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14.30 - Assembleia (simulação)
20.00 - Jantar-Conferência com o Dr Vasco Graça Moura
31-08-2007
Os 10 mandamentos em Democracia
 
Prof.Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Bom, já sei que tem corrido muitíssimo bem, que foi um bom debate que tiveram há pouco, tiveram um diálogo maduro óptimo, e tiveram uma das minhas personagens favoritas, a Leonor Beleza. É uma das mágoas da minha vida nunca ter namorado com ela, mas namorei com a irmã que foi a aproximação. (Risos)

Era a irmã, estava a seguir! E foi minha colega e somos amigos desde os dezasseis anos de idade e eu acho que há muita gente que podia ter sido líder do partido e Primeiro-Ministro e não foi. Acontece. Mas é imperdoável que ela não tenha sido. Eu acho que devia ter sido ela a suceder (não calhou…) a Cavaco Silva. Também não sei se tinha tido grande sorte porque quem sucedesse a Cavaco Silva… Como sabem as grandes figuras depois desertificam durante uma década ou duas, mas o que é facto é que é uma mágoa, porque é uma figura notável como certamente perceberam, notável. Isso não aconteceu e ainda bem porque ela está entusiasmada com o projecto que tem entre mãos. Ela quando se entusiasma por um projecto, como se entusiasmava quando fazia política, é excepcional, e vai fazer daquilo uma grande obra como foi na sua época e ainda hoje é um pouco a Gulbenkian, mas noutro plano e num domínio muito específico.

Bom dito isto, o Carlos Coelho, talvez por ser período pré-eleitoral, deu-me o tema mais chato do mundo, portanto para não haver o risco de eu dizer coisas inconvenientes, (Risos) nem tomar partido, ele disse-me “O que é que há-de falar que não seja o sexo dos anjos mas parecido com isso?” Então deu-me os dez mandamentos da democracia. Que é daqueles temas de pontapé na nuca, que eu gosto imenso porque falo disso aos meus alunos enquanto professor. Eu vou tentar sintetizar em vinte e cinco minutos o que tenho a dizer sobre isso, é um tema muito aberto, cabe cá tudo, a propósito deste tema os vários grupos, continuam a ter grupo laranja, vermelho, violeta? Violeta não têm! Têm roxo, pronto é parecido!

O que é facto é que depois perguntarão o que quiserem, podem ainda reajustar as perguntas em função disso. À procura de dez porque ele deu-me dez, os dez, e depois escolhi as palavras uma a uma, portanto isto aqui é escrito com muito rigor científico.

E o primeiro mandamento diz assim: “Acima de tudo, respeitar a pessoa concreta na sua dignidade e diferença”. Para mim este é o primeiro grande mandamento da Democracia, está acima dos outros todos. Está acima dos outros todos porquê? Porque a Democracia é personalista, personalista quer dizer, respeita a pessoa humana,  e mesmo quando respeita a Natureza, respeita outros seres que não a pessoa humana, respeita-os de uma óptica humanista, personalista,  centrada na pessoa humana.

Mas não é qualquer pessoa, é a pessoa concreta, porque respeitar a pessoa em abstracto é a coisa mais fácil do mundo. Eu respeito as pessoas todas e amo pessoas de todo o mundo, a chatice é amar o meu vizinho, a chatice é amar o meu colega de partido, a chatice é amar o meu colega de profissão, isto é;  respeitá-lo, e tratá-lo em termos de… o respeitar a pessoa concreta é a coisa mais difícil do mundo, porque as pessoas são diferentes, e implica respeitar a diferença, e nós somos sempre muito egoístas, na política como na economia, como na sociedade, como na cultura.

E portanto, este é o primeiro grande mandamento, respeitar a pessoa concreta, o que significa milhares de pessoas, com as quais nos cruzamos, todos os dias, ao longo de dias, ao longo de meses, ao longo do ano, na sua dignidade, há uma dignidade da pessoa que é posta em causa permanentemente, e tem que ser afirmada permanentemente. Dirão, mas em Democracia é menos posta em causa que em tempo de Ditadura, é verdade, mas é posta em causa mesmo em democracia. Às vezes na televisão quando se vai longe demais, por exemplo para efeitos de sensacionalismo na cobertura de mortes ao mostrar, ultrapassando os limites da intimidade, da privacidade, a mostrar o cadáver, ou mostrar certas reacções em função de determinados dramas, isto acontece todos os dias, e depois na sua diferença, porque somos diferentes, temos de aceitar essa diferença. Não somos iguais.

Este é para mim o primeiro mandamento.

Tudo o resto é muito importante mas é uma decorrência deste.

Segundo mandamento: “Promover uma cultura de vida”.

Nós vivemos um tempo de cultura de morte, vivemos um pouco em todo o mundo, mas sobretudo na Europa porque a Europa está um continente velho, sobretudo a Velha Europa.

E portanto, dentro da Europa, a Europa mais velha, mais antiga, menos nova, e se não estamos num continente mais velho graças a Deus tem havido as imigrações, nós devemos isso aos imigrantes, têm uma taxa de natalidade mais elevada e trazem contributos culturais e civilizacionais que renovam a Europa, a Europa que eu conheci, que sou mais velhinho, há trinta anos ou quarenta anos, é muito diferente da Europa de hoje.

Era menos multicultural, multiétnica, multilinguís- tica, multireligiosa, multi tudo.

Ora bom, a cultura de vida é muito importante porquê? Porque, da minha óptica, as civilizações como as culturas, quando perdem o apelo da vida, e o dinamismo da vida e da juventude, e da projecção da vida, na fase áurea dessa vida, tendem para um declínio, e esse declínio que é o envelhecimento. Há bocado dizia, que o meu hobby é a natação e é verdade, o envelhecimento é que eu nadava duas horas, agora nado trinta e cinco minutos, ou quarenta minutos, e canso-me tanto quanto me cansava há vinte anos quando nadava duas horas.

A cultura de vida é uma cultura que passa obviamente pelo combate da pena de morte, da prisão perpétua, das formas de sacrifício da vida, às vezes as mais disfarçadas que existem, mas é um problema sobretudo de mensagem. Mas dir-me-ão, mas ele dizendo isso não está a dizer uma coisa mais ou menos moralista ou religiosa que tem a ver com os abortos, tem a ver com eutanásias e tem a ver com isso? Sim, e não, quer dizer, sim no sentido de que é evidente isso significa que também quando se está a legislar sobre o aborto, a eutanásia, e outras realidades, não se pode ignorar a presença da vida, e na ponderação, um dos valores em presença é a vida ou duas vidas, pode ser mais do que uma vida, mas tem de haver ponderação da vida como na eutanásia, como ao longo da vida permanentemente.

E pode chegar-se à conclusão de que há ponderações que levem a justificar ou a desculpabilizar determinadas condutas da vida de sacrifício em função de outros valores, mas tem de haver uma ponderação de valores, não pode ser porque sim.

Mas não é apenas dessa óptima muito restrita que é o debate na moda, ou mais da moda em Portugal nos últimos tempos, é a vida em termos gerais. A Democracia distingue-se da Ditadura porque para a Ditadura é indiferente vida ou morte. Recorre-se à morte se for necessário, para eliminar os adversários, para eliminar os detractores, a morte é um instrumento como outro de exercício do poder. Não pode ser assim em Democracia.

Terceiro ponto: “ Garantir os direitos pessoais”.

Garantir os direitos pessoais, há vários tipos de direitos das pessoas, os mais importantes deles, ou pelo menos os mais próximos do núcleo fundamental de pessoa são aqueles que são classificados normalmente direitos pessoais, não é só o direito à vida, é o direito à integridade física, o direito à integridade intelectual, as liberdades fundamentais de afirmação da pessoa, sem as quais a pessoa não pode sequer lutar pela salvaguarda da sua dignidade, e suscitar o respeito dos outros, exercitar a sua diferença.

É evidente que hoje a separação de direitos é muito complicada, e eu não quero dar-vos uma aula de direito, portanto o mesmo direito é simultaneamente pessoal, económico-social e político. Tem as três componentes.

Agora, é evidente que o erro maior, a meu ver, das chamadas democracias populares, que não eram democracias, foi o de em função da evocação dos direitos económicos e sociais, sacrificarem à partida, radicalmente os direitos pessoais. Também sacrificavam os políticos, mas à partida os direitos pessoais. A pretexto de que para construir a igualdade é preciso reduzir a liberdade básica, sacrificamos a afirmação da esfera própria dos direitos pessoais de cada qual. É um erro. Erro também o de algumas visões funcionalistas, que dizem, o fundamental é a participação política, são os direitos políticos. E portanto os direitos pessoais são apesar de tudo sacrificáveis desde que salvaguarde os direitos políticos. Erro! Não há direitos políticos que resistam numa sociedade em que não há direitos pessoais. Se não há direito de liberdade de expressão como é que pode haver liberdade de expressão na praça pública? Se não há liberdade de afirmação mínima como é que pode haver liberdade de afirmação ideológica ou política ou participativa?

 Quarto: “Cultivar o pluralismo das ideias e das organizações políticas e partidárias”.

Aqui estamos a dar o passo da componente pessoal para a componente político-participativa. Cultivar, note bem que não é permitir, é cultivar, a Democracia implica além…, eu esqueci-me de dizer na anterior o seguinte é que não é afirmar os direitos pessoais, é de garanti-los, há uma diferença muito grande entre garanti-los, garantir e afirmar, afirmar é estar na Constituição ou nas Leis, garantir é ter mecanismos de defesa. Mecanismos são os tribunais, mecanismos são formas de sanção, de punição da violação, bem aqui é cultivar o pluralismo, a Democracia implica cultivar, é assim um exemplo um bocadinho estafado, roça mesmo o ridículo, mas do mesmo modo que se regam as plantas para não morrerem, também se deve regar a democracia, e isso passa por cultivar o pluralismo das ideias, e das organizações políticas e partidárias, vejam que eu faço a diferença.

É o pluralismo ideológico das ideias, deve haver, não se deve ter medo, não há uma ideologia certa, uma ideologia liderante, dominante, correcta, não, todas devem ser legitimamente aceites, dir-me-ão, mesmo as que querem destruir a democracia. Na democracia mais completa (não há democracias perfeitas) mas a menos imperfeita, tem cabimento. Porque ela tem força suficiente para comportar no quadro do seu debate, essas ideias. Isto foi um grande debate que houve no fim da Segunda Guerra, por exemplo, na Alemanha, se os partidos fascistas e comunistas deviam ser proibidos, e durante um tempo foram proibidos. Noutras democracias os fascistas foram proibidos durante muito tempo e em Portugal ainda hoje organizações de inspiração fascista são proibidas. Eu devo dizer que votei isso, no quadro da Constituinte, porque entendia que naquela fase da construção da democracia, era importante ficar marcada a diferença em relação ao passado.

Agora é evidente que uma democracia adulta comporta ter dentro de si até defensores de ideias da destruição da democracia porque os democratas têm capacidade de explicar a insanidade dessas ideias.

E aliás o que é proibido pela Constituição não é haver quem defenda a ideologia fascista, é haver organizações que perfilhem na sua actuação, nem é só nos princípios, métodos próprios de determinado tipo de comportamento.

E ao lado do pluralismo das ideias, o pluralismo das organizações. Pois se em função de uma ideia se quer fazer uma organização, seja associação política, seja movimento cívico, seja partido, deve fazê-lo. E os partidos são essenciais à democracia. Por isso eu distinguia entre organizações políticas e partidárias. De vez em quando nós temos uma moda populista que é dizer mal dos partidos, e é evidente que os partidos prestam-se a isso, prestam-se a isso às vezes, fazem muita asneira, porque se esquecem que os militantes dos partidos todos somados são uma percentagem insignificante do conjunto dos cidadãos portugueses. Os maiores partidos têm cento e vinte, cento e trinta, cento e quarenta mil, quer dizer têm dois estádios de futebol cheios, estão lá todos os do partido. É curto! O país é mais do que dois estádios de futebol, três, quatro ou cinco.

Bom, portanto, os partidos devem ter humildade de perceber que estão ao serviço do país, e não o país ao serviço dos partidos. E que têm uma dimensão que é uma dimensão necessariamente limitada, e portanto há muitas vezes que a arrogância, a ilusão, o deslumbramento, a subversão da hierarquia dos valores. Há aquela frase que toda a gente cita e é verdadeira do Francisco Sá Carneiro, que acima da social democracia há a democracia, e que acima da democracia há Portugal, mas é isso mesmo.

Bom, agora sem partidos não há democracia.

Embora os partidos não esgotem a democracia. E por isso eu falar em organizações políticas, e organizações partidárias.

Quinto: “Afirmar o sufrágio universal, secreto e verdadeiro, bem como a sua projecção na divisão de poderes”.

Isto deu um trabalhão enorme a chegar a isto, porque para meter em dez tive de condensar várias coisas.

Afirmar o sufrágio universal, afirmar novamente quer dizer? Afirmar quer dizer praticá-lo, dar-lhe força, sufrágio universal quer dizer que todos devem votar, não é monopólio de grupos, de sectores. Secreto, deve ser secreto, de facto. Longe vai o tempo em que havia partidos que reivindicavam a democracia e que usavam em decisões em que o sufrágio devia ser secreto, como seja na escolha de pessoas o sufrágio público. E verdadeiro. Este verdadeiro é que é o mais complicado. Verdadeiro passa pela transparência no sufrágio, e aqui passa pela transparência, nomeadamente das finanças políticas, das finanças eleitorais, das finanças partidárias, passa pela transparência dos métodos, passa pela transparência das regras, das práticas, pelo seu controlo, para que as pessoas acreditem nesse sufrágio, não é apenas um sufrágio universal e secreto, é um sufrágio verdadeiro. Mas não basta isto, é preciso que o sufrágio depois influencie, se projecte na divisão de poderes, só há democracia onde há divisão de poderes. Onde há um só órgão, uma pessoa ou um conjunto de pessoas que concentram as várias actividades do Estado, as várias funções do Estado, não há democracia, há ditadura. Não há democracia, há ditadura.

E é isso que explica a divisão de poderes várias coisas, é isso que explica por um lado que haja órgãos como os parlamentos que têm uma determinada vocação, outros como o Governo que têm outra vocação, haja Chefes de Estado que têm outra vocação, que haja tribunais que têm outra vocação, e que haja uma divisão por controlo recíproco ou controlo de uns sobre outros, ou divisão de tarefas entre uns e outros, ou reserva de certas funções mais importantes para uns e não para outros. Isto é muito importante.

Mas é também muito importante que esta divisão se faça a outros níveis, nos Estados Federais faz-se na divisão de poderes entre a Federação e os Estados, nos Estados Regionais, entre o Estado e as Regiões Autónomas, no quadro, mais ou menos descentralizador, mesmo no Estado unitário entre o Estado e as autarquias locais, que têm poderes descentralizados, também é uma forma de divisão de poderes, também enriquece a Democracia, também permite várias vivências da Democracia.

Sexto mandamento: “Impedir que as desigualdades esvaziem ou subvertam os direitos, o pluralismo e o sufrágio.”

E aqui entra a componente de direitos económicos sociais e culturais. Quer dizer, de nada serve haver direitos pessoais, de nada serve haver direitos de participação política, ou direitos políticos, se as desigualdades existentes forem de tal maneira que de facto os mais pobres não podem exercer os seus direitos pessoais ou os seus direitos políticos, ou exercem-nos de uma forma dependente, de uma forma limitada, de uma forma cerceada, e por isso é que a igualdade entra aqui, igualdade inevitavelmente ligada à justiça social, entra aqui pela preocupação de não haver por essa via, pela via da educação, pela via da cultura cívica, pela via do acesso à saúde, pela via do estatuto económico e financeiro, pela via do acesso à segurança social, um esvaziamento dos direitos pessoais e políticos, uma subversão desses direitos.

Quer desses direitos quer obviamente do pluralismo quer do próprio sufrágio.

Sétimo: “Incentivar a participação orgânica e inorgânica das pessoas e suas instituições.”

E vocês dir-me-ão, mas isto é um bocadinho a repetição do quarto, não é exactamente, o quarto era; cultivar o pluralismo das ideias, o pluralismo da organização política e partidária. Aqui, tem a ver com isso, todos têm a ver com todos, mas aqui é ir mais longe, um dos problemas das democracias contemporâneas, porque às vezes elas se satisfazem, ou dentro delas muitos se satisfazem com a mínima participação possível, acham que é inevitável, e que a abstenção pode ir subindo, e que fora dos períodos eleitorais não é fundamental que as pessoas se sintam mobilizadas para participarem, e aqui entra a participação orgânica e inorgânica. Quando as organizações representativas dos trabalhadores intervêm em matéria de legislação laboral é orgânica, quando as associações de estudantes, as associações de professores intervêm ou devem intervir em matéria de legislação e educação é orgânica, quando entidades que têm a ver com determinado tipo de sectores, ou tarefas ou funções intervêm, em democracia participativa é uma participação orgânica.

Mas depois quando uma ONG, quando um movimento cívico, quando grupos de cidadãos, quando, o que tem vindo a perder força como grupos ou organizações de moradores, querem ter uma palavra a dizer, sobre realidades que lhe são próprias, em termos de proximidade democrática, pois aí temos uma participação que é uma participação inorgânica. E esta participação tem vindo a subir nos últimos tempos. Há cada vez mais gente que por lá pára, e que não pára nos partidos, e os partidos não podem ignorar esta participação.

Pelo contrário, é uma das funções dos partidos apoiarem, serem sensíveis, já não digo enquadrarem, essas formas de participação. Porque elas estão aí, vão ter uma importância crescente. Quanto mais porosos forem os partidos, porosos no sentido de mais abertos, para deixar entrar, isso que são manifestações do quadro da chamada sociedade civil, mais eles têm capacidade de adaptação e de sucesso.

Um exemplo, no caso português. O PRD apareceu porque havia notoriamente uma insatisfação em relação aos dois maiores partidos, o PS e o PSD, que estavam em coligação num bloco central, em que por força dessa coligação de emergência nacional num período de crise económica e financeira, aquilo parecia o Dupond & Dupond, quer dizer, realmente não eram, porque depois havia felizmente sensibilidades diferentes entre eles, mas tinham que parecer, tinham que fazer uma coisa, e isso deixou muita gente fora do âmbito, do raio de alcance desses dois partidos. E o PRD apareceu no fundo para ser um partido anti-partidos, não foi partido anti-PSD e anti-PS tal como eles eram.

O primeiro desses partidos a perceber a mensagem foi o PSD, percebeu o que o PRD queria dizer, não naquilo que era, mas no que queria dizer, o que era, era pouca coisa e por isso durou muito pouco tempo. Mas o que queria dizer por trás disso, porque é que tanta gente, para além de ter Eanes que era o presidente, para além de ter a mulher de Eanes que, para além de ter isto aquilo…, quais as insatisfações que estavam subjacentes. E o primeiro a reajustar-se a esse, no seu discurso, e na sua actividade, dessas insatisfações e a percebê-las, foi o PSD.

Como o PSD, há muito tempo, foi o primeiro partido a perceber a mensagem ambiental, a mensagem ambiental era de minorias, era o Gonçalo Ribeiro Telles, era o PPM, eram alguns sectores que estavam na margem de sistema de partidos.

Foi o PSD e o PC, o PC percebeu à sua maneira, o PC pôs a mão toma, faz-se os Verdes porque isto vai dar, toma-se conta dos Verdes, mas percebeu que era preciso fazer os Verdes e tomar conta do dossier. O PS não percebeu durante muito tempo. Apesar de Ribeiro Telles ter sido governante em governos do PS, não percebeu. O PSD percebeu!

Houve gente, o Carlos Pimenta foi um deles,  o Carlos Coelho acompanhou bem isso, perceberam, não foi aqui um problema de oportunismo, foi por sensibilidade, de vocação, assumiram isso como objectivo fundamental, mas o partido podia não ter assumido, e o partido assumiu, cobriu essa parada, num determinado quadro. Provavelmente está agora a precisar de assumir e cobrir outra vez, já numa geração ambiental diferente.

Bom, oitavo: “ Juridificar os poderes de facto”.

Esta é muito sofisticada. Deu-me um trabalhão enorme para escrever isto.

Juridificar os poderes de facto, assegurando que o poder político não seja dominado ou esvaziado por esses poderes. O que é que isto quer dizer?

Isto quer dizer nomeadamente os poderes económicos e sociais.

As democracias contemporâneas, são democracias num mundo aberto, com globalização, e onde as multinacionais têm um peso crescente, portanto é uma ilusão pensar que se está perante empresas, embora as PME’s, ainda sejam 80, 85% do tecido nacional, não há dúvida que os outros 15 ou 20% ou 12% são já grandes empresas.

E tenderão rapidamente a ser empresas multinacionais.

E isto lá fora ainda é muito mais do que em Portugal. E está a ser galopantemente.

Estes novos poderes económicos e sociais têm muito poder! Ora uma das essências da democracia é que o poder económico e social está subordinado ao poder político. Não manda no poder político, não pode, porque senão subverte, não serve de nada o sufrágio. As pessoas votam uma coisa, depois de um debate plural, com organizações representativas,  e depois pela porta do cavalo, o grupo A, B ou C, chegam aos governantes e dizem, não é nada disso, desculpe, vai ser aquilo, ah! mas eles votaram isto, mas não interessa vai ser aquilo. Lá se vai a essência da democracia. Ora isto é um problema novo porquê? Porque estes poderes económicos e sociais não estão previstos na Constituição enquanto poderes. A Constituição, se forem lá ver, tem como órgãos de poder, realmente o Presidente da República, no caso português, a Assembleia da República, o Governo, os tribunais, depois os órgãos regionais, as autarquias locais com os seus órgãos, não estão lá as confederações patronais, expressamente, como forma de poder, muito menos estão mais do que as confederações patronais, muito menos estão grupos de empresa, grupos multinacionais, não estão lá previstos, decorre da organização económica.

Quanto mais se trouxer para o direito, essa realidade que é de facto, quanto mais isso tiver expressão, por isso é que é bom haver confederações laborais, patronais fortes, saber-se quem são os parceiros económicos e sociais, haver conselhos de concertação económico e social, haver conselhos económicos e sociais que debatam os planos e as opções e a legislação fundamental, mas isso é transparente, sabe-se que essa é a posição do patronato ou de um sector do patronato naquele quadro, naquele domínio, ou das confederações laborais, mas é evidente que as confederações laborais por muito peso que tenham têm um peso inferior a esse peso, nomeadamente as multinacionais. Isto significa, quanto mais houver a juridificação, quer dizer o tratamento jurídico trazer a claro o enquadramento no direito, o enquadramento no direito não é pela opção do direito, é porque sabe-se do que se trata, e tenta-se evitar que seja um poder de facto, só de facto, que se exerce de uma forma oculta, de uma forma oculta não controlável do exercício do poder.

Nono: “ Salvaguardar a independência dos tribunais e o seu papel, no controlo da constitucionalidade e da legalidade”.

Salvaguardar a independência dos tribunais e o seu papel no controlo da constitucionalidade e da legalidade.

Ora bom, não há democracia nem Estado de direito democrático se não houver tribunais fortes, e portanto não é apenas a Constituição dizer que há tribunais e há tribunais fortes é preciso salvaguardar e criar condições para que isso de facto suceda.

É uma maçada para os governantes! É! É uma maçada para o Ministro ver o seu despacho anulado por tribunal. Depois abre-se um concurso para professor titular e depois vem dizer-se que toma-se uma decisão na co-incineração e depois vem o tribunal dizer que não é nada disso porque é ilegal, é uma chatice, atrasa meses, atrasa anos, de um ponto de vista estritamente tecnocrático ou burocrático, apetece mandar à fava os tribunais, é o que pensam os governantes todos, mas pensam mal.

Pensam mal porque onde não há regras de jogo claras não há democracia, e haver regras de jogo claras são a Constituição e as leis.

Pode-se debater se a lei deve ser A, B, C ou D, mas se é A, não é B, se é B é B, não é C, não é a lei ser uma e depois propriamente actuar como se fosse outra, logo é evidente que há modas, e uma das modas hoje é dizer mal dos tribunais. Também é verdade que numa parte com razão, porque eles são lentos, funcionam mal, e numa parte por culpa dos próprios, mas noutra parte por culpa de quem não dá meios para que funcionem melhor. E portanto é o cúmulo de ironia às vezes na classe política encontrarmos críticas aos tribunais quando a classe política não lhes dá meios para eles funcionarem melhor. Não dá mais juízes, não dá melhores instalações, não dá mais funcionários judiciais, não informatizam os tribunais que até há bem pouco tempo estavam por informatizar, anda-se ainda em processos de método pré-histórico, cosidos, à procura de uma peça. Isto nesta idade é uma coisa inconcebível. Perde-se o processo do tribunal tal para o tribunal tal, mas como é que isso não está informatizado? Como é que não há comunicação electrónica? Não é possível notificar porque não há notificações electrónicas e tal… bom, só para terem uma noção, ainda hoje vigora um Código de Procedimento Administrativo sobre a actuação da administração pública que vai ser finalmente revista, essa em particular, em que não se prevê o uso de tudo o é electrónica, em actos da administração pública, relevância dos seus efeitos, procedimento administrativo, não está lá, não está previsto, porquê? Porque foi feito em 1992, e depois revisto em 1996, e em 1992, de facto, em Portugal ainda se estava no começo dessa idade. Mas estamos em 2007, quinze anos depois.

Bom, portanto, tribunais fortes significa magistrados com condições de independência, e magistrados quer dizer juízes, com condições de independência. O que significa Ministério Público não independente mas autónomo, que é uma coisa diferente, o Ministério Público não deve ser independente mas deve ser autónomo, porque a posição do juiz é uma posição que é mais importante do que a posição do Ministério Público, embora a do Ministério Público também seja importante,

E controlo efectivo do respeito da Constituição e do respeito da Lei que vai em cada momento vigorar.

Finalmente, décimo, este teve que ser muito geral para meter muita coisa, teve que ser assim; “Ter a Humildade de saber enfrentar os desafios temporais e espaciais infra e supra estaduais, com o espírito de constante revisão e recomeço.”

Bom, é ter humildade, a democracia distingue-se da ditadura porque a ditadura é pesporrente e a democracia deve ser humilde. E quando nós encontramos um democrata arrogante é porque é pouco democrata.

O democrata por definição não pode ser arrogante porque erra, porque pode não ter razão, porque pode achar que tem toda a razão mas o povo não lhe dá razão, por dez mil razões, tem que ter a humildade de aceitar, eu sou o melhor, vou a eleições perco, não sou o melhor afinal, sou para mim, para a minha família, mas afinal para o povo não sou o melhor. Ou para o partido ou para a distrital ou para o que seja, bom, não sou, o que é que havemos de fazer?

Mas a humildade é outra, é de enfrentar os desafios, o tempo. Estamos a viver um tempo hiper acelerado. Todos os anos na primeira aula digo aos meus alunos, (e aqui algumas vezes tenho repetido o seguinte) quando eu estava na posição deles, no início da universidade, eu estava a ser formado para ter uma só profissão ao longo da vida, no sítio onde tinha as minhas raízes e onde tinha a minha família, isso acabou. No futuro vai-se ser formado para se ter dez actividades, doze, treze, as que forem, ao longo da vida, nem nós sabemos quais, correndo o país ou correndo o mundo.

E a capacidade de realização pessoal é tanto maior quanto a nossa capacidade de adaptação, a constante vai ser a mudança.

Para o que temos de dispor de alguns instrumentos básicos, que é saber resolver problemas, que é não só pensar, mas pensar emotivamente e decidir, saber exprimir, e saber localizar no tempo e no espaço. E depois, ter valores de referência, que variam de pessoa para pessoa mas ter valores, ter um padrão, isto é bom ou mau? Eu atropelo este tipo ou não atropelo? Eu faço isto aqui ou não faço? Tem que se ter padrões de comportamento, porque já vimos que os padrões que eu acho que definem a democracia devem ser personalistas portanto não atropelo. Ou não atropela a dignidade!

O que acontece é que estes desafios de tempo fazem com que as formas democráticas estejam a mudar a um ritmo assustador, brutal, e as máquinas dos partidos são muito lentas a perceberem isso. Mudam muito lentamente. E então aqui é uma dupla mudança, a mudança dos desafios no tempo, os desafios que se colocam hoje são completamente diferentes aos desafios que se colocavam nos anos 90, 80, 70.

E os do espaço, uma coisa era fazer uma democracia para Portugal, quando não havia solicitações, por exemplo, ao nível das autarquias locais para maior descentralização, (que hoje há), e não havia solicitações a nível europeu para maior integração europeia (que hoje há e que não havia nos anos 70 em Portugal pelo menos), e para maior integração transcontinental, em domínios cada vez mais importantes, dos direitos humanos ao comércio, aos problemas económico-financeiros. Uma crise começa ali repercute-se no mesmo dia acolá, vejam agora a crise do crédito hipotecário norte-americano, o que ela fez durante três semanas às bolsas de todo o mundo, e era um problema essencialmente americano, na Europa o mais parecido que havia com isso era a Espanha. E no entanto mesmo os mercados mais pacíficos, onde os bancos eram mais cuidados em matéria de crédito hipotecário e tal, sofreram. Porque a repercussão é instantânea.

A democracia e os democratas tem de ter espírito de constante revisão e recomeço. É preciso rever as formas.

Ora, a nossa natureza, sobretudo à medida que envelhecemos é contrária a isso: “então isto já funciona”. Já funciona, mas é preciso rever.

Para vocês isto é quase incompreensível, mas vivam mais vinte anos ou vinte e cinco anos e começarão a compreender como há uma inércia de não querer mudar, mesmo quando é preciso mudar. E começar de novo, vamos começar de novo? Não faz sentido? Faz sentido! Os problemas são novos, ou colocam-se de forma diferente.

Só mais uma nota, antes de passarmos para as vossas questões, tudo isto vale na minha opinião para a democracia em geral, e para os democratas em geral.

Agora se olharmos para a social democracia, e para os sociais democratas, dirão, o que é que eles têm de especial? Nomeadamente no nosso partido, este respeito da pessoa concreta, o nosso partido aí tem grandes responsabilidades, porque foi um partido muito empático, uma das forças do nosso partido foi desde o início ter nascido de forma diferente conforme os meios onde nascia. O partido nasceu em Trás-os-Montes diferente do que era na Madeira ou nos Açores, porque eram núcleos diferentes, não nasceu de cima para baixo, nasceu de baixo para cima.

Apesar de teoricamente ser um grupo liderado pelo Francisco Sá Carneiro, a partir de certa altura a História real não é bem essa, é de que até ao Francisco Sá Carneiro mandar nele e ser aceite como líder foi muito difícil, foram muitos anos, praticamente só foi reconhecido como líder incontestado um ano e tal antes da morte. Porquê? Porque a diversidade era muito grande, pelo respeito das comunidades das pessoas que eram diferentes. As linguagens dos discursos, ainda hoje é uma coisa que as pessoas não percebem, é que o discurso, e já passaram trinta anos, do nosso partido é diferente conforme as áreas geográficas da vivência partidária. Isso é natural! Já se esbateu imenso, era mais claro nos anos 70, nos anos 80 ou nos anos 90.

Depois, a cultura de vida, temos uma obrigação específica, nomeadamente a política internacional, mas também na política interna de combate pela vida.

Como pelos direitos pessoais, é isso que nos distingue por exemplo de partidos que tradicionalmente ligam mais aos direitos económicos, sociais, culturais, aos direitos políticos ou aos direitos pessoais. Não ligam muito! E nós somos sensíveis a isso, às vezes até, dir-se-á, de uma forma transversal que é chocante para uma parte mais conservadora do nosso eleitorado. Porque realmente somos sensíveis na diferença à definição dos direitos pessoais, mas somos.

Pluralismo. Bom o pluralismo, o PSD tem uma tradição de respeito do pluralismo associativo, e do pluralismo partidário, e de luta pelo pluralismo. Que foi um partido de que início era suposto não existir.

Porque nem era democrata cristão, nem era socialista, não pertencia a nenhuma das Internacionais. Não entrava no baralho, estes tipos são uns tipos esquisitos que vão morrer, e alguns dos melhores analistas portugueses escreveram isso mesmo, eles dizem que não mas está escrito que realmente, que não durava muito tempo. Durou! Durou porque uma coisa são os teóricos da bola e depois a bola a correr no relvado. A bola a correr no relvado corria de acordo com uma realidade que era a realidade que o partido sabia interpretar, em termos de pluralismo.

Luta pelo sufrágio e a veracidade do sufrágio. Estivemos sempre na primeira linha, e às vezes eu acho até uma certa ironia, porque de vez em quando aparecem uns casos que caem em cima de nós, e é uma ironia porque por acaso nunca caem em cima dos outros, mas quem lutou pela mudança da legislação, e mudou a nível de Constituição, lutou para que fosse adoptando formas cada vez mais de maior transparência, foi o PSD.

Eu lembro-me, só para dar um exemplo, quando era líder (e o actual líder acompanhou isso muito bem, porque era líder parlamentar e acompanhou o processo de Revisão Constitucional) a dificuldade que era convencer o PS a aprovar uma lei de financiamento partidário, a aprovar mudanças na Constituição para uma maior transparência, dentro da ideia de dar força ao sufrágio.

Depois, o que nos distingue dos partidos conservadores e dos partidos de direita típicos, clássicos, a sensibilidade à importância dos direitos económicos, sociais e culturais, e como isso faz a diferença na vivência da democracia.

Para eles não é fundamental, nem importante, para nós é fundamental, é essencial! Quando nos chamamos sociais democratas isso tem a ver com essa componente que é fundamental.

Dir-me-ão; Ah, mas também os socialistas e os comunistas! De uma maneira diferente! Porque comunistas e socialistas vêem essa questão, mais os comunistas que os socialistas, porque os socialistas claro têm vindo progressivamente a aproximar-se daquilo que tem sido o nosso padrão de comportamento.

Nós definimos uma via social democrata, eles auto-gestionários, jugoslavos e tal, e agora se podem copiar tudo aquilo que andámos a dizer ao longo do tempo, copiam. O sonho de Sócrates era ser um Cavaco em pequenino! Era! É exactamente! (Risos)

Neste sentido, no estilo, no comportamento, nas mensagens, no discurso, mas é!

À PS, isto é, sempre com quinze anos de atraso!

Eles vêem sempre mais tarde!  Nós vimos mais cedo, eles vêem a seguir.

Mas já é muito bom para o que tem sido a visão tradicional do PS, normalmente viam com vinte cinco anos de atraso ou vinte anos de atraso, portanto estão a recuperar.

O que não é bom para nós, aumenta o desafio para nós, bem entendido.

Agora, isto para dizer que eles viam tradicionalmente a questão das desigualdades de uma forma rígida, de uma forma fixista, de uma forma teórica, abstracta,

E nós vemos em concreto como é que de uma maneira reformista se constrói os direitos económicos, sociais e culturais para darem força aos direitos pessoais e aos direitos políticos. Sem os esmagarem, para potenciar uns e outros.

O PSD desde muito cedo percebeu a importância das participações populares e dos movimentos, quem é que lutou, contra nós próprios, quem é que lutou pelas candidaturas independentes nas autarquias locais, nós. Com toda a gente contra. Diziam, mas não é possível! Não é possível tapar o sol com a peneira isto vai ter de ser!

Foi proposto uma vez, duas vezes, três vezes, até que finalmente foi possível rever a Constituição.

Quem é que desde sempre está atendo, de facto, à afirmação do poder político sobre o poder económico e social? O PSD! Era a grande queixa no tempo do Cavaco, a grande queixa no tempo do Cavaco, a começar nos próprios empresários e capitalistas “Ele lá tem a mania que realmente o poder político se sobrepõe ao poder económico”. Pois é, não é mania, vem na Constituição, portanto faz parte da lógica, que ainda por cima é a nossa lógica programática desde sempre. Quem é que continua a lutar pela independência dos tribunais e pelo controlo dos órgãos do poder político?

Nós! E o PS torce-se todo! O PS passou do extremo que é querer a independência do Ministério Público a querer dominar o Ministério Público. Passou das proclamações teóricas do seu programa inicial para ter medo dos tribunais. Alergia aos tribunais! O que é um contra senso democrático. E por aí adiante, e mesmo no plano europeu, isso já falaram à saciedade.

Foi Francisco Sá Carneiro o primeiro político português a ir a Bruxelas dizer que era inevitável uma integração europeia de Portugal. No tempo em que ainda se estava a discutir se não havia uma via chilena, o Chile não, ainda não, na altura era peruana, tunisina, magrebina, isto é, terceiro mundista e outras coisas assim.

Portanto, isto para dizer que no quadro destes mandamentos democráticos nós temos principal responsabilidade, qualquer que seja o resultado final do Programa que está a ser feito.

E a minha modesta opinião é que quanto mais curto melhor! Já agora convém ter um Programa que finalmente as pessoas consigam compreender e conhecer. Eu estive no congresso em que foi votado o primeiro Programa do Partido, por sinal com grande fúria do Alfredo Sousa, eu era muito esquerdista naquela altura, mas era útil ao Francisco Sá Carneiro que me chamou, a certa altura, (eu conto muitas vezes essa história) as pessoas queriam nacionalizar tudo e portanto queriam nacionalizar os barbeiros, os cafés, os cabeleireiros, o nosso partido, quer dizer, os outros já tinham nacionalizado!

No nosso partido havia umas franjas que queriam isso. O Francisco Sá Carneiro chamou-me e disse você e tal que tem um patuá de esquerda “explique lá porque é que duma óptica marxista, já agora a ver se escapam uns restaurantes, uns cafés, uns barbeiros e uns cabeleireiros, porque…” Eu lá expliquei, atenção, éramos camaradas, até 76 fomos camaradas. Só passámos a companheiros então.

Fomos portanto camaradas 74-75. Foi só a partir de 76 que passámos a companheiros.

Camaradas atenção, que mesmo de uma óptica marxista, eu tenho a explicar-vos que penso que estamos a ir longe demais, em qualquer caso o primeiro Programa acabou por ficar muito marcado por aquela época e depois o problema de programas muito longos e muito exaustivos é que de facto são rapidamente ultrapassados.

Para programas exaustivos há já os programas de Governo que em democracias mais práticas, são curtos. Os programas eleitorais quanto mais curtos melhor porque depois corre-se o risco de fazer o contrário do que está no Programa Eleitoral.

Bom, este é o ponto de partida, como perceberam é um ponto de partida muito elástico e muito amplo, que vos dá para falar de tudo a propósito de democracia, porque tudo tem a ver com a vivência democrática.

(APLAUSOS)

 
Dr.Pedro Rodrigues
Muito obrigado Sr. Professor pela sua extraordinária intervenção, aliás teve a virtualidade de recordar os tempos da Faculdade de Direito, Anfiteatro 1, em que tive o grato prazer de ser seu aluno. Vamos passar à fase das perguntas, e vamos começar pelo Grupo Castanho com o Tiago Pereira.
 
Tiago Pereira
Muito boa tarde Sr. Professor, deixe-me dar-lhe um elogio, nem Deus Nosso Senhor no Monte de Sinai conseguiu explicar tão bem os Mandamentos como o sr. Professor.

 

Prof. Marcelo Rebelo de Sousa: – Sabe que essas conotações cristãs já me custaram imenso!

Eu uma vez disse que nem que Cristo descesse à Terra e depois paguei

 

(Um minuto inaudível)

 

… e não me vou outra vez, … tipo de temática. (Risos)

 

Tiago Pereira: – Eu queria colocar duas questões, que têm a ver com o afastamento das pessoas da vida política.

Havia um filósofo que dizia que os jovens cada vez mais, se interessavam mais pelos seus grupos de amigos e pelos seus problemas pessoais, não querendo saber dos problemas sociais da sociedade.

