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14.30 - Assembleia (simulação)
20.00 - Jantar-Conferência com o Dr Vasco Graça Moura
30-08-2007
Jantar-Conferência com o Prof. Paulo Mota Pinto
 
Pedro Afonso Dias
Muito boa noite. Foram agora distribuídas umas garrafas de sumo que eu pedia para que vocês enchessem os copos com esse sumo para fazermos o brinde. Com sumo, não fica muito bem, mas para a ocasião é bonito.

Gostava de dar as boas vindas ao Dr. Mota Pinto, e agradecer a honra que nos está a proporcionar esta noite.

A ideia do sumo, vou explicá-la: é a cor do nosso partido, e com isso bem que gostávamos de dar o símbolo e deixar a marca do nosso partido num brinde.

Também gostava de dar um abraço, não está aqui presente uma colega nossa, a colega Mariana, que ontem esteve em alta no jantar, que foi o aniversário dela, e hoje teve uma doença, não consegue estar aqui por motivo nenhum. Vou passar a ler um poema que nós escolhemos, o grupo verde:

 

Há aqueles que lutam um dia

E por isso são muito bons

Há aqueles que lutaram muitos dias

E por isso são muito bons

Há aqueles que lutam anos

E são melhores ainda

Porém, há aqueles que lutam toda a vida

Esses são, os imprescindíveis

 

Este poema é um poema de Bertolt Brecht, que foi escolhido para a ocasião, e gostava agora de pedir a todos que levantassem os copos, e brindássemos ao Dr. Mota Pinto, um imprescindível.

(Brinde e Aplausos)

 
Dep. Carlos Coelho
Senhor Presidente da JSD, Senhor Secretário-Geral da JSD, Senhor Secretário-Geral adjunto do PSD, senhores conselheiros e senhores avaliadores, minhas senhoras e meus senhores. Estamos na nossa terceira Conferência da Universidade de verão 2007, e esta é também uma conferência ditada pela avaliação dos vossos colegas do ano passado e do ano que se lhe antecedeu. Consideraram que os temas da justiça eram temas que mereciam a nossa reflexão nesta Universidade, mas não estavam previstos na nossa iniciativa do ano passado nem de há dois anos. É mais um exemplo como o exercício para que vos vamos convidar no domingo de manhã, e que de certa forma têm feito ao longo de toda a semana, é muito importante para melhorarmos esta Universidade de ano para ano.

Quