tiveram como consequência destruir os solos do Alentejo e da Beira Interior.

Hoje em dia, nós olhamos para uma fotografia de satélite da Península Ibérica e a fronteira entre Portugal e Espanha vê-se na fotografia de satélite, porque os solos do lado português nalguns sítios perdemos meio-metro de solo, devido a estas campanhas do trigo, porque se fez um cultivo intensivo de cereais em terrenos demasiado clivosos que não tinham aptidão para o fazer. E, portanto, nós destruímos uma parte muito importante, ao longo de décadas, devido a uma política agrícola errada, destruímos uma parte importante dos solos agrícolas do país.

Em termos de projectos singulares, eu, enfim, quem me conhece há muitos anos, sabe que tenho um ódio de estimação que é a Ponte Vasco da Gama, que é, acho que é um caso paradigmático de mau processo decisório. A ponte Vasco da Gama tinha na sua origem, teoricamente, estava escrito na lei, que tinha dois objectivo: primeiro objectivo, era descongestionar a Ponte 25 de Abril. Quem é que aqui mora na área metropolitana de Lisboa? Alguém que more na margem sul? Na margem sul Tejo?

 

Participante: - Eu já morei.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - O que é que me podem dizer sobre esse objectivo da Ponte Vasco da Gama?

 

Participante: - O impacto foi praticamente irrelevante para quem transita na ponte sobre o Tejo.

 

Prof. Dr. João Joanaz de Melo: - E isso estava escrito com todas as letras nos relatórios que supostamente teriam servido de base á decisão governamental.

E o segundo objectivo era criar a chamada travessia inter-regional à volta de Lisboa. Travessia essa que foi agora inaugurada a verdadeira, portanto, a Ponta Vasco da Gama não é uma travessia inter-regional, é uma travessia urbana, ou suburbana; a travessia inter-regional é a Ponte da Lezíria que está prevista no Plano Rodoviário Nacional há mais de vinte anos e que foi inaugurada com pompa e circunstância há dois ou três meses.

Portanto, estes eram os dois objectivos declarados por lei para esse projecto. Em alternativa à Ponte Vasco da Gama, teria sido fazer uma ponte rodo-ferroviária entre Chelas e o Barreiro. Permitiria com o mesmo custo, garantir duas travessias ferroviárias e um sistema de transportes públicos muito mais equilibrado para a zona metropolitana de Lisboa.

E portanto, foi um resultado de um processo decisório completamente disparatado, foi o resultado de uma teimosia. Um ministro chamado Joaquim Ferreira do Amaral apoiado pelo então Primeiro Ministro, chamado Aníbal Cavaco Silva, contra a opinião de praticamente, todo o resto do governo, como todos vocês sabem eram do PSD. Valente de Oliveira, Carlos Borrego, Mira Amaral, Silva Peneda, Couto dos Santos, estes são aqueles que me lembro de repente, foi aqueles com falei pessoalmente, que eram frontalmente contra aquela solução, e que foram cilindrados. Porque o processo foi anti-transparente: o estudo de impacto ambiental foi feito dois anos depois da decisão ter sido tomada, os argumentos que foram avançados pelo então Ministro das Obras Públicas, eram falsos de uma ponta à outra, - eu estou à vontade para dizer isto, porque me dei ao trabalho de comparar as declarações do Ministro com aquilo que estava escrito nos relatórios oficiais, que eram secretos à época – e, portanto, o resultado foi fazer-se uma obra que é muito útil para os Lisboetas irem passar o seu fim de semana ao Algarve, mas não tem qualquer utilidade para resolver o problema de 80% dos habitantes da margem sul que vêm todos os dias para Lisboa trabalhar, que representam 80% do tráfego da travessia do Tejo em Lisboa. E que impediu, efectivamente, durante 20 ou 30 anos a resolução dos problemas da travessia do Tejo em Lisboa.

Portanto, o comboio da ponte não está ligado às redes de metro, o metro Sul do Tejo devia ter começado a funcionar em 1998, na melhor das hipóteses vai começar a funcionar em 2008, com 10 anitos de atraso. E o resto está tudo a condizer. E em 1999, já havia, sabem que a ponte Vasco da Gama foi inaugurada em 98, em 1999 a Ponte 25 de Abril já tinha mais tráfego do que 97, e isso estava previsto nos relatórios oficiais, que eram como eu disse secretos e que eram do conhecimento, no entanto, da Comissão Europeia quando resolveu dar o dinheiro para a ponte, ou do processo decisório mais obscuro que existe baseado em argumentos falsos que resultou num projecto muito lindo, numa ponte que é a ponte mais comprida da Europa e tal, muito engraçada, mas que não resolve nenhum dos problemas que supostamente devia resolver e que efectivamente, impediu durante 20 anos a resolução desses problemas.

Com consequências ambientais desastrosas obviamente para a reserva natural do estuário do Tejo. É um detalhe, porque as questões verdadeiramente importantes neste caso, são as questões de mau processo decisório, de desordenamento do território e de não resolução dos problemas para os quais supostamente o projecto era feito.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado, vamos agora ao Grupo Verde, Albino Silva.

 
Albino Silva
Boa tarde a todos, excelentíssima mesa. Professor eu queria partilhar consigo, se calhar é um problema, e se calhar também ao mesmo tempo fazer uma pergunta. Penso que nós aqui ainda não falámos muito bem do problema português em concreto e do nível de intervenção a nível nacional. Penso que ficámos aqui bem conscientes daqueles que são os instrumentos que poderemos usar no futuro para que consigamos atingir o objectivo de um melhor ambiente. Penso que também para nós que somos um pouco ainda a geração da lixeira a céu aberto, já temos um pouco a consciência de que o futuro passa por um ambiente melhor e nós temos essa, penso que está de certa forma interiorizado nesta geração. Penso que tem existido em Portugal um conjunto de medidas bastante significativas e penso que também fruto dessa mudança de mentalidades.

Mas não me parece que seja possível e que seja de certa forma sustentável, e parece que é um erro aqui na cadeia de valor, que é neste momento o nosso país procura, de certa forma, dou o exemplo de uma expansão a nível do potencial eólico através da implantação de parques eólicos, de termos já os carros híbridos, e ao mesmo tempo penso que existe um problema grave que é o problema da poluição dos rios.

Portanto, este problema passa-se em qualquer das localidades e é de nível primário, é do mesmo nível das lixeiras a céu aberto. Eu pergunto ao professor porque é que não existe esta preocupação imediata ou esta intenção, porque na minha opinião acho que é urgente nós tratarmos este problema. E porque é que nunca ninguém teve coragem de o enfrentar, e porque é que esta situação ainda não mudou.

E a outra pergunta que lhe queria fazer tem a ver com a energia nuclear, perguntar-lhe se é favorável ou se é contra?

 
João Joanaz de Melo
Em relação à poluição dos rios não é verdade que não se tenha tentado resolver, posso dizer que algumas das indústrias mais poluentes em Portugal, estou-me a lembrar o caso da indústria da celulose, fizeram nos últimos anos investimentos enormes para reduzir os níveis de poluição. Posso dizer que uma grande parte dos fundos comunitários foram gastos em sistemas de saneamento.

Há aqui um problema de, por um lado, eficácia e, por outro lado, vontade política para levar as coisas às últimas consequências.

Eu mostrei-vos ali um indicador que 35% das estações de qualidade da água dos rios em Portugal tem qualidade má ou muito má. E mesmo assim já esteve pior do que está agora. Portanto, há 15 ou 20 anos atrás estava pior do que está agora. Nós tivemos um período de desenvolvimento muito intenso depois do 25 de Abril, que foi feito de forma muito pouco cuidada, e isso gerou uma pressão muito grande sobre o ambiente, muito maior do que na época anterior ao 25 de Abril, porque há muito mais indústria e há muito mais actividade.

Eu diria que a resolução do problema passa, por um lado, pela criação de sistemas de gestão da água a sério, que nós em Portugal não temos. Nós temos em Portugal legislação genérica, temos normas de emissão de poluentes, mas não temos uma regulamentação a funcionar que permita por exemplo dizer aos gestores de uma bacia hidrográfica ou de um rio, dizer: neste rio a carga poluente máxima é X, e portanto, se alguém quer poluir aqui, tem que ter uma autorização para poluir. E essa autorização é dada todos os anos, não é de dois em dois anos. E se houver mais candidatos à poluição, então temos que leiloar as autorizações.

Portanto, tem que haver um mecanismo da gestão da água, que neste momento não existe. E isto anda a ser planeado, está previsto na lei portuguesa para aí desde 1990, e ainda não se conseguiu pôr a funcionar.

O actual Ministro do Ambiente, o prof. Nunes Correia que é especialista, aliás, em recursos hídricos, tem anunciado a quem o quer ouvir, que desta vez é que é mesmo. Vamos ver se ele consegue.

Associado a este sistema de gestão a água, implica haver, sistema de gestão da água significa que eu tenho que ter um controle de todas as fontes poluentes, de todas as extracções de água, que isso é importante para saber qual é o caudal que há no rio, e que tem que ter mecanismos de economia de água, ou seja,  tem que ter taxas de utilizador, que estão previstas na lei para aí desde 1994, há 13 anos.

Ora, para estes mecanismos existirem tem que haver obviamente vontade e coragem política, mas também a sociedade no seu todo tem que ter a noção que isto é necessário, é uma coisa necessária, e é por aí que a coisa vai.

Ou seja, mesmo que neste momento em Portugal se cumprisse toda a lei que existe, continuava a haver poluição da água. Se eu tiver, por exemplo, uma bacia hidrográfica como por exemplo o rio Lisandro, em que eu tenho para ai 400 suiniculturas, ou no rio Ave, que eu tenho 600 fábricas, das quais 300 e tal altamente poluentes, por exemplo, tinturarias da indústria têxtil. Se cada uma delas estiver a cumprir as normas de poluição, de emissão de poluentes, mas se todas elas estão a despejar para o mesmo rio, o rio vai continuar a estar poluído. O Rio Ave é assim desta cor.

Porque o excesso total de poluição é muito grande.

Se eu tiver um tecto de emissão para as descargas de poluição hídrica, tal como tenho para o Protocolo de Quioto e tiver um mecanismo económico em que as emissões poluentes são pagas, e quem prevaricar fecha a porta, não é passa-se uma coima para daqui a seis meses, depois aquilo vai a tribunal, depois não sei quê, fecha-se a porta primeiro e vá a tribunal depois, se estiver a infringir. Tem que ter um sistema de auto controle, eu tenho que ter lá alguma coisa a medir quanto é que está a poluir.

Tem que haver um conjunto de coisas que do ponto de vista técnico estão mais do que estudadas, portanto, todo o know-how existe, tem que haver, enfim, capacidade política para por isso a funcionar e tem que haver uma percepção por parte da sociedade que isto é uma coisa necessária, não pode haver oposição da indústria e das autarquias, e de A, B, e C. isto tem que ser uma coisa que tem que ser quase um Pacto de Regime.

Portanto, a tecnologia existe, o know-how existe, aquilo que falta é, por um lado, vontade política para que a coisa seja feita a sério, e por outro lado, um sentimento público que diga: isto é mesmo necessário, nós queremos ter rios limpos.

Sem isso não se vai a lado nenhum, não basta haver uma coragem política de quixotesca se depois não houver apoio do lado da sociedade. O que significa que isto tem que ser explicado à sociedade, e as pessoas que estão interessadas nestes assuntos tem que estudar o problema e perceber que isto é de facto, a solução tem que ir neste sentido.

Portanto, é uma coisa que é tecnicamente resolúvel mas é socialmente e politicamente complicada.

Em relação à energia nuclear, a resposta simples é não. Se quiserem respostas mais complicadas posso elaborar até onde quiserem. Mas o bottom line é assim, a energia nuclear tem uma séria de consequências ambientais, algumas previsíveis, algumas imprevisíveis, por exemplo ainda não há um mecanismo seguro para nós darmos destino aos resíduos rádioactivos da energia nuclear. E em termos económicos não é interessante. Uma central termoeléctrica convencional em fim de vida, quando tem 20 ou 30 anos de vida é um monte de sucata. Uma central nuclear em fim de vida, ao fim de 40 anos de actividade é um montão de resíduos perigosos, a central inteira é um resíduo perigoso, é uma coisa extraordinariamente difícil de gerir. Até em termos operacionais, um antigo Secretário de Estado da Energia dum governo PSD, chamado Nuno Ribeiro da Silva diz em público, para quem o quiser ouvir, (ele neste momento é administrador da Iberdrola, que é uma das empresas espanholas que tem centrais nucleares) que mesmo em termos operacionais as centrais nucleares não são assim lá muito rentáveis. Portanto, aquilo tem exigências tão grandes em termos de segurança que a própria operação é muito complicada, em termos de custo operacional.

Portanto, não é uma solução em termos económicos, é muito mais cara do que apostar na conservação da energia, em energias renováveis (..) elevado que não se vêem benefícios assim tão grandes como isso, e em termos sociais é inaceitável. Vocês não encontram nenhuma localidade em Portugal que aceite ter uma central nuclear ao pé da porta.

Se já foi a fita que foi com a co-incineração dos resíduos perigosos, e posso-vos garantir que a co-incineração é (…) do que uma central nuclear.

Portanto, penso que o problema não se vai pôr. Penso que a central nuclear é um espantalho para assustar meninos, em Portugal neste momento. Aliás, foi um dos argumentos usados pelos lobistas da EDP junto dos senhores deputados do Parlamento Europeu para argumentar que era precisa a Barragem do Sabor. É o Sabor ou a energia nuclear. Que é ridículo a todos os títulos, mas quem não sabe é como quem não vê.

 

Pedro Rodrigues: - Dou agora a palavra à Carolina Figueira do Grupo Amarelo.

 
Carolina Figueira
Boa tarde a todos, queria agradecer a disponibilidade do Prof. Doutor João Joanaz de Melo.

A pergunta do nosso grupo vai residir essencialmente sobre o desenvolvimento sustentável. Então, se uma política ambiental adequada tem que ser transversal e se for uma condição sine qua non a todos os sectores, uma economia sustentada, como é que podemos falar em desenvolvimento sustentável nos países de terceiro mundo, tendo em conta que estes não têm capacidades económicas para dar resposta às necessidades básicas das suas exportações(?).

Muito obrigado.

 
João Joanaz de Melo
Essa é uma complicada, porque um dos problemas graves dos países menos desenvolvidos é que eles não tem capacidade interna para se desenvolverem a si próprios, têm percentagens grandes da população, aquilo que nós chamamos o ciclo da pobreza. O ciclo da pobreza significa, as pessoas como são pobres não têm capacidade para investir, muitas vezes não têm capacidades para se melhorarem a si próprias em termos pessoais. Porque não têm sequer condições de saúde ou de alimentação para despenderem uma parte mínima do seu tempo a melhorarem a si própria em termos educacionais.

Por exemplo, não podem(…)

 

(Um minuto inaudível)

 

(…) toda a procura de comida e de lenha para cozinhar. E temos uma percentagem da população importante que vive nesta situação. Portanto, o que significa que se nós queremos que haja um desenvolvimento mais equilibrado a nível mundial, nós temos que apoiar esses países. O problema é que os métodos de auxílio ao desenvolvimento tradicionais, que é grandes projectos de desenvolvimento em que se dá montes de dinheiros aos governos desses países não funcionam, porque muitos desses governos são ditatoriais, são corruptos. Enfim, há vários exemplos, posso dar dois ou três, toda a gente já ouviu falar do sr. Mobutu do Zaire, quando morreu tinha uma fortuna pessoal que era mais dólar menos dólar igual à divida externa do país. E este caso passa-se em muitas partes do chamado Terceiro Mundo. Portanto, as soluções não são fáceis, requerem várias coisas.

A primeira coisa que requerem é nós percebermos o que se está a passar lá, a experiência que existe é que os melhores esquemas de auxílio têm funcionado através das missões, as missões cristãs, quer católicas quer protestantes, porque é quem está no terreno e sabe o que lá se está a passar.

Outra via é através de ONG’s, Assistência Médica Internacional, esse tipo de organizações, portanto, organizações humanitárias que estão no terreno e sabem o que é que lá se está a passar.

Sabemos que o mecanismo mais eficiente de auxílio, há um velho provérbio chinês que é quando alguém está com fome não lhe deves dar um peixe, deves ensiná-lo a pescar. E portanto, é isso que nós temos que fazer, é ensiná-lo a pescar, e se calhar com um cana de pesca, não é com um arrastão. Se ensinarmos a pescar com um arrastão, para já ele não tem dinheiro para o gasóleo do arrastão, e depois vai destruir o fundo do mar e vai ficar sem peixe nem marisco. Que foi o que aconteceu com a frota pesqueira russa, japonesa, espanhola e não sei quê ao longo da Costa de África.

Portanto é algo que é difícil e que exige empenhamento, exige conhecimento, é preciso estar no terreno.

A minha experiência nessa matéria é muito limitada, muito pequenina, mas enfim, tive uma pequena experiência em Moçambique, estive a trabalhar durante duas semanas no ordenamento da albufeira que abastece Maputo de água, e como parte desse trabalho tive várias experiências interessantes que estava capaz de partilhar convosco, muito rapidamente. Uma foi andar lá no meio do mato às tantas e o nosso motorista que era moçambicano começa a buzinar a toda a força e nós voltamos para trás a perguntar o que é que se passavam, na altura não tínhamos telemóveis, e ele tinha rádio no carro e podia ser que tivesse alguma mensagem urgente ou qualquer coisa. Então o que é que era? É que eu estava a chamar-vos porque esse sítio para onde vocês estavam a ir agora ainda não foi desminado. Quando lá estive durante 15 dias, quase não havia dia que não aparecesse no jornal uma notícia sobre que não sei quem tinha ficado sem uma perna, porque tinha explodido uma mina anti-pessoal. Na altura em que eu lá estive, a vida era muito pobre, mas não havia fome, a guerra já tinha acabado há vários anos e os mercados estavam cheios de comida. Portanto, aquilo que se notava é que as pessoas eram muito pobres, a maior parte da população de Maputo vive em palhotas nos subúrbios da cidade, mas não havia fome, as pessoas notava-se que andavam, ao contrário de outras zonas de África em que a situação é catastrófica, ali não, entrou-se numa situação pacífica.

Portanto, uma condição sine qua non é: acabar com a guerra. Que isso é a maior fonte de subdesenvolvimento que há no mundo.

Outro factor é de facto lidar com a corrupção. Outra das coisas que nós encontrámos, um belo dia andávamos a passear pela mata, que andámos a fazer o reconhecimento da zona da Albufeira, e andavam uns sujeitos com uns buldozer a deixar o matagal a baixo. E nós fomos, qual gato das botas, perguntar: então, a quem pertence isto e tal. E o primeiro tipo disse: Ah, isto é do Ministro da Agricultura. Do Ministro da Agricultura, em Moçambique não há propriedade privada da terra, há as machambas tradicionais, o resto pertence ao Estado, o solo pertence ao Estado, lá o motorista sabe lá, ministro, ministérios, se calhar é algum projecto do governo moçambicano. Um bocado mais à frente perguntamos a mesma coisa a outro tipo que estava com outra escavadora a cortar o mato, e ele dizia: ah, isto é do Ministro da Defesa. Eu: espera, Ministro da Agricultura ainda vá, agora Ministro da Defesa. Fomos investigar o que se passava e então o que é que tinha acontecido? Na altura o governo tinha decidido que controlava, na altura o governo era um governo partido único, da Frelimo, e controlava obviamente a política, os meios de decisão, os órgãos de poder, mas não controlava a economia, e então achou que a melhor maneira de controlar a economia, era outorgar concessões de terrenos aos membros do próprio governo. E isto era considerado normalíssimo. Isto era uma coisa normalíssima.

Isto não são histórias que eu ouvi falar, isto são aquelas que eu tenho em primeira mão, e eu sou o primeiro a dizer que tenho muito pouca experiência desta matéria, eu conheço muito mal África, infelizmente, porque é um Continente fascinante.

Se nós queremos evitar ter, nas próximas décadas, um assalto de pessoas desesperadas que vêm de África e da Ásia e de outros sítios, para a Europa, porque vêm a fugir da guerra e vêm a fugir da fome, a única maneira que nós temos, quanto mais não seja por egoísmo esclarecido, é fomentar um desenvolvimento local que seja capaz de funcionar.

Um último exemplo, que esse eu não conheço em primeira-mão, mas vocês podem conhece-lo tanto quanto eu, que é o caso dos empreendimentos petrolíferos na Nigéria e maneira como se vive nas cidades do petróleo na Nigéria. Há um artigo muito interessante sobre essa matéria na National Geografic internacional e na portuguesa também de há dois ou três meses atrás, portanto aconselho-vos vivamente a ler, para terem a noção do que é que um modelo de desenvolvimento errado.

E portanto, não funciona atirar dinheiro ao problema, temos que atirar inteligência ao problema, temos que atirar empatia ao problema, e temos que perceber o que é que lá se passa. E perceber localmente quais é que são as organizações, se são capazes de fazer alguma coisa, de pôr a fazer alguma coisa de baixo para cima. Foi aquilo que fez a senhora Wangari Maathai e ganhou o prémio Novel da Paz.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado. Dou agora a palavra ao André Salvado do Grupo Encarnado.

 
André Salvado
Boa tarde, em primeiro lugar queria agradecer a excelente conferência que está a dar até este momento. O que torna um bocado complicado para nós formularmos as perguntas à medida que se vai avançando. De modo que optámos por uma solução mais metafórica, ouvimos já aqui falar de crescimento sustentável, a questão da economia versus natureza, desenvolvimento, preservação, que alguns casos temos que interagir com a natureza, tomar medidas a longo prazo, noutros pensar na utilidade pública ou na necessidade imediata. Ou seja, no nosso entender, acaba por ser uma divisão diferente da mesma coisa, quase ver os vários lados do cubo, e percebermos que a certa altura somos obrigados a optar, temos de optar, então, a nossa metáfora, partindo do princípio e tomámos a liberdade de pensar que é casado, por causa da aliança, a nossa pergunta é a seguinte: imaginemos que é o aniversário de casado, a sua esposa é uma pessoa apreciadora de flores, o que é que escolheria como presente para oferecer à sua esposa, um ramo de flores ou um vaso com uma flor. É obrigado a optar pela resposta, como é óbvio e a explicar o porquê, como é óbvio.

Obrigado.

 
João Joanaz de Melo
Essa é complicada. Para já porque entra com um factor que é o gosto da minha mulher, e depois entra com outro factor que é, deixem-me também, uma vez que desviaram a pergunta, eu também vou desviar a resposta. Vamos pôr a coisa assim: é fundamental nós termos a noção de que o nosso estilo de vida influência o ambiente, e há coisas que podemos fazer para melhorar claramente o ambiente com relativamente pouco custo. Portanto, se quiserem no grande esquema das coisas, ou na minha pegada ecológica ou na pegada ecológica da minha família, provavelmente tem um peso muito maior o controlo que eu faço do tempo que o meu filho adolescente passa a tomar duche, ser vinte minutos em vez de meia hora ou uma hora; do que eu oferecer à minha mulher uma flor ou um ramo de flores.

Ou seja, nós quando tomamos decisões, não só temos que tomar as decisões certas como temos que ter a noção das prioridades. Há coisas mais importantes que outras.

É absolutamente fundamental num aniversário de casamento dar flores à esposa, evidentemente. Quantos daqui é que são casados? Então, vocês não me deixam mentir.

Obviamente que se deve dar prendas à amada, isso não está em questão, mas é importante nós termos a noção e portanto isso tem que ser uma prioridade nossa vida pessoal.

Também temos que ter a noção que, no grande esquema das coisas, se calhar é mais importante nós como cidadãos, termos uma posição sobre o que deve ser a política energética do país, isso é mais importante, do que decidir se vamos fazer com o carro 5 quilómetros ou 10. Embora, evidentemente, se nós podemos optar por ir de transporte público ou ir de automóvel privado, a opção de ir de transporte público de forma sistemática, é também uma opção ambiental, e obviamente deve ser tomada.

Eu estava capaz de dizer que além de oferecer uma flor a minha mulher, estava capaz de lhe propor vir passar um fim-de-semana a Castelo de Vide, que é uma terra lindíssima. Aliás, não estou a falar de cor, porque parte da nossa lua-de-mel foi passada aqui perto em Marvão, que também é outra vila lindíssima. Portanto, tenho boas recordações aqui desta zona.

Mas portanto, aqui a mensagem fundamental é, não só eu tenho que saber decidir como tenho que ter a noção das prioridades, é importante eu como cidadão ter a noção de que existe um problema sério que é a política energética do país, existem decisões sérias sobre projectos concretos como por exemplo a Barragem do Sabor, e eu como cidadão e em particular vocês, muitos de vocês são aspirantes a políticos, e espero a bons políticos, têm que ter a noção de que a vossa opinião conta naquilo que vai ser a postura do país nestas matérias.

Seja ao nível da vossa decisão individual, de dar uma flor ou um ramo de flores à vossa amada, seja ao nível das decisões, das prioridades que vocês assumem na vida e que um de vocês de hoje para amanhã estará numa câmara municipal ou na assembleia da república, a que é que vocês se vão dedicar, vão-se dedicar a discutir o sexo dos anjos ou vão se dedicar a discutir, enfim, as coisas, quantos quilómetros de auto-estrada é que cada partido conseguiu produzir, ou vão-se dedicar a discutir políticas a sério.

Neste momento temos um Primeiro–Ministro cuja primeira função governativa foi no ministério do ambiente, é o primeiro caso, mas eu espero que não seja o último.

Tradicionalmente o ambiente era uma coisa menor na política, isso começou a deixar de ser assim, com uma personalidade chamada Carlos Pimenta, e independentemente do melhor ou pior desempenho do nosso Primeiro-Ministro, que eu não acho que seja particularmente brilhante nem em termos de ambiente, nem noutras coisas, mas independentemente disso o facto é que ele chegou a Primeiro Ministro através do ambiente.

Portanto, desse ponto de vista, do ponto de vista táctico da coisa política, ele fez escolhas inteligentes através de um problema que de facto diz muito às pessoas ou que pode dizer muito às pessoas, se for bem trabalhado.

E a verdade é esta, nas últimas décadas as questões ambientais têm sido mal trabalhadas na política, na grande maioria dos casos. Temos tido um rol de Ministros do Ambiente que na grande maioria dos casos não são sequer políticos, são na melhor das hipóteses tecnocráticos que sabem um bocadinho de ambiente ou alguma coisa de ambiente. Mas isto não vai lá apenas com tecnologia. Precisamos da tecnologia, é talvez dos sectores em que esta questão é mais crítica, tem que aliar um conhecimento técnico cientifico muito profundo, como vocês já perceberam muitos destes assuntos são cientificamente complicados a uma posição política que tem que ser muito forte, estamos a falar aqui de posições políticas que são opções de cidadania, opções de civilização, são modos diferentes de olhar para a civilização.

E, portanto, é muito importante que nós tenhamos opinião não só sobre a flor mas também sobre o sítio donde a flor vem. Eu quero saber como é que esta flor foi produzida, foi colhida aí no meio do mato, numa área protegida ou foi cultivada, e foi cultivada com pesticida agressivo para o ambiente, bio-degradáveis ou não. Se calhar essa dimensão, a pegada ecológica da flor é mais importante que ser uma flor ou três flores.

Pedro Rodrigues: - Muito bem, muito obrigado. Dou agora a palavra à Ma. João Mestre do Grupo Azul.

 
Maria João Mestre
Boa tarde a todos, muito obrigada pela sua intervenção foi muito esclarecedora. A nossa pergunta vai de encontro, a ideia de que quando num mundo de hoje temos uma grande potência mundial, ou seja, os EUA, que é o maior poluidor do mundo, e que as potências emergentes, como a China e a Índia, ignoram a sustentabilidade ambiental, dizem simplesmente “We don’t care”, como é que convencemos estes gigantes. Ou seja, em jeito de brincadeira, como é que convencemos um chinês que andou toda a vida a pé e de bicicleta e que agora tem um grande poder económica, que não pode comprar um Ferrari ou que não deve e que deve ter consciência ambiental. Como é que nós dizemos a um americano que não pode andar com o seu jipe que gasta não sei quantos litros. Isso é que eu acho complicado, este tipo de diálogo entre culturas e convencer as outras culturas.
 
João Joanaz de Melo
É de facto complicado mas há soluções para isso. Em relação aos chineses explicar-lhes porque é que eles em vez de bicicleta não podem andar de Ferrari, ai a solução é muito simples, é nós passarmos a andar de bicicleta. Enfim, pode parecer que estou a caricaturar mas não estou tanto como isso, dou o exemplo da minha terra, eu moro na Costa da Caparica, que é um sítio excelente para andar de bicicleta. Eu quanto tinha 10 anos, 12 anos, o meu meio de transporte na Costa da Caparica era a bicicleta, eu ia a todo o lado de bicicleta e os meus pais deixavam-me andar porque não havia carros, e portanto, eu podia andar de bicicleta. E hoje em dia ponho algumas restrições aos meus filhos para andarem de bicicleta à vontade na Costa da Caparica, porque correm o sério risco de serem atropelados, porque há um trânsito louco.

Ora é dos sítios, como uma grande parte das nossas cidades têm excelentes condições para a bicicleta ser de facto um transporte alternativo.

Portanto, parte da solução é assim: as regras ou restrições têm que ser iguais para todos, se nós vamos por restrições ao uso do automóvel na China, também temos que por restrições ao uso do automóvel na Europa. Temos que dar o exemplo. Isso já se faz nalguns países europeus. Nós vamos à Holanda, nós vamos à Dinamarca, é verdade, são todos países planos, mas mesmo noutros países europeus há de facto um uso muito mais inteligente e intensivo da bicicleta e com climas muito piores do que o nosso. Não queiram comprar o clima da Dinamarca com o clima português.

Portanto, é possível, de facto, nós termos, ao nível, sobretudo do transporte de proximidade, estamos a falar de localidades pequenas, onde se vai de uma ponta à outra, de uma ponta à outra da localidade são 4 quilómetros ou 5 quilómetros, a bicicleta é um meio de transporte a sério, não é uma coisa só para maluquinhos, ou por outra, hoje em dia é só para gente muito corajosa, porque volta não volta morrem ciclistas nas nossas estradas, são atropelados. Mas em muitos sítios, a começar pela cidade de Lisboa, para aí 90% da cidade de Lisboa é facilmente ciclável, se houver vontade política para a tornar ciclável.

Bom, em relação ao problema da relação internacional, e como é que se convencem potências, como os Estados Unidos ou a China, a China hoje é uma potência económica, a terem atitudes ambientais mais correctas. Muito simplesmente é dizer assim, é chegar à Organização Mundial de Comércio e dizer: bom, o facto de vocês não subscreverem o protocolo de Quioto é um subsídio ilegal à vossa indústria automóvel, do aço, do carvão e não sei quê. E portanto, tudo o que venha de lá que não está sujeito a uma taxa de energia ou de carbono, passa a ter uma tarifa alfandegária à entrada da UE.

No dia em que a UE tiver coragem para dizer isto, os EUA, enfim, ao fim de uma guerra que vai durar, uma guerra de palavras e eventualmente de sanções económicas que vai durar uns meses, vão entrar na linha porque terão que entrar na linha. E portanto, é uma questão que nós Europa estarmos dispostos a arcar com os custos que isso implica, isso tem custos. Isso implica que há produtos que são importados da América que vão passar a ter um preço mais alto, isso implica que há produtos que neste momento são exportados para os Estados Unidos em que por retaliação os Estados Unidos durante X tempo os vão impedir de entrar.

Agora, do ponto de vista de conceito de política internacional ou de comércio internacional, isto é que é verdadeiramente o comércio livre, eu não posso encarar o aço que vem dos Estados Unidos como tendo o mesmo processo produtivo do que vem da Europa, porque o da Europa polui menos. E portanto, se isto não for lá a bem, tem que ir a mal. Eventualmente a coisa resolver-se-á quando o Sr. Bush sair de Presidente dos Estados Unidos, mas eventualmente não podemos estar à espera disso, ou se calhar vale a pena haver da Europa, a Europa é um gigante em termos económicos, mas é um anão em termos políticos, infelizmente.

Não sei se o Carlos quer fazer algum comentário sobre isso.

Isto é um facto. Isso decorre do facto da Europa não ter uma posição, porque é que os Estados Unidos são a única potência mundial? A Europa tem capacidade económica para ser uma potência equivalente aos Estados Unidos, mas não o é porque não quer, porque em termos de política externa, em termos de política de defesa não quer ser. Isso tem custos. Implica, entre outras coisas, termos mecanismos de concordância ou de capacidade de criação de decisões a nível europeu nessas matérias, que hoje em dia não temos. E isso paga-se, se nós não queremos dar-nos ao trabalho ou ao custo de termos uma política de relações externas ou uma política de defesa, depois paga-se para ser internacional em termos da capacidade de decisão.

Mais uma vez, isto, não são coisas simples, mas eu diria que há maneiras de fazer isso. E eu acho que um bom princípio era dizer, no comércio internacional o ambiente tem que passar a ser um factor a sério em cima da mesa, e não apenas por uma questão, eu diria, até por uma questão de auto-interesse. Neste caso, o ambiente na Europa tem este aspecto curioso, é que é do interesse da Europa quer em termos económicos, quer em termos ambientais, pôr o ambiente como uma coisa mais importante na negociação internacional. Não é por acaso que a Europa tem sido pioneira nas negociações de Quioto, de pós-Quioto e por aí fora.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado, vou agora dar a palavra ao Grupo Bege, à Paula Nunes da Silva.

 
Paula Nunes da Silva
Boa tarde. O Grupo Bege não se acanhou e temos três perguntinhas muito simples, mas são muito simples e muito práticas. A primeira é a seguinte: os PDM, os Planos Directores Municipais são instrumento importante no ordenamento do território, como explica ou se acha razoável que os estudiosos ou as pessoas que elaboram ou fazem a revisão deste PDM, demorem anos, para sair cá para fora o resultado dessa revisão ou dessa elaboração.

A segunda é: em Portugal é muito comum os planos nunca saírem do papel, é planos atrás de planos, que não são executáveis.

E finalmente não resistimos a fazer esta pergunta: onde é que acha que deve ser construído o novo aeroporto de Portugal.

 
João Joanaz de Melo
Ora bem, obviamente que não é razoável que os PDM’s levem anos e anos a serem feitos, mas isso decorre de várias coisas. Decorre muitas vezes, deles para começar terem bases técnicas pouco sólidas, depois terem um processo decisório em que os principais interessados são os últimos a ser ouvidos, ou seja, aquilo há um processo de concertação que leva em conta interesses de vária ordem que estão mais ou menos ligados às câmaras. Não é por acaso que o financiamento das campanhas, em particular as campanhas autárquicas, é feito principalmente por empresas de construção civil, é daquelas coincidências milagrosas, que depois leva a que haja áreas urbanizáveis que dão para quadruplicar a população do país.

Portanto, acho que aqui, temos que, por um lado, ser mais rigorosos em termos técnicos e, por outro lado, ser mais transparentes.

O método de planeamento que tem havido em Portugal… há várias escolas de planeamento, a escola tradicional é que o planeamento é um método soviético, que é, há uns senhores que idealizaram uma determinada coisa, espetam com aquilo num plano e aquilo é a doutrina da República ou do Município para os próximos 10 anos. Isto é uma má maneira de planear as coisas, sem dar cavaco à população.

Há outro método que é, tecnocraticamente dizer: Bom, há aqui uns valores que são cientificamente muito interessantes, mas não se ouvem os interessados, as pessoas não sabem o que é que aquilo é.

E depois há, enfim, aquilo que se tem procurado mais recentemente, noutras partes do mundo fazer, que é envolver a própria população no planeamento.

Por exemplo, uma das maneiras de fazer isso, é fazer simulações que, hoje em dia, com as ferramentas computacionais que existem, é relativamente fácil. Fazer uma simulação e dizer, se eu fizer uma X volumetria de construção o que é que vai acontecer à paisagem num determinado sítio, e colocar isso na Internet e permitir às pessoas verem, e darem opiniões, a fazerem até aquelas votações como há, hoje em dia para as mais variadas coisas, desde para dizer qual é o actor mais sexy até não sei quê.

Bom, é possível aplicar essas técnicas de comunicação ao planeamento. Ora, há muito poucos municípios que tenham esta vontade de o fazer, parte disto também é insuficiente competência ou insuficientes capacidades. Por exemplo, a maior parte das equipas dos PDM das câmaras, não tem engenheiros do ambiente. A maior parte dos engenheiros do ambiente que trabalham nas câmaras estão a trabalhar ou na área do saneamento básico, ou na área da educação ambiental ora em coisas de género, e há muito poucos a trabalhar na área do planeamento.

Uma das coisas, aqueles de vocês que vierem a ser vereadores responsáveis pelo pelouro do ambiente na câmara, contratem engenheiros do ambiente, ponham-nos a trabalhar nos PDM’s. Não estou a puxar a brasa à minha sardinha.

Há de facto a necessidade de tornar os processos mais expeditos, mas também uma necessidade de uma maior competência técnica na forma como as coisas são analisadas. E não é razoável que as coisas demorem 10 anos a ser aprovadas.

Eu diria que a culpa está em vários lados. Quando o grau de catástrofe é assim, não há culpa só de um, aí temos culpas na Câmara, na Assembleia Municipal, no Governo e por aí fora.

Há montes de planos de facto que não saem do papel, e a razão porque há montes de planos que não saem do papel, é a mesma razão porque há montes de leis que não saem do papel em Portugal, é que são mal feitas.

E não é porque não se saiba fazer. Ao longo da minha carreira, eu trabalhei no então Ministério do Planeamento, na época em que o Ministro do Planeamento era o Prof. Valente de Oliveira, e trabalhei entre outras coisa, na legislação da avaliação de impactos ambientais, e tive, várias brigas com o gabinete do Ministro, porque nos davam instruções para pôr coisas na lei e na regulamentação, que eram coisas que não tinham pés nem cabeça. Mas politicamente é assim que se quer fazer.

Portanto, quando se faz uma Lei que depois não tem caminhos de implementação, já se sabe que aquilo não vai funcionar. É a mesma coisa que fazer uma Lei a dizer que esta parede é azul, mas não há nenhuma Lei que faça com que esta parede seja azul, a não ser que alguém pegue num balde de tinta e a pinte. Se não há na Lei lá uma rubrica orçamental que diz compre-se o balde de tinta azul, aquilo nunca vai ficar azul.

Em Portugal fazem-se mal as leis, não é que não se saiba fazer bem, é que se querem fazer mal.

E portanto, aqueles de vocês que vierem a ser legisladores têm esta responsabilidade, que é fazer leis que funcionem, e que sabe como é que vão funcionar a seguir. Porque é que em Portugal as leis não se cumprem? É porque não há condições para as cumprir muitas vezes, e porque há esta noção que as leis não são coisas para cumprir, são umas vagas orientações.

Em relação ao novo aeroporto de Lisboa, é uma questão difícil. Porque eu acho que tem sido mal tratada, porque tem sido usada basicamente como arma de arremesso, baixa política em vez de se estudar as coisas como deve ser.

Eu diria que nunca foi estudada a sério, verdadeiramente a sério a hipótese de ampliar a Portela, mas temos a noção que a Portela é uma situação limitada, tem espaço limitado e tem impactes significativos. Dizer-se: ok mantém-se o aeroporto na Portela. Significa desistir de ter mais do que vinte e poucos milhões de passageiros por ano, e significa que a população da cidade de Lisboa vai continuar a ser sujeita ao ruído e aos riscos associados a ter um aeroporto dentro da cidade. E portanto, essa parte da equação nunca foi estudada a sério.

As duas hipóteses que estão neste momento assim mais acesamente em cima da mesa, são a OTA e Alcochete. Eu diria que qualquer deles tem defeitos muito sérios, enfim, qualquer deles tem algumas qualidades. Não é possível fazer um grande aeroporto internacional sem estragar alguma coisa, portanto, vai ser haver impactos muito sérios.

E um dos problemas que eu vejo é que os sucessivos governos têm olhado para esta questão do aeroporto como mais uma obra que se vai fazer, é mais uma coisa que se construir. Ignorando, por exemplo, questões básicas de ordenamento do território, bom, em qualquer dos sítios, quer em Alcochete quer na Ota, onde se ponha o aeroporto, isso significa uma pressão urbanística fortíssima em toda a zona envolvente. Em nenhum dos sítios existe nenhum tipo de mecanismo a funcionar que garanta um ordenamento do território com pés e cabeça.

Em nenhum dos sítios se estudou a sério como é que vai ser feita a interligação do aeroporto com a rede de alta velocidade. Está previsto haver uma estação do TGV na Ota, nas não se sabe que tipo de TGV vai ser. Fazer um TGV para andar a 350 à hora entre Lisboa e Porto é uma cretinice. É completamente idiota. Que me digam que um TGV deve andar a 350/h entre Lisboa e Madrid tudo bem, agora entre Lisboa e Porto não faz nenhum sentido. É um disparate completo. Para já não tem traçado em que isso seja possível. Nem se sabe onde vai ser a estação central em Lisboa.

Portanto, sem estas coisas serem consideradas como deve ser, é um bocado difícil dizer que aquilo deve ser aqui ou acolá.

Eu diria que do ponto de vista meramente aeronáutico, qualquer um dos sítios é melhor que a Portela, do ponto de vista de segurança, segurança em termos de vizinhança, qualquer dos sítios é melhor que a Portela, e qualquer dos sítios é muito melhor do que a maior parte dos aeroportos europeus.

Agora, eles têm consequências efectivamente diferentes. E há alguns argumentos que se tem visto por aí, por exemplo o argumento de que Alcochete é um sítio muito bom porque aquilo já é terreno público, então já não é preciso pagar, é à borla, é mentira.  Porque em Alcochete é preciso fazer um novo campo de tiro porque tem que haver um sítio qualquer para a nossa Força Aérea fazer treino de tiro ar/terra, que é para isso que serve o campo de tiro de Alcoch ete entre outras coisas. E não pode ser num sítio qualquer, não pode ser em Castelo de Vide, isto é muito rochoso, tem que ser um sítio com areia, e tem que ser um sitio grande, e é caro, portanto, mudar um campo de tiro dali para outro lado, aquilo é à borla, mas é preciso fazer um noutro sítio. A não ser que queiramos optar por desistir de ter Força Aérea e entregamos o nosso espaço aéreo a Espanha? Se for essa a opção! Bem, enfim, não me parece muito inteligente essa opção, mas é uma possibilidade.

Portanto, outra coisa que seria obviamente necessário fazer era, se põem o aeroporto na margem sul tem que haver uma ligação ferroviária a Lisboa, que na Ota é uma das vantagens da Ota é essa.

Por outro lado, do ponto de vista de implantação de impactos ecológicos em qualquer um dos sítios tem impactos muito sérios, e em qualquer dos sítios se a coisa for bem estudada, é possível minimizar alguma coisa desses impactos.

Eu devo-vos dizer que com o conhecimento que eu tenho neste momento, que é um conhecimento que eu assumo que é incompleto, não tenho a informação toda que eu acho que devia ser providenciada para uma decisão destas, eu inclino-me mais para a Ota do que para Alcochete. Mas, é uma decisão que eu acho,  é mais palpite do que outra coisa, já trabalho nisto há muitos anos, e portanto tenho a minha, não quero fugir à pergunta.

Agora, se me dissessem: tem informação suficiente para tomar uma decisão informada hoje? Não tenho.

Não tenho. E acho que esta ideia de querer avançar com a coisa a toda a força, de qualquer maneira, é pouco adequada, e portanto, isto devia ser feito com muito mais calma e com uma análise mais rigorosa.

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado. Vou agora dar a última questão, ao Tiago Pereira do Grupo Castanho.

 
Tiago Pereira
Boa tarde. A desertificação territorial é um dos problemas que vai afectar os próximos anos, segundo alguns estudos um terço do planeta, em 2100, será afectado pela desertificação, o que vai levar a que cerca de aproximadamente 50 milhões de pessoas tenham que abandonar os seus territórios por causa da desertificação. Portugal não foge à regra, temos terrenos agrícolas abandonados, florestas desbastadas pelos incêndios, urbanizadas, mal urbanizadas. A minha pergunta é: do seu ponto de vista, qual deve ser o papel do Estado para prevenir a desertificação que leva imediatamente ao despovoamento, especialmente em áreas como os Trás-os-Montes e como o Alentejo?
 
João Joanaz de Melo
Bom, vamos distinguir entre dois problemas diferentes, que é a desertificação humana, e a desertificação física.

Em, Portugal nós temos áreas que são vulneráveis à desertificação física, mas é um processo que ainda não está a ocorrer em Portugal, pelo menos não em larga escala, nós temos um clima que ainda é demasiado húmido para ter uma desertificação física como aquela que existe, por exemplo na zona envolvente do Deserto do Saara.

O que nós temos em Portugal neste momento é um problema de desertificação humana e nalgumas partes do território, nomeadamente no interior sul, se a alteração climática se agravar, poderemos vir a ter num futuro próximo problemas também de desertificação física. A desertificação física combate-se com árvores, não é com regadio. Ou seja, por outras palavras, o Alqueva não contribui em absolutamente nada para resolver o problema da desertificação no Alentejo. A desertificação física resolve-se da maneira que começou a ser desenvolvida pelo projecto Green Belt no Kenya que é arborizando com espécies autóctones que são nomeadamente entre outras coisas, resistentes aos incêndios.

Portanto, isto em relação à desertificação física.

Em relação à desertificação humana, isto tem a ver com políticas de criação de valor que tenham a ver com os valores próprios do sítio. E dava um exemplo que está aqui muito próximo: está neste momento projectado para a zona de Nisa uma nova mina de urânio. Eu diria que esta zona é tão bonita, tem um potencial de desenvolvimento a prazo muito mais interessante em termos do turismo, em particular do turismo virado para na natureza, para a cultura, temos aqui coisas fantásticas em termos de património cultural, é muito mais interessante isso do que estar a instalar uma mina de urânio que vai afugentar os turistas e que vai dar dinheiro a uns quantos sujeitos, até pode dar algum dinheiro para a autarquia mas que não vai criar nenhum desenvolvimento duradouro para ao habitantes da região.

E portanto, a desertificação humana, combate-se com pólos de desenvolvimento, que não devem ser mega projectos, os mega projectos tipo Sines, ou tipo Alqueva, ou tipo o Cachão, ou tipo a Cova da Beira, dificilmente geram desenvolvimento duradouro, tem que ser com projectos que vão de encontro àquilo que são as potencialidades locais e que portanto tenham capacidade para gerar, efectivamente um desenvolvimento a longo prazo. E isso é verdade em Portugal e é verdade noutras partes no mundo.

Em relação à desertificação física, isto passa por haver políticas, nomeadamente florestais e agrícolas que movam um tipo de vegetação que conserve o solo, isto é absolutamente fundamental, o principal factor da desertificação física, é a destruição do solo, foi aquilo que nós fizemos no Alentejo com as tais campanhas do trigo que referi há pouco, e portanto, eu tenho que ter um tipo de ocupação agro-florestal que proteja o solo. Isto é a questão mais fundamental de todas, em termos de desertificação física.

Isto também pode ajudar a combater a desertificação humana. Se eu tiver a criação de sistemas económicos que sejam apostados, por exemplo, em produtos de qualidade local, estou-me a lembrar de um caso entre outros, que é o Presunto Pata Negra, todos vocês estão habituados a comprar ai nas charcutarias Presunto dito espanhol, que é Pata Negra, e a maior parte desses porcos são porcos Alentejanos, foram criados em Portugal, que foram exportados para Espanha, e que depois voltam para cá sob a forma de presunto com a marca espanhola, e o valor acrescentado ficou em Espanha, mas as bolotas que engordaram o porco estão cá em Portugal.

Uma forma interessante de conseguir simultaneamente um combate à desertificação física e humana é apostarem produtos de base local, que tenham a ver com a agricultura tradicional local, de produtos de qualidade. Em que nesta zona podemos ter o caso do porco, podemos ter o azeite, podemos ter o vinho, podemos ter o queijo, podemos ter uma série de outras coisas.

Enfim, há outras formas possíveis mas penso que isto dá uma noção. Isto é uma lógica de desenvolvimento completamente diferente de apostarmos em empreendimentos megalómanos estilo Alqueva.

 
Dep. Carlos Coelho
Muito bem, e cabe-me agradecer ao Prof. Dr. Joanaz de Melo a excelente intervenção e as respostas que nos deu, nós vamos agora acompanhar o nosso convidado à saída como é costume.

Peço ao Duarte Marques para vir aqui conduzir o processo de votações com a Zita e depois voltarei aqui para dois anúncios de última hora que vos quero fazer.

Muito obrigado Prof. Joanaz de Melo.

(APLAUSOS)

 

Zita: - Têm os votos preparados?

 

Duarte Marques: - Meus amigos, vamos votar?

 

Votação

 

Dep. Carlos Coelho: - Bem algumas informações breves. Primeira informação, uma das personalidades a quem pedimos para responder a perguntas à distância é o Presidente da Comissão Europeia, o Dr. Durão Barroso, que acedeu a faze-lo, mas tem uma agenda internacional complicada e portanto vamos ter que lhe enviar as perguntas esta noite. Daqui que vocês vão ficar sobrecarregados com pedidos de pergunta, mas isto não é obrigatório, é só para quem o desejar. Quem desejar fazer perguntas ao Dr. Durão Barroso vai ter à saída, quando votar, um impresso de perguntas que deverá entregar até à hora do jantar. Nós durante a hora do jantar temos que remeter para Bruxelas. Naturalmente que o JUV amanhã não vai reproduzir todas estas perguntas, portanto, vamos escalonar, mas é a única forma, senão perdemos a oportunidade de interpelar o Presidente da Comissão Europeia.

Segunda questão, à saída, para efeito de votos, vamos ter três urnas, a de cá é de A a I; a do meio, é de J a N; e a terceira é de P a Z. Assim vocês já se podem encaminhar para a respectivas mesas de voto.

Terceiro e último, vamos agora suspender os trabalhos, vocês lá em cima no primeiro andar há umas bebidas e uns biscoitos. Às 17h30 começam os vossos trabalhos de grupo. Às 19h30 devem terminar, para que às 20h00 estejam todos no jantar com a Dra. Leonor Beleza.

Não se esqueçam de entregar até ao início do jantar, o ideal é entregar aos vossos conselheiros as perguntas para o Dr. Durão Barroso, aqueles que o desejarem fazer.

Muito obrigado e até já.