A questão que eu lhe coloco, é a seguinte: se acha que os jovens de hoje, que serão os adultos de amanhã, quais as causas para este problema? Serão os partidos? Serão os órgãos de soberania que estão desadequados e antiquados? Porque temos um companheiro nosso, o Dr. Pacheco Pereira, que até defendeu o fim das juventudes partidárias. Qual é a sua opinião sobre isto? Outra questão que lhe queria colocar era a influência que a comunicação social tem na política e na justiça? Se é a justiça e a política que funcionam pela comunicação social, se é a comunicação social que funciona pela política? Só uma provocação para terminar…

 

Carlos Coelho: – ó Tiago…

 

Prof. Marcelo Rebelo de Sousa: – Ele quer falar em nome dos grupos todos!!!

 

Tiago Pereira: – Só mais uma provocação. Em 1998, fez campanha contra a regionalização, hoje mantém a mesma opinião?

 
Prof.Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Elas davam uma conferência!

Bom, vamos lá ver, eu tenho que responder muito telegraficamente senão acontece sair daqui às oito e tal e o Valadares Tavares não me perdoa. Não me perdoa!

Ele adora falar como terão oportunidade de ver, e fala bem, mas há uns que falam bem e não se adoram mas ele adora-se. O problema é o seguinte, vamos lá ver se abrevio.

Vamos começar por uma que todos os anos apanho com o pobre do Pacheco Pereira, o homem coitado! Quando disse isso não imaginou que fosse perseguido até o resto dos dias com a questão das juventudes.

Ele quis dizer, penso eu, é que há aspectos das práticas das juventudes que não foram felizes, como dos partidos não são felizes, e portanto ele quis criticar esse aspecto, não penso que ele tenha querido dizer, nunca mais vai haver juventudes, não deve haver juventudes partidárias, não deve haver formas de enquadramento dos jovens na vida partidária. Penso que não quis dizer isso, mas sei lá! Chamem-no um dia para perguntar se ele quis dizer isso! Se ele quiser dizer isso, perguntem-lhe porque é que mantém isso na actualidade ou não.

Bom, agora, razões para os jovens estarem desiludidos da vida política; não é os jovens só, os mais velhos também estão muitas vezes.

Os jovens vocês dizem porque são jovens, e convivem com jovens, mas se convivessem com outros estratos etários encontrariam a mesma desilusão.

Dir-me-ão, é maior nos jovens do que nos outros? Talvez! Mas não é líquido, é transversal! Hoje nas democracias, sobretudo falamos nas europeias, porque há democracias e democracias, nas democracias europeias é transversal.

Em primeiro lugar, há um lado ideológico na criação das democracias, nomeadamente em Portugal, que passou, uma fase heróica, o difícil é fazer democracia quotidianamente de forma não heróica. Que também é um outro tipo de heroísmo, é o heroísmo quotidiano.

Eu sou do tempo do heroísmo propriamente dito, da criação da democracia, das lutas do PREC, do debate como é que vai ser o país e mais assim, mais assado, de fazer uma Constituição, de matar ou fazer viver uma revolução.

Esse período heróico acabou, e ainda bem que acabou! Não se pode viver permanentemente nesses períodos heróico-ideológicos!

Mas depois há um desafio que é o desafio da mudança quotidiana, e da renovação quotidiana da democracia, e esse heroísmo que é menos evidente, mas não é menos importante, que dá menos parangonas, mas é vital para a democracia, esse heroísmo é difícil de ser vivido.

Porque é viver a democracia habitualmente mas com a humildade da mudança. Ora, o que se passa é que há muita coisa na nossa democracia, como nas democracias europeias, que está antiquada, que está obsoleta,  precisa de mudar e está a mudar lentamente. Enquanto que as sociedades estão a mudar muito rapidamente, as economias muito rapidamente, as máquinas, as estruturas políticas estão a ser lentas na mudança. Os partidos são lentos na mudança. Vejam que ainda hoje a divisão territorial dos partidos é uma divisão largamente influenciada pelo que era há trinta anos.

Reajustou-se mas pouco! Pouco!

Falou na regionalização, a regionalização a avançar teria suposto que os partidos eles próprios se regionalizassem. Alterassem toda a sua lógica de divisão interna, nos concelhos tradicionais, nos distritos existentes e tudo isso.

Ora isso vai contra uma inércia de muitos anos, de décadas. E o mesmo se passa nas organizações autónomas, há uma inércia, e às vezes é de liderança é, às vezes de lideranças muito longas, mas noutros casos, não é de liderança longa, é de métodos, de hábitos, de comportamentos.

Ora as sociedades mudam e as pessoas estão à espera doutro tipo de comportamento, e isto passa-se dir-se-á em  Portugal, mas passa-se em Espanha, é o que se está a passar em Espanha, por exemplo com o PP espanhol, está a precisar de mudar muito para ser uma alternativa verídica ao PSOE, (que ele próprio subiu por sucção) é o que se passa em Itália, com a esquerda e com a direita italiana, estão velhas, e apesar de tudo tiveram reformulações mais recentes do que a criação dos nossos partidos há trinta e tal anos. É o que se passa em França, aí está velhíssimo tudo! Quer a direita quer a esquerda, as estruturas todas estão envelhecidas e aparece uma novidade que foi o Sarkozy, e foi uma revolução. Ele e a Ségolène foram um relativo sucesso porque faziam a diferença em relação a uma coisa pré-histórica, portanto é um problema europeu. Olhem para o que é o Partido Social Democrata alemão, está num estado de exaustão, de falta de imaginação de novas fórmulas, em tudo, na ligação com os sindicatos, na mensagem, no seu discurso político, nos meios utilizados, no momento, e aqui entra a comunicação social.

É que já não estamos na era da televisão, estamos na era da net. Em Portugal a televisão é ainda mais importante do que a net, e vai ser durante uns tempos, porque chegámos mais tarde, e porque mesmo nos sítios onde chegou mais cedo ainda não estamos na América, em que a Sra. Clinton, a campanha americana presidencial é feita sobretudo na net, as grandes mensagens são lançadas na net, mais do que na televisão, a televisão vai acompanhando a net, todos os dias no Youtube, há campanha eleitoral.

Ora bom, em Portugal, modéstia à parte e mesmo assim o Gato Fedorento encarregou-se de gozar com grande sucesso, (metade do sucesso devem-me a mim, e deviam pagar-me) (Risos) mas a primeira pessoa que age no quadro de uma campanha pública no Youtube em Portugal fui eu!

No começo deste ano, em 2007! Agora já começa a ser sistemático e começa a ser, não ainda corriqueiro. Quando há uma nova forma de comunicação, quando há uma nova forma de contacto, de difusão de mensagem, de apreensão de mensagens da sociedade civil, os partidos não estão nessa onda. Não estão, mas não estão os partidos, não estão os Governos, não estão os parlamentos, a reforma do Parlamento que agora foi anunciada é para começar a ajustar a essa novidade, começar a ajustar…

Quer dizer que as sociedades avançaram rapidamente, as economias rapidamente, os fenómenos económicos acontecem a um ritmo impressionante, vejam o que aconteceu com o BCP. O BCP foi notícia durante três meses, teve-se exacta noção que o Governo só percebeu a importância da crise do BCP já se tinha passado um mês, um mês e meio, e no entanto era o maior banco privado português. Todos os fenómenos económicos, sociais, comunicacionais estão a ir a um ritmo impressionante, e as estruturas políticas estão lentas. Os cidadãos sentem este desfasamento.

Há qualquer coisa que não os satisfaz, os jovens, dir-me-ão, sentem mais porque são mais atreitos a perceberem a mudança e intuem mais depressa as mudanças, admito. Mas é um fenómeno transversal. A comunicação social veio potenciar isso? Veio! Dir-me-ão não é esquisito que nos dez mandamentos da democracia não tenha metido nada específico sobre a comunicação social? Não meti porque a minha definição genérica de democracia comporta o lidar com fenómenos mediáticos e não mediáticos, eu não quis especificar o mediático. Parecia-me aliás até suspeito, porque como tenho trabalhado muito no fenómeno mediático, podia dizer que era puxar a brasa à minha sardinha, não quis fazê-lo intencionalmente. Mas é evidente que democracia em clima mediático tem desafios e tem problemas brutais. Às vezes tenho dito, que para muito boa gente, as três qualidades fundamentais hoje para se fazer política, (eu acho isso mau) mas para muito boa gente, são a capacidade mediática, (a imagem) é a capacidade de resistência física, e resistência psíquica.

Ora não é líquido que dê bons governantes só ter boa imagem, aguentar muitos almoços e muitos jantares, em campanha eleitoral, aguentar realmente várias directas, e ao mesmo tempo o próprio e a família aguentarem levarem pancada, todos os dias, nos sítios mais diversos e reagirem com um sorriso, formidável porque ninguém os obrigou a fazer política, e portanto sabem que compraram inevitavelmente um escrutínio público mais intenso do que nunca.

Porque é assim! São as regras do jogo!

Quem não quer isso, não vai! Agora é evidente que a comunicação social introduziu um factor de aceleração de mediatividade, de tempo real, também muitas vezes costumo dizer que fui membro do Governo há vinte e tal anos, podia haver uma crise, foi possível esconder um tecto salarial aprovado em Governo durante quase quinze dias, sem ninguém saber. E fazê-lo sair numa quinta-feira ou numa quarta-feira da Semana Santa, à socapa no Diário da República. Claro que não evitou obviamente a greve geral, nem tudo isso, mas hoje era impossível! Aprovado em Conselho de Ministros quinze dias, tendo ido para promulgação, estando no Diário da República para publicação e ninguém saber? Hoje de repente às sete da manhã acorda-se com uma notícia, se não há reacção às oito, às nove já houve dez a reagirem! Às onze já é uma bola de neve, ao meio-dia trata-se de controlar os danos, e por aí adiante.

Portanto, há de facto aqui dimensões novas, que só explicam aquilo que vos disse, necessidade das estruturas políticas encontrem um outro tempo e outro modo para a nova realidade.

Regionalização. Ora bom, encurtando razões eu diria o seguinte, primeiro ponto; isto tem que ser mesmo por tópicos, porque só isto era uma conversa.

Primeiro ponto, em 75, 76, éramos todos regionalizadores, e eu era um deles, entusiásticos, achávamos que aquilo que tinha sido esboçado pela mão de João Salgueiro, sem sucesso, no final da Ditadura, que era a divisão do território em regiões plano, conduziria inevitavelmente com os seus planos próprios, a que as regiões administrativas coincidissem com as regiões plano, tirando o caso dos Açores e da Madeira que passaram a ser regiões política e administrativas a seguir ao 25 de Abril.

E portanto votámos entusiasticamente isso na Constituinte.

Segundo ponto, o país teve depois outras prioridades, não vale a pena discutir se bem se mal, teve primeiro que construir uma democracia, vocês não se lembram que não tinham nascido, mas houve vagamente um Conselho da Revolução, e houve vagamente uma tutela militar, e houve vagamente um período que apesar de tudo foi só de oito anos, até finalmente termos uma democracia estilo europeu.

Depois houve mais um outro curto período de sete anos, entre 82 e 89, até começarmos a ter uma economia de estilo europeu. Portanto digamos que as prioridades acabaram por ser essas. Sacrificando o problema dramático da organização do território. Foi sacrificado, como foi sacrificada a Justiça, como foi sacrificada a Educação, houve prioridades que foram sacrificadas, à luta sobre democracia com militares ou sem militares, é a economia colectivista ou não colectivista. E depois ainda pelo meio uma coisa que foi teoricamente, aí praticamente muito consensual, que foi mais Europa, menos Europa, mas mais Europa quando e como?

O que quer dizer que se perdeu o tempo ideal para a regionalização.

Segundo ponto, cometeu-se um erro, numa revisão Constitucional, que foi separar as regiões plano das regiões administrativas. A Constituição previa inicialmente que as regiões administrativas fossem constituídas todas ao mesmo tempo, decalcadas sobre as regiões plano, isso desapareceu. E no dia em que desapareceu, começou o experimentalismo português. Quantas? Não, já seis ou sete não, oito, nove, dez, doze, quinze, vinte, quarenta, quarenta e oito, o PPM chegou a defender quarenta e oito. Quantas são? Como é que é?

Bom, mais províncias antigas, mais  distritos, menos distritos?

E portanto este experimentalismo começou a ser muito partidarizado. Finalmente nasceu uma realidade chamada áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Que nascem com uma lógica inatacável, de facto havia essa realidade, a população que vive na Margem Sul trabalha na Margem Norte, muita dela! No Porto há a circulação de pessoas, entre casa, trabalho, e portanto há ali um conjunto de municípios que têm óbvios problemas comuns de gestão, que ainda estão por resolver. Foram criadas as áreas sem poderes. E portanto está por resolver esse problema. É um dos casos espantosos, está por resolver. Porque as áreas metropolitanas estão ainda a discutir autoridade metropolitana de transportes, e não há governo que não diga que é agora que vai criar, mas nunca cria, porque o Ministro das Obras Públicas quer mandar nisso. E por aí adiante.

Portanto, para vos dizer o seguinte, para vos dizer que estes dois factores foram decisivos, além do tempo decorrido, estes dois factores, criar-se áreas metropolitanas que não coincidiam com nenhum das regiões plano, e prever-se que a região administrativa pode não coincidir com as regiões plano, tudo isso permitiu que se chegasse praticamente até ao referendo de 1998 com um quadro muito diferente. Qual era o quadro óbvio de regionalização? Eram as regiões plano que tinham existido desde o início da democracia e que vinham aliás de antes da democracia.

O PS encarregou-se de converter isso em proposta, negociou com o PC toma lá mais uma, tira daqui outra, e ficaram aquelas, que não tinham a ver com nada, nem eram as áreas metropolitanas, nem eram os distritos, nem eram as regiões plano que tinham existido, era nada! Como nada, foi chumbado pelo povo português!

Bom, perguntar-me-á, não era necessário descentralizar? Era! O Governo Barroso prometeu e lançou uma reforma nesse sentido. Que se criasse a base para a cúpula, os municípios a juntarem-se, a formarem, a partir das associações de municípios existentes, comunidades inter-municipais, comunidades urbanas ou  áreas metropolitanas, e depois com poderes que podiam culminar nisso ou até em formas mais amplas de organização. Para não ser de cima para baixo, ser de baixo para cima. Mas foi um ar que lhe deu, porque o Governo Barroso não durou muito mais do que isso, o grande protagonista que era o Miguel Relvas não teve oportunidade depois de ver a segunda fase dessa aplicação, portanto aquilo ficou a meio do caminho, numa fase em que estava praticamente feita a divisão mas não arrumada, e não havia poderes, não houve descentralização de poderes. Portanto a pior altura para morrer, na altura em que se fez não serviu para nada, podia servir mas não serviu.

O actual Governo decidiu fazer um compasso de espera, toma lá mais quatro anos, e portanto mais não sei quantos anos. Eu acho (é evidente que há quem pense que não), que vai ser possível evitar na campanha eleitoral o debate a este tema, eu acho que o actual Primeiro Ministro vai levantar este tema na campanha eleitoral. Parece-me a mim óbvio.  Mas há muito boa gente de Belém até São Caetano, que pensa que não. Eu nisso sou mais hobbesiano do que rousseuriano, a crença na angice dos homens só no sentido pejorativo do termo da angice. E portanto, acho que o ser humano é uma mistura de bom e de mau, e deve fazer por ser bom mas é evidente que se der jeito na campanha eleitoral puxar isso, puxará. Embora não sendo consensual, e não sendo a melhor altura para dividir os portugueses sobre isso. É evidente que nesta altura o problema é muito mais complicado do que era há trinta e tal anos atrás, os reflexos anti-regionalizadores já estão muito espalhados. E mesmo que apareça, obviamente que o que o PS vai tentar propor é as regiões plano, vai tentar corrigir o tiro, trinta anos depois, vai dizer, as regiões plano, vai deixar de pé problemas quase insolúveis como é a área metropolitana de Lisboa não tem nada a ver com a região de Lisboa e Vale do Tejo, a Região Norte não tem nada a ver com a área metropolitana do Porto, nem substitui a área metropolitana do Porto. Quer dizer mantém-se as duas? Como é que se mantém? E portanto neste quadro eu digo, eu que sempre fui regionalizador, no quadro dessa visão inicial da regionalização, mas como líder do partido só podia opor-me àquele tipo de regionalização proposta pelo Partido Socialista. Acho que uma proposta em plena campanha eleitoral, de uma matéria como essa, a ser feita é obviamente para dividir o PSD, e portanto o PSD com o tempo tem que encarar essa questão, porque vai ser um dos obstáculos na campanha difíceis de campanha enfrentar. Primeiro porque há muita gente no PSD que defende a regionalização das regiões plano mas que esteve contra a regionalização em 98, porque o partido aí esteve praticamente todo unido, mesmo os que tinham dúvidas, perante aquele projecto concreto, estiveram contra.

Mas agora a questão é muito dividida, há quem no PSD ache que sim senhora a regionalização das regiões planos, e há quem diga que não, que já é tarde para fazer a regionalização neste quadro, tem que ser outro esquema.. (ah pois é, estou a falar muito! a culpa é dele perguntou 6 coisas).

Há quem diga não, temos que encontrar um esquema alternativo.

Eu penso que neste debate, e vejam que eu não estou a tomar partido, estou a dizer em abstracto. Neste debate, pré-directas, este é um ponto nuclear a ter de ser debatido. Para depois não ser debatido à última da hora, e para não haver a ilusão de que isto não vai ser levantado em 2009. Que nós somos muito bons em Portugal nessa ilusão, o que não nos dá jeito não vai acontecer, portanto não vale a pena pensar-se, depois se acontecer logo se vê. Se acontecer depois não se vê coisa nenhuma, porque ao molhe, todos ao molho e fé em Deus!

Bom, qual é o grupo a seguir?

 

Pedro Rodrigues: – Duarte Nuno Serrano do Grupo Laranja.

 
Duarte Nuno Serrano
Caro Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, Magnífico Reitor, Presidente da JSD, caros colegas, e permitam-me que também faça um agradecimento mais especial para o Grupo Laranja.

Há pouco o professor falou na Europa, eu gostaria de começar por aí.

Os valores da democracia começaram com a Revolução Francesa, com o que ela teve de bom e de mau, e com as três vagas revolucionárias, também na Europa. Temos Alexis de Tocqueville que nos diz que, no livro da democracia na América, que o Homem americano é muito mais propício a inscrever-se nas instituições do que o Homem europeu. Isso vê-se ainda nos dias de hoje! Ora, o que lhe quero perguntar é, como é que é possível ter respeito pelos mandamentos democráticos na Europa, quando lhes subjaz um legado histórico assente no terror revolucionário?

 
Prof.Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Muito bem! O Grupo Laranja está muito sintético!

Bom, primeiro apontamento, é verdade, é verdade que se pode dizer que houve uma componente importante na construção da democracia que foi, pelo menos uma das revoluções francesas, é porque não houve uma Revolução Francesa, houve várias.

Quando há revolução nunca há uma única revolução, há várias!  Porque há vários grupos que fazem a revolução, e defendendo ideias diferentes. E na Revolução Francesa houve a revolução de facto, convencional, que deu depois as democracias populares, mas houve uma revolução constitucional anglo-saxónica que deu a I Constituição 1791, que não teve sucesso. Até houve a revolução Bonapartista, porque as pessoas esquecem-se mas as tropas franceses invadiram a Europa toda cantando a revolução, e prometendo a revolução, mas as pessoas quando eles lá chegavam percebiam que não, mas o que é facto é que houve várias revoluções.

E esse foi um momento da construção da Democracia, embora em rigor a democracia tivesse momentos anteriores e posteriores. A democracia tem raízes antigas, a democracia europeia, tem raízes judaicas, tem raízes cristãs, tem raízes gregas, nomeadamente atenienses, tem algumas raízes romanas, da República Romana, nada disso é a democracia, mas também não foi democracia o pós Revolução Francesa mesmo, a Revolução Constitucional. O Iluminismo também ajudou à construção da Democracia, o Racionalismo Iluminista, mas a democracia de facto vai ter um momento de construção enquanto democracia já muito mais recente. Com o alargamento do sufrágio universal, o que nalgumas sociedades é muito recente, com a consagração do pluralismo, com vários destes mandamentos que parecem muito antigos mas não são sequer no Séc. XIX. Havia liberalismo mas não havia verdadeira democracia. Portanto temos que ter cuidado quando falamos disso. Isto permite responder à sua questão, se de facto a democracia tivesse começado apenas na Revolução Francesa, no quadro de uma certa Revolução Francesa, dir-se-ia, tem um pecado original, este pecado original vai acompanhar até ao fim dos tempos. Mesmo assim era discutível, porque temos assistido a muitos pecados originais ao longo dos tempos, isto é; revoluções que nascem com tropismos autocráticos e dão democracias. Por estranho que pareça!

Ou a transição de ditaduras em democracias como em Espanha no tempo da ditadura a fazer a democracia. Suarez foi ministro do Franco. Foi ele a patrocinar o Pacto de Moncloa e a trazer o Partido Comunista Espanhol e o PSOE a fazerem o que seria os fundamentos da democracia. Portanto, mesmo aí, acontece muitas vezes que onde não há uma legitimidade de título, de origem, há uma legitimidade de exercício, e constrói-se uma democracia.

No caso da democracia em abstracto, como as raízes são múltiplas, e o percurso é muito rico, aquilo que possa haver e que há obviamente, anti-democrático, a até anti-liberal e até anti-personalista em fases da Revolução Francesa, não mata as virtualidades da democracia. Mas sobretudo há um aspecto fundamental. A democracia vai-se fazendo cada dia que passa, vai-se religitimando cada dia que passa, e portanto não fica agarrada a um momento criador. Um dos erros quando às vezes se comemora o 25 de Abril, a meu ver, foi o ter-se uma visão fixista da comemoração do 25 de Abril. Aí o Jorge Sampaio já disse isso, o Cavaco Silva já disse isso, só que ainda foi difícil encontrar com imaginação uma maneira diversa de comemorar o 25 de Abril. Comemorar o 25 de Abril hoje há-de ser explicar porque é que o 25 de Abril é importante hoje  e para o futuro. É evidente que é útil recordar aqueles que o fizeram, os que combateram na luta anti-fascista antes do 25 de Abril. Os que fizeram o 25 de Abril, no próprio 25 de Abril, os que fizeram a democracia durante o PREC, lutando contra as tentativas autoritárias ou ditatoriais, que as houve. Agora é mais importante para o comum dos cidadãos saber o que é que é para mim o 25 de Abril hoje. Quer dizer, o que é na minha Saúde, o que é na minha Educação, na Segurança Social, o que é na minha vida do dia a dia. E é esta capacidade, e este é um dos exemplos, de como as estruturas políticas estão um bocado ultrapassadas. Aquele esquema dos discursos na Assembleia da República, mais um desfile militar é curto, já diz muito pouco às pessoas, em termos de vivência actual da democracia portuguesa, do que foi o 25 de Abril enquanto portador de democracia.

Agora como é que isto se faz? Com juventude, com… mas não é só com a juventude, o esquema tentado foi debates nas escolas, uma coisa em que participe a juventude, mas os outros estratos também têm direito, têm problemas para resolver, não é só a juventude, e querem que sejam resolvidos hoje pela democracia portuguesa.

Ora bom, as máquinas partidárias que têm de funcionar com uma certa inércia, porque têm, a horas mais ou menos fixas, certos deveres a cumprir, a vida parlamentar para cumprir,  são as eleições locais marcadas, são as eleições europeias, são as eleições regionais, são as eleições presidenciais, são as eleições legislativas. Fora desses períodos, e o nosso partido ainda é das melhores excepções em termos de vivência fora do período eleitoral, são pouco sensíveis a captar esta necessidade de novo estilo, novo discurso, nova maneira, mesmo de celebrar os acontecimentos do passado. Passado recente.

Já cansa ouvir os discursos e os tipos do Conselho da Revolução formidáveis, e os Capitães de Abril, sem eles não tinha havido a democracia, e isto tudo foi formidável, e depois? O meu problema… na Saúde, na Educação só por si, permite e permitiu estarmos aqui a debater isto, que não era possível em ditadura. Permite muita coisa, efectivamente. Mas, isto para lhe dizer que essa visão muito agarrada que a democracia nasceu de uma determinada maneira, e com o pecado capital que a persegue até ao fim dos tempos, não persegue todos os dias, nós acordamos de novo para a necessidade de construir a democracia, todos os dias! E vocês que são novos hão-de fazer isso com mais facilidade do que eu que sou velho.

Bom, terceiro grupo.

 

Pedro Rodrigues: – Vamos alterar a metodologia das próximas questões, vamos passar a blocos de duas… tenham calma, vão ter o direito a falar todos. Vamos passar a fazer blocos de duas questões, e é agora a vez do Grupo Cinzento Duarte Loureiro.

 

Prof. Marcelo Rebelo de Sousa: – Ah é de Braga, patriota! Calhou um bom clube! Já sabe, não é?

É de Braga mas provavelmente não é do Braga! É mesmo do Sporting de Braga? Você é um patriota.

 
Duarte Loureiro
Estimado Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, eu pessoalmente fiquei como sempre deliciado com o brilhantismo da sua intervenção, gostei também muito da intervenção da Dra. Leonor Beleza, mas realmente as suas…

Bom…

 

Prof. Marcelo Rebelo de Sousa: – Estamos de acordo! Eu também gosto dela e das intervenções dela! Ela se estivesse aqui já estava a dar um ralhete porque é muito femininista. Pelo menos na forma!

 

Duarte Loureiro: – Bom, o Grupo Cinzento vai ser bem mais claro e gostaríamos de saber, e sendo que o Professor foi inclusive um dos fundadores do semanário Expresso, como é que vê e como é que se justifica o défice de cultura democrática no tratamento dispensado pelos meios de comunicação social em geral ao nosso partido, relativamente  aos outros partidos de esquerda. Depois tinha a minha pergunta pessoal que o Professor já fez questão de responder ou não, realmente não devia sair daqui sem falar de grandes equipas. Não queria que o Professor hoje fosse embora daqui sem falar de grandes clubes, de grandes equipas, do quarto grande, o Sporting de Braga, não é? Já sei que ficou satisfeito com o sorteio da UEFA, já agora então aproveito e fico a saber a sua opinião sobre o plantel para a próxima época.

 

Pedro Rodrigues: – João Lemos Esteves do Grupo Roxo.

 
João Lemos Esteves
Caro professor, começo por afirmar em nome no grupo que é uma honra e um privilégio estar consigo, e não estou a dar graxa, estou a falar em nome do grupo, que fique claro. Os valores acima de tudo, e dizemos aquilo que pensamos sem pretendermos algo em troca. Devo dizer igualmente que o Menino Jesus não desceu à Terra de novo mas o Professor desceu de Lisboa para Castelo de Vide e por isso, isso já é muito positivo.

Bom, então vamos à questão, estamos a falar de democracia, e em democracia para que haja efectiva democracia é necessário atribuir e reconhecer a cada indivíduo, a cada pessoa um espaço de liberdade para que possa desenvolver as suas capacidades e possa dar o melhor de si à sociedade.

Mas o que é que acontece em Portugal? Sobretudo nos governos do Partido Socialista, que reitera que foi Antero de Quental a defender o municipalismo e a descentralização, mas depois na prática é um governo sempre centralizador, estatista, que mina o espaço da afirmação individual de cada um. É o PS típico, a dicotomia, a contradição entre a teoria e a prática. Mas isto para dizer, e como citando Václav Havel é preciso reconhecer o poder dos sem poder, daqueles que usualmente não têm poder.

Ora, eu gostaria de perguntar qual a sua opinião acerca do facto de em Portugal a sociedade civil ser ainda uma sociedade civil inerte, fraca, sem poder de expressão e de contestação, de limitação do poder político do Estado. Ou então perfilha a outra tese, uma tese que tem efeitos de doutrina, de que o povo português é um povo determinista, que só que tem que ter um Estado pai, um Estado paizinho, que diz olhe faz isto, tu fazes aquilo, tu vais para ali, tu vais para acolá. No fundo não pensa que Portugal para ter uma democracia mais perfeita, uma sociedade cada vez mais democrata, que cada um de nós possa desenvolver o seu espírito criativo, desenvolver e executar as suas ideias, ou seja, menos Estado mais indivíduo na sociedade, sempre respeitando valores da solidariedade. Claro está! Muito obrigado.

 
Prof.Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Sporting de Braga, o plantel é bom, acaba de ser enriquecido agora com o Jorginho, que foi do Porto, alguma parte é velha, mas é de idade, portanto não aguenta um jogo inteiro. Mas o plantel em geral é bom, há muito tempo que não tinha uma equipa tão boa, é verdade! Há aqui um investimento maciço no Braga, tenho pena que não esteja lá o Jesualdo Ferreira, porque seria então a acumulação, mas enfim saiu, saiu, com o Jorge Costa vamos ver o que é que é possível fazer. Mas é evidente que os grandes clubes, têm um conjunto de recursos e de meios superior, e portanto é uma luta… apesar do plantel enriquecido, precisa de ser ainda rodado, é uma luta difícil, qualquer dos outros três clubes está com um bom plantel, portanto não é uma luta fácil. Mas há muito tempo que não tinha um plantel tão forte como este que se verifica este ano.

Segunda questão, o PSD maltratado pela comunicação social. Deixem-me dizer-vos sobre a comunicação social que há coisas que me preocupam pouco. Eu sinto (mas é capaz de ser uma impressão minha) que a imprensa diária está a morrer, a morrer, e que a imprensa diária de referência está a perder tiragem e a perder audiência. O que avulta em termos de audiência é a imprensa diária popular, mas mesmo esta provavelmente também vai sofrer alguma crise, como noutros países próximos, na Europa. Que os semanários vão ter também uma luta muito grande de depuração e alguns  sobreviverão e outros não, tanto que o peso da televisão antes de chegarmos à fase da net, daqui por uns anos, que esse peso está a começar logo na publicidade, a tornar muito difícil o papel da imprensa. Muito difícil o papel da Imprensa!

Se eu digo isto é para explicar que, por exemplo, a televisão dá obviamente aos fenómenos politico-partidários muito pouco relevo, comparativamente. A televisão nos jornais noticiosos, que aliás estão mais curtos outra vez, têm de pôr internacional mas tem de pôr muita sociedade. Umas vezes gostamos outras vezes não gostamos, às vezes é apenas a patologia pela patologia, e não as causas dos fenómenos sociais, e portanto o fenómeno politico-partidário aparece na segunda parte do jornal noticioso e nem sempre aparece com muito relevo. É verdade isso! Estou a dizer na televisão! E a televisão está a ter uma influência crescente em termos de audiência pública. É uma mudança radical, quando os partidos apareceram, apareceram sobretudo para a Imprensa, e depois para a rádio, e a televisão foi ganhando importância progressivamente.

É evidente que temos a televisão não generalista, mas que ainda não tem entre nós o peso e a audiência que tem lá fora. Por exemplo a televisão noticiosa com um peso crescente e serão mais canais no futuro. Mas ainda hoje temos uma audiência muito pequena. Muito, muito pequena!

Portanto eu percebo que o eco em geral do fenómeno politico-partidário seja pequeno.

As oposições têm sempre um pior tratamento que os governos, porque os governos têm um tratamento enquanto fenómeno politico-partidário e enquanto Governo. Não sei se está a perceber? Em dois carrinhos! Enquanto o Governo aparece porque inaugura isto, porque hoje era a barragem que vai ser feita finalmente, uma grande notícia, esteve lá o Primeiro Ministro. Isso fez disparar logo a cotação das acções da EDP, e tal, porque afinal o Ministério da Educação finalmente reconhece que houve erros no concurso para professor titular e para o ano vai corrigi-los. Outra notícia. E portanto, através de vários ministérios, o Governo tem uma, duas, três, quatro, cinco notícias. Que passam na televisão, nos jornais apesar de tudo pode ser maior o equilíbrio. Se houver uma reacção de alguém da oposição, a isso aparecerá uma reacção do PSD, uma reacção do PP, uma reacção do PC, uma reacção do Bloco de Esquerda, uma dos… não a todos os factos noticiados. Portanto os governos têm uma vantagem comparativamente brutal quer em termos de televisão, quer em termos de rádio, quer em termos de Imprensa. Soma-se a isso, que eu acho que o Eng. Sócrates é hipersensível à questão da comunicação, e portanto o Governo não brinca em serviço. Faz parte da lógica e da sua estratégia comunicacional. Preenchendo o tempo, hoje é isto, e não é por acaso que é hoje e que está lá o Primeiro Ministro e que amanhã é outra, e que depois de amanhã é outra, e que isso é gerido. Nos primeiros tempos da democracia, não havia essa gestão cuidadosa. Lembro-me quando eu fui Governo, constituiu-se um grupo de trabalho que funcionava na Presidência de Conselho de Ministros, e que eu coordenava, para tentar um bocadinho organizar o que eram as mensagens dos vários ministérios, mas era dificílimo. Hoje é muito mais sofisticado.

Hoje os governos utilizam agências de comunicação para isso. Para a forma de comunicação.

É portanto aquilo que já era uma mensagem comparativa dos governos, transforma-se numa vantagem maior porque é feito com outro profissionalismo, com outro cuidado, com outra sofisticação.

E os governos que não o fazem, fazem mal! E algumas vezes isso aconteceu connosco também, outra vez isto aqui etc…

Bom, estão a ver o que é sanção interna! Dir-me-á, o PSD não é perdedor? É perdedor de facto nisso em relação ao PS. Porquê? Porque aparece, quando aparece o nosso líder ou alguém do partido, mais do que aparece, apesar de tudo, os líderes ou os porta-vozes dos outros partidos da oposição, mas no quadro dos outros partidos da oposição, muito menos do que aparece o Governo. E portanto, isso que eu disse em relação aos governos e à oposição, aparece muito claramente e maça imenso, chateia imenso muitas bases, ou muitos eleitores que dizem, mas é incrível, como é que isto acontece? Porque é que não sei quê? É uma tarefa dificílima!

Eu aqui não quero, obviamente, estar a tomar partido, mas tenho que dizer que eu como líder da oposição já vi o que isso era, em relação a uma pessoa que era muito menos profissional na gestão da comunicação, que era António Guterres, embora tivesse um talento e uma comunicação, e uma simpatia superior a Sócrates. Sócrates teve de trabalhar para ter a simpatia de Guterres, nele era natural, em Sócrates é difícil ser simpático, tem outras características, é assertivo, é breve na mensagem mas não é simpático. Mas há hoje uma sofisticação, um profissionalismo na comunicação por parte do Governo que não havia no tempo do Guterres.

E portanto é muito mais difícil ser hoje líder da oposição com Sócrates do que era com Guterres.

Não há comparação nenhuma!

Bom, dito isto, segunda questão, que é a questão do grupo aqui da frente, essa responde-se rapidamente. É verdade, o PS apesar de eu estar convencido que vai em 2009 introduzir o tema da regionalização, enquanto Governo tem centralizado, centralizado, centralizado. Aliás mesmo, vai ser uma ironia, eu acho que no PSD devia estar a fazer-se agora dossiers, com as mudanças legislativas centralistas que o Governo andou a fazer.

De facto, tem sido um Governo centralista!

Mas é centralista porque é o estilo do Primeiro- Ministro. O estilo do Primeiro-Ministro é um estilo centralista, de concentração. É o estilo dele. E portanto isso aplica-se ao poder local, como se aplica às Regiões Autónomas, como se aplica em geral a tudo. É o estilo dele, para bem e para mal.

Até um certo ponto é bom, numa certa fase foi apetecível à opinião pública, isto é autoridade, ele manda, num partido em que eram todos bonzinhos, Soares era bonzinho mas não mandava, Guterres era bonzinho mas não mandava, eles eram bonzinhos mas não mandavam. Este não é bonzinho mas manda, pronto. A mensagem é isto! Quando assume tiques autoritários ou de arrogância, começa a funcionar mal. Começa a funcionar, ele afinal além de não ser bonzinho às vezes confunde autoridade com autoritarismo, que são coisas diferentes. Isso já é mauzinho! Já é mau para a Democracia, já não é bom para a Democracia.

E sabem quando há na opinião pública essa viragem de se dizer isso já não é a autoridade que desejamos é o autoritarismo que evitamos, ou que rejeitamos, porque nós já conhecemos isso no que nos toca. Há uns aninhos atrás a partir de certa altura também houve essa reacção da opinião pública. E eu devo dizer, que nem com o seu mais forte estilo centralista e concentrador, Cavaco foi tão centralista e concentrador como Sócrates.

 

Bom, dito isto, agora é evidente que é um problema de sociedade civil, mas estamos melhor do que já estivemos. Não vou aqui repetir aquilo que todos vocês sabem a começar num porta-voz, fomos das primeiras monarquias absolutas da Europa, fomos das últimas a deixar de ser; o Salazarismo era uma monarquia absoluta pré-liberal e pré-industrial, como a sociedade civil dependia toda do poder, como ainda hoje foi difícil, nos empresários passam a vida a reclamar autonomia em relação ao poder, sempre querem uma decisão, sempre querem um subsídio, vão para a porta do gabinete do Ministro e quem diz isso, diz as universidade e quem diz isso, diz o mundo laboral, etc., etc.

Portanto, é evidente que a mensagem só pode ser para sermos mais o que tem de melhor a Europa mais avançada, mais sociedade civil e menos poder político. Demora tempo, mas estamos melhor. Estamos hoje melhor do que há dez anos, melhor que há vinte anos, melhor que há trinta anos. Estamos - é evidente - muito pior que outras sociedades que tiveram liberalismo cem anos antes do que nós ou cento e cinquenta anos antes do que nós, que tiveram Revolução Industrial cem anos do que nós, que tiveram partidos cem anos antes do que nós, que tiveram sindicatos livres cem anos antes do que nós, e por aí adiante. Portanto é uma das lutas fundamentais e é uma das lutas essenciais do PSD, tem sido essa e não um mero verbo de encher, os países mais avançados da Europa, são aqueles em que há milhentos problemas que se resolvem sem estar à espera do despacho do Ministro, se resolve pelo dinamismo da sociedade civil, concordo, passamos a outros grupos.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado Sr. Prof. Sabrina Coutinho Furtado, grupo Rosa.

 
Sabrina Coutinho Furtado
Boa Tarde a todos, tenho dois agradecimentos a fazer ao Sr. Prof. o primeiro por estar cá e o segundo que não sei se tem conhecimento, mas o grupo Rosa também lhe deve uma parte do seu sucesso.

A nossa questão é a seguinte, ouvimos recentemente o deputado Paulo Rangel a dizer que Portugal vive num clima de claustrofobia democrática, qual dos mandamentos acha que o Partido Socialista está a infringir? E o Professor disse num dos seus mandamentos que se deveria juridificar e positivar os poderes de facto já existentes, a nossa pergunta em sequência disto é, como fazer frente a este sem entrar numa lógica de burocratização e sem uma verborreia legislativa que não se traduza em ganhos práticos? Obrigada.

 

Pedro Rodrigues: - Obrigado Sabrina. Tiago Dias do grupo verde.

 
Tiago Dias
Sr. Prof. antes de mais em nome do grupo verde e em nome pessoal, os nossos agradecimentos por ter vindo a Castelo de Vide, Sr. Prof. disse logo no início da sua intervenção que no âmbito deste tema cabia quase tudo. Disse-o ao fim de meio minuto, nós demorámos quase meia hora a perceber isso até que percebemos qual era o único tema que não cabia aqui dentro que era culinária. E é precisamente sobre culinária que eu lhe vou colocar uma questão. Não é uma questão propriamente dita, é um desafio. O grupo verde desafia-o a escolher o elemento da culinária mais indigesto para o nosso partido, eu vou dizer os três e vou associá-los a dois a um nome e um a uma cidade, bolo rei, Cavaco Silva, vichyssoise, Paulo Portas, e perdão, o terceiro é o Cherne e claro está em Bruxelas. Muito Obrigado. (Risos)
 
Prof.Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Ora bom, vamos começar pelo último, pela culinária, ainda temos mais quatro grupos portanto eu tenho de ser rápido, olhando para o que se passou a seguir, eu acho que o bolo rei foi o mais indigesto a curto prazo mas tonificante a longo prazo. Simbolizou para muitos uma campanha presidencial sem sucesso, mas a longo prazo ele está em Belém, portanto digamos assim, de facto foi um desaire, uma derrota a curto prazo com uma vitória uns anos largos depois. Vichyssoise foi no início um fracasso de coligação no meu tempo, mas foi um sucesso mitigado, embora, mas no tempo do meu sucessor, acho em qualquer caso que como prato, com aquele protagonista, está esgotado. Depois, o terceiro, o Cherne, eu aí sou o mais benevolente apesar de tudo, é facto é que, diria que o Cherne foi virtuoso para efeitos de vitória nas legislativas, de facto os portugueses votaram Cherne, segundo lugar, hoje tem um desempenho europeu o que simboliza o Cherne virtuoso, pelo meio está por medir exactamente a consequência do desempenho de funções europeias em detrimento de funções nacionais, é difícil medir neste momento ainda. Eu tendo a considerar que o grande problema não foi o PSD ter recebido uma legitimação popular na base de uma pessoa e depois ter de exercitar na base de outra, que não tinha recebido essa legitimação. O grande problema foi outro. Foi que Cavaco representou uma geração no exercício do poder, a geração seguinte que seria protagonizada por Nogueira ou por mim, por razões diversas embora, passou à história e foi chamada por sucção uma geração vinte anos mais nova, que não sedimentou, é que se teria podido sedimentar porventura se o apelo europeu não tivesse levado a que o grande protagonista e o melhor protagonista dessa geração, (que era o melhor, de longe) não tivesse saído e portanto andamos nessa geração e o PSD anda nessa geração, à procura do protagonista. Eu sou um optimista, acho que esse protagonista vai obviamente exercitar o poder e vai ser essa geração a exercitá-la, não me devo envolver agora na disputa pré-eleitoral, mas uma coisa é óbvia, o grande custo, digamos assim, da partida do Cherne para Bruxelas, foi, a meu ver, geracional. Foi ter de obrigar uma recomposição na mesma geração, num contexto difícil, dando uma chance ao PS que ele próprio não esperava. Tem de ser essa geração a subir ao poder, não há condições para passar à geração seguinte, para a geração dos trinta e tal anos, tem de ser na geração dos quarenta e tal anos e vai ser na geração dos quarenta e tal anos. Bom, dito isto, que foi mais complicado de dizer porque as coisas são complicadas, não são simples, vamos então à questão dos poderes de facto. É evidente, há que evitar a burocracia, portanto não pode ser a administrativização dos poderes de facto, nem pode ser a verborreia legislativa. Devem definir-se as regras fundamentais de enquadramento, as regras de jogo, é isso o estado regulador, para o poder económico e o poder social funcionarem dentro dessas regras.

Quanto aos mandamentos, quais são os mandamentos que o centralismo de Sócrates e o concentracionismo Sócrates, de vez em quando leva a que sejam pontapeados? Bom, de vez em quando há uns pontapés em matéria de pluralismo, há uns pontapés na legislação de comunicação social, há uns pontapés ao pluralismo, há uns pontapés em matéria dos direitos económicos e sociais e culturais, há uns pontapés em termos de participação cívica, há uns pontapés, há uns pontapés quanto à independência dos tribunais, (subtis, mas há). Eu diria que tem havido ou em tiques de discurso, ou em legislação, ou em actuações administrativas, excessos de zelo na linha da centralização e da concentração no Primeiro-Ministro que dão depois à DREN, que dão depois casos burocráticos nos vários ministérios como por exemplo também na responsável da saúde em Vieira do Minho, que são afloramentos de um tropismo que já não tem haver com autoridade, tem haver com autoritarismo. O Paulo Rangel foi mais longe e disse isto significa um clima perigoso para a democracia, eu nisso sou mais optimista, acho que a democracia tem virtualidades tais, que por muito grande que seja o tropismo de centralização ou de concentração do estilo do Primeiro-Ministro, a democracia chega para isso, já chegou para coisas muito piores. É mais fácil o Primeiro-Ministro passar do que a democracia sofrer duradouramente com um Primeiro-Ministro. Nós tínhamos durante o período do PREC uma frase mais ou menos, mais ou menos comicieira que é os governos passam e o povo fica. Isso acontece com os primeiros-ministros, o Primeiro-Ministro passa e o povo fica. Há de haver outros, este não é último primeiro-ministro de Portugal, nem foi o primeiro, para ele foi o primeiro, mas só para ele.

 

Pedro Rodrigues: - Tiago Larsen, do grupo amarelo.

 
Tiago Larsen
Boa Tarde, antes de mais quero agradecer ao Prof. Marcelo Rebelo de Sousa a excelente conferência com que nos brindou, e exprimir a minha satisfação por voltar a ser seu aluno cerca de dez anos depois. A pergunta do grupo amarelo é a seguinte, a independência da política em relação à religião está compendiada na forma de Jesus Cristo no Evangelho, daí a Deus o que é de Deus e a César o que é de César, presume-se que o Homem religioso deve obediência antes de mais a Deus, enquanto o Homem político deve-a a quem o elegeu, ou seja, aos cidadãos, é natural se não mesmo inevitável que surjam em política questões em que estas divisões se opõem, neste cenário, não será de esperar que o Homem religioso obedeça a Deus em vez de obedecer aos homens pressuposto regime democrático, nas palavras de um homem religioso Padre Vítor Melícias, a religião é a religião e a política a política, as duas não se devem misturar nem inviabilizar-se mutuamente, então pergunto, pode o Homem religioso ser um verdadeiro democrata?

 

Pedro Rodrigues: - Obrigado Tiago. Nivalda Gonçalves, do grupo encarnado

 
Nivalda Gonçalves
Prof. Marcelo obrigado pela intervenção que teve cá hoje e como admiradora pessoal das suas intervenções agradeço em nome do grupo vermelho, encarnado, há essa pequena diferença. E como não podia deixar de ser, sendo de uma geração democrática, mas também acima de tudo autonómica gostaria de lhe fazer uma pergunta muito concreta, em relação às regiões autónomas. Portugal possui duas regiões autónomas política-administrativas, estas fazem parte integrante do Estado, com governos eleitos próprios, eleitos democraticamente e com os seus estatutos político-administrativos a funcionar. Gostaria de saber, como é que vê o futuro, os limites e o aprofundamento destas nossas autonomias, num país que vive neste momento uma cultura centralista e nisso concordo em pleno consigo, talvez acrescentando alguns pontos às críticas que fez ao Eng. Sócrates, lá conhecido como Pinto Sousa e por isso gostava também de saber, integrada nesta questão se concorda que a nossa defesa do nosso princípio da unidade diferenciada. Muito obrigada
 
Prof.Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
Ora bom, vamos começar então pela Madeira, saudando aqui a jovem simpática e saudando nela a vitória, que foi uma grande vitória que tiveram os nossos companheiros na Madeira nas eleições regionais. De facto a riqueza da experiência política portuguesa (eu sempre defendi isso) é a de uma unidade diferenciada. Unidade diferenciada significa que o continente não forma em si mesmo uma Região Autónoma, como é natural, mas há duas regiões autónomas, por razões compreensíveis, que são históricas, que são geográficas, que são culturais, que são económicas, que são sociais, ou múltiplas e que exigem um estatuto diferenciado do continente e diferenciado entre si. Eu acho até que podia até ser mais diferenciado entre si do que é. Não tinha de ser os Açores exactamente a ter o mesmo estatuto da Madeira e vice-versa porque são situações diferentes, num caso são duas ilhas, num caso são mais ilhas, o grau de desenvolvimento é diferente num caso e noutro, as vocações são diferente num caso e noutro, em termos económicos e sociais, a situação financeira é diferente num caso e noutro. Portanto, eu sou um grande defensor da unidade diferenciada, também sou um defensor e trabalhei por isso, nomeadamente quando fui líder do partido na revisão constitucional 97 de explorar em cada momento o que é possível explorar de autonomia no quadro da unidade nacional. Eu não confundo isto com depois aquilo que tem de haver e nós sabemos que a política é feita disso, os discursos de um lado e de outro, que são discursos às vezes muito virulentos de um lado e de outro, para efeitos de consumo dos respectivos eleitorados, isto é o eleitorado nacional de um lado e o eleitorado tradicional do outro. No caso de Sócrates isso é muito patente, ele decidiu eleger a Madeira como um instrumento de desgaste do líder nacional do PSD, e do PSD a nível nacional, e portanto, é por isso, não é para desgastar Jardim, que ele sabe que pelo contrário, ele fica cada vez mais forte de cada vez que é atacado pelo Primeiro-Ministro de Portugal, é obviamente para desgastar o líder do PSD e o PSD nacional, então você o que é que diz, porquê? Porque o líder nacional, tem um eleitorado que é nacional e fica entalado entre falar para o eleitorado regional que é um eleitorado muito importante, um PSD muito importante que é o PSD da Madeira e falar para o eleitorado nacional que no entanto é mais importante para ele ganhar eleições nacionais. Estão a ver a questão? Eu acho que o líder nacional tem tido esse mérito enorme que é aguentar a pressão, aguentar a pressão que não é fácil e até tem preferido em muitos casos a solidariedade com a região autónoma e o PSD Madeira, aos seus verdadeiros interesses eleitorais, os verdadeiros interesses eleitorais é olhar para o eleitorado continental onde a mensagem regional é uma mensagem que não tem a mesma simpatia que tem no eleitorado regional. O líder regional, naturalmente fala para o seu eleitorado, quanto mais pancada levar a nível nacional, melhor para ele. Sendo certo, (eu vou ser muito sincero) que acho que depois há limites nisso. O líder, tipo Sócrates quando bate mesmo com uma estratégia, uma táctica de desgaste do líder nacional do PSD demasiado em Jardim, desgasta. Um líder como Jardim, quando tem o discurso excessivamente regional, desgasta o líder nacional do partido, para além de um certo limite. É bom que haja essa noção exacta que começa a ter algum desgaste porquê? Porque o eleitorado nacional não acompanha para além de certo limite, por muita simpática que tenha pelo aspecto frontal, vertical, pão pão, queijo queijo, não acompanha porque os seus problemas são outros, então em tempo de falta de dinheiro, porque é que há falta de dinheiro aqui e se há de preferir ali, têm que perceber isso.

Dito isto, eu acho que há muito espaço de manobra ainda possível no quadro constitucional. Não sou um apóstolo da federalização de Portugal, não sou, acho que há muito espaço para unidade diferenciada, mas num Estado unitário, regional, não num Estado com dois Estados federados. Acho que seria um pandemónio monumental e que nunca passará isso numa revisão constitucional. Não é possível dividir o continente em estados federados e nem é possível ou desejável que ele todo seja um Estado federado. Essa é a fronteira, a fronteira que acho que não se pode ultrapassar. De vez em quando no discurso é de bom tom picar nesse sentido, mas acho que é totalmente inexequível. Dito isto, já percebeu qual é a minha ideia, que é a mesma ideia de sempre, não é diversa do que sempre defendi. Quanto à diferença entre vermelho e encarnado, já percebi que percebeu, embora eu aí seja, ainda ficou dos meus tempos de esquerdismo, não me choca muito o vermelho, o encarnado era como no tempo da ditadura se falava do Benfica, para não haver a confusão de se confundir com o partido comunista. Há vermelhos e vermelhos, há vários tipos de vermelhos.

Bom, vamos ao problema mais complicado lá atrás. Cada um de nós tem o seu testemunho, eu vou dar o meu testemunho. Quando me perguntam como é que eu me defino, eu defino-me como católico e depois português, podia definir-me como português e depois católico, ou como cidadão e depois católico, eu defino-me como católico e depois português. Cidadão português, é uma opção, quer dizer, no meu quadro de vivência dos valores é mais importante a opção religiosa do que a opção da cidadania. Para outros é mais importante a opção da cidadania do que a opção religiosa, o que quer dizer portanto que, não sei se estou muito de acordo com o Vítor Melícias, quando ele diz (apesar de como sabem ele ter sido meu colega, um grande amigo meu e durante muito tempo até meu confessor) que é fácil separar assim a política da religião. Eu acho difícil. Fui educado no tempo da ditadura, na base daquele verso da Sophia de Mello Breyner, que dizia, “vemos, ouvimos e lemos não podemos ignorar”. Um católico não pode ignorar que há certas coisas no mundo político, económico e social que são contra os valores que ele defende. Portanto tem de denunciar e não pode denunciar só na sacristia, não pode ser só dentro da Igreja baixinho, “olha, se precisares de alguma coisa eu acho que é um direito fundamental, mas não digas lá fora, porque lá fora já é espaço público e se já é política não pode ser religião”. Não consigo fazer essa separação entre uma opção, como admito que outras pessoas mesmo não religiosas tenham opções éticas que comandam a sua vida política. Portanto, tenho muita dificuldade em depois chegar à política e dizer, não, eu agora não vou defender isto. Outra coisa diferente é, se o povo votar uma coisa, votou, eu não vou impingir à força à maioria dos portugueses as minha convicções religiosas ou as minhas opções éticas. Se votaram outra coisa, é essa outra coisa que deve ser feita, e há que respeitar e aí a opção política com legitimidade democrática implicou porventura uma opção de que eu discordo do ponto de vista religioso ou do ponto de vista ético, mas a maioria votou. Não vou depois à força tentar subverter isso, sugerindo uma maneira de não se fazer. Não, votaram, está votado. Agora até ao momento do voto, eu tenho o dever de defender as minhas convicções, tenho o dever defender as convicções. Mas se eu for líder partidário tenho o dever de impingir as minhas convicções? Não tenho. Quando foi do referendo do aborto, quem introduziu o princípio da liberdade de voto no PSD fui eu, logo no Parlamento, cada _Deputado vota pela sua cabeça e houve quem votasse a favor, contra, se abstivesse e depois no referendo, o partido não teve posição, porque eu não percebo como é que um partido pode ter uma posição oficial sobre essa matéria. São posições muito éticas, de valores, cada pessoa pensa de forma diferente.

 

Pedro Rodrigues: - Muito bem, vamos ao último bloco de questões. Bruno Ferreira do grupo Azul.

 
Carlos Carvalho
Boa tarde, antes de mais, parabéns pela apresentação, sugeria que reiterasse a sua opinião no que respeita a escrever um livro, acho que o conteúdo que saiu desta sala, é o suficiente para escrever uma obra de grande importância.

Actualmente, para a opinião pública e mais para as gerações vindouras, acaba por ficar rotulado, se me permite a expressão, como “comentador”, independentemente se é aquilo que gosta mais de fazer mais ou não, o facto é que sobrepõe-se ao Marcelo Rebelo de Sousa enquanto político, a minha questão é o seguinte, com isto pretende abdicar da actividade política nacional?

 

Pedro Rodrigues: - Obrigado Bruno. Última questão, Diogo Leal do grupo bege

 
Diogo Marques Leal
Boa tarde a todos, em meu nome e em nome do grupo bege, quero agradecer ao Prof. Marcelo pela magnífica palestra que nos deu e como já nos habitou a sua palestra merece nota máxima. A primeira pergunta é, segundo os seus dez mandamentos acha que existe democracia em Portugal? E no cenário em Portugal, a política cada vez está mais descredibilizada, o que é que acha possível fazer? Obrigado.
 
Prof.Dr.Marcelo Rebelo de Sousa
É preciso e vocês são mais novos, têm mais energia, mais pedalada, estão menos presos a fórmulas feitas, os mais velhos já fizeram uma vez, duas vezes, três vezes, tendem a copiar-se, a imitar-se, há uma inércia inevitável, em quem está já metido nisto há muito tempo. Eu acho que a grande mudança é mudança de cultura cívica, também é preciso os políticos mudarem a sua forma de organização interna, funcionamento, abertura ao exterior, contacto com a comunicação social, percepção das novas realidades que há na sociedade portuguesa, há novas realidades, por exemplo, a imigração. Os partidos ainda não estão a lidar suficientemente bem com isso. Por exemplo, a subida do peso das mulher na sociedade portuguesa, os partidos estão a começar a lidar com isso. Por exemplo, a nova geração de questões ambientais, os partidos falam muito nisso, estão a tentar lidar com isso, mas de acordo com esquemas clássicos. Por exemplo, problemas que tem haver com as novas tecnologias da vida, ou da comunicação, os partidos estão a ajustar-se a isso, quem diz os partidos, diz os movimentos políticos em geral, as associações políticas em geral, mas mesmo as associações de movimentos políticos a primeira coisa que fazem é copiar os partidos, não sei se já viram, que é uma coisa dramática, aparecem com objectivos diferentes e copiam os tiques na forma de funcionamento dos partidos que existem.

É preciso alguma imaginação que obviamente existiu por força daquele documento de rotura revolucionária, neste momento na sociedade portuguesa, repetem-se muito as mesmas fórmulas, mea culpa, eu também, porventura estou a repetir as mesmas fórmulas e às vezes sou obrigado a isso, já gostava de estar a fazer programas de comentários diferentes, mas tenho fazer igual ao que era, porque se é diferente é uma complicação para a grelha... Bom, está tudo muito igual a, e há uma necessidade e há uma apetência para a diferença, a diferença no estilo, a diferença no discurso e a diferença nas questões, nas grandes questões Isso é mau porque às tantas está-se tudo a repetir um bocadinho, as mesmas fórmulas, o mesmo discurso e a tratar das mesmas questões, às vezes mini-questões, e há grandes questões que não são abordadas. É imperdoável que neste período de presidência europeia não se fale da questão da Europa. Começou em Julho, já vamos em dois dos seis meses e nenhum dos grandes debates, nenhuma das questões grandes questões europeias está a provocar debate em Portugal. Nem os partidos acham que é seu dever esclarecer os portugueses sobre nada disso, até porque querem sonegar um referendo, que eu acho isso uma coisa de outro mundo, mas é o que vai acontecer, já se percebeu que não vai haver referendo. Eu acho do outro mundo, mas podia não haver referendo e explicar-se porque é que não havia referendo e debater-se os temas que não são debatidos porque não há referendo, não, a ideia é precisamente não se debater, há-de haver a CIG, vai fechar a CIG, ninguém vai perceber o que é que foi a CIG, há problemas com a cimeira com a África, ninguém vai perceber quais são os problemas, há questões que têm haver com mais alargamento ou não alargamento, a presidência futura diz que quer mais alargamento, ninguém debate se sim ou se não, há esta questão de um presidente turco, acabado de eleger, que é um desafio maior à Europa. É um desafio maior à Turquia, mostrar como é que é possível compatibilizar com a democracia (Deus queira que seja possível) uma vivência religiosa aguda, mas é um desafio para a Europa, como é que encaramos este novo fenómeno. Isto é um fenómeno novo, até agora resolvia-se o problema pondo os militares a tomar conta daquilo, era como o Ocidente tomava, cada vez que vai a votos, tumba, militares e desta vez os militares disseram, não pode ser. Como é que se encara isto? Bom, mas isto é um exemplo apenas. Digo-vos que isso é que provoca um bocadinho além de sentir que há problemas concretos que não são debatidos e encarados pelos partidos e haver o problema de resposta lenta e desajustada na comunicação. Há grandes questões que não são introduzidas apesar de serem grandes questões da nossa vida, não são, quem deve fazer isso? Bom, vocês são mais novos, têm maior capacidade para fazer do que os mais velhinhos, introduzam este tema, não vai haver agora directas, a JSD pura e simplesmente diga, queremos durante as directas ouvir os candidatos falar disto e façam um decálogo, ou não são dez são cinco, cinco grandes questões que queremos que eles respondam ao país, e o país fica a saber que para os jovens sociais democratas é importante que haja resposta dos candidatos a essas questões. Uma delas provavelmente é a educação, mas não se esgota na educação, há outras coisas muito importantes que vos preocupam. Bom, é por aí que passa, quer dizer, muda-se, mudando-se na prática do dia-a-dia e vocês têm uma organização autónoma com condições para poderem fazer isso, façam isso, façam isso, espoletem, no bom sentido, esse tipo de questões.

Bom, a outra pergunta que é mais fácil de resolver, que também vou responder e vou responder rapidamente, é a seguinte, é evidente que aquilo que eu gosto mais de fazer é ser professor, aquilo porque sou mais conhecido é por ser comentador apesar dos meus vinte mil alunos, são só vinte mil, não se comparam com os milhões de telespectadores ao longo dos anos, bom, e portanto isso passa para segundo plano obviamente a questão da vivência política em sentido restrito, porque políticos somos todos nós quando estamos a dar aulas, no sentido de participação cívica, de papel na sociedade. Mas a sua pergunta não é papel na sociedade em abstracta, é: está com paciência? Gosta? Está com ambição? Passa-lhe pela cabeça? É a sua ideia? E todos os anos lhe passa essa pergunta voltar à coisa política? Sobre a vivência partidária e governamental eu já disse, acho que a minha geração, passou. Tive pena? Tive, obviamente, mas passou e já não volta para trás e portanto, é na geração dos anos quarenta que isto se vai resolver nos próximos anos. Em dez anos houve um salto de vinte anos, é demais. Os que estão agora a ser chamados ao poder porventura teriam ganho em ter exercido funções importantes de poder, mas não as supremas e, depois chegarem às supremas. Portanto, está visto, não resta muito, restam cargos internacionais, resta Presidente da República, pode ser que sim, que aconteça, não tem sido o que aconteceu momentaneamente com o Vice-Presidente do Partido Popular Europeu e sinto-me feliz por ter levado o PSD para o Partido Popular Europeu naquele momento, não era tão evidente como hoje, a importância dessa opção e era bastante impopular nalguns sectores, mas foi feita e foi bem feita, penso eu, mas não me vejo em cargos internacionais de facto, Presidente da República, eu uma vez disse que Cristo não deixa a Terra e portanto não faço esse erro outra vez, dizer não nunca, jamais, jamais, parece-me evidente que Cavaco é re-eleito ao colo de toda a gente mesmo Sócrates deve estar a pensar como é que consegue apoiá-lo para não perder as presidenciais daqui a três anos e meio, deve estar a pensar como é que eu hei-de dizer que realmente é ele e explicar isso à ala esquerda do PS. Lá tenho o Alegre a correr outra vez e tal e tal. Bom, a questão põe-se portanto daqui a X anos, pode acontecer, pode perfeitamente acontecer, não afasto essa hipótese, também não vou ser comentador o resto da minha vida, serei durante um tempo em que me apetecer, em que sentir que sou útil e em que tiver espaço para isso. Esta opção é uma opção que só será tomada daqui a oito anos, o único problema pode haver, mas eu já o disse publicamente, é haverem imensos sociais democratas a quererem a mesma coisa, mas isso até dá a liberdade da escolha. Isso é formidável, é como num menu, de repente olha-se para o menu e na página esquerda há só um, seja Sócrates, seja Vitorino ou seja Guterres para ser divertido até podiam ser os três (Risos) e depois na página da direita aparecem três e no meio aparece para aí o José Miguel Júdice, começa na página da direita e acaba na da esquerda (Risos), bom, mas pode acontecer perfeitamente isso, não sei. Pode acontecer ou não acontecer. Estamos vivos daqui a oito anos? Quem é que sabe quem é que está vivo daqui a oito anos? E em que condições? Para ser honesto eu direi que é provavelmente o único tipo de tarefa para que não fecho a porta, todas as outras podia ter sido num determinado contexto, não foi, não morro, estou feliz. Há tipos de morrem, olha, não fui Primeiro-Ministro, que pena e tal, fico traumatizado para o resto da vida outros foram Primeiro-Ministro e ficaram traumatizados para o resto da vida também (Risos), bom, eu nem um caso nem outro, sucede, sucede, não sucede, estou feliz como professor, num momento difícil, não falámos disso, mas um dia, havemos de falar que Bolonha é um troço pesado, como dizem os brasileiros, muito complicada a adaptação a Bolonha, mas é necessária, é necessária, comentador também, é necessário e de vez em quando tenho assim umas perninhas pela mão do Carlos Coelho, olhe para você não se esquecer daquilo que é o partido e tal, você vai ver que aquela gente tem imenso valor e estão ali jovens, cheios de futuro e tal e tal, e eu lá venho aqui todos os anos, vindo e realmente são promissores, qualquer dia tenho de pedir, ainda é cedo, daqui a dez anos, temos que ver se de facto conseguiram dar voz à sociedade civil, se não conseguiram traíram o vosso mandato, que é mais importante que o meu e o Carlos Coelho quer que acabemos rapidamente, deve estar já o Valadares Tavares lá em cima. Está mesmo a chegar, bom, acabemos. Gostei muito, até à próxima.

(APLAUSOS)

JSD, JSD, JSD.

Já agora deixem-me dizer-lhes que quando eu era mais esquerdista, fazíamos, com o braço esquerdo, achávamos que era o máximo da esquerda, o Capucho e eu PSD e JSD com o braço esquerdo, pronto, agora faço com o direito, estou mais velho.

(Risos e Aplausos)

 
Dep. Carlos Coelho
Três coisas breves, o jantar começa às vinte horas como de costume, o Duarte Marques e Zita vêm para aqui fazer os procedimentos normais enquanto o Pedro Rodrigues e eu acompanhamos o Prof. Marcelo à saída, só duas notas que quero dizer ainda, a primeira, para dizer sinceramente, digo-vos porque o Prof. Marcelo não está convencido disso que o tema deste ano, os dez mandamentos em democracia, foram uma notável aula de ciência política e eu agradeço muito ao Prof. Marcelo o facto de ter aceite o convite e de o ter aceite neste formato, foi bem melhor do que ele pensa que foi. Em segundo lugar, porque ele fez uma referencia en passant que para alguns terá passado despercebida, mas merece uma resposta, e digo isto em meu nome, mas creio também em vosso nome é que nós não concebemos uma Universidade de Verão, sem a participação do Prof. Marcelo.

(APLAUSOS)

 

Duarte Marques: - Meus Senhores, vamos votar, estejam todos preparados para votar e aproveitem para mandar um olá lá para casa, para todos aqueles que estão a ver isto via Internet, é tudo cinco…Grupo Azul, Grupo Castanho, Grupo amarelo, Grupo cinzento, Grupo encarnado, Grupo roxo, Grupo Verde. Grupo laranja.

Não se atrasem para o jantar, obrigado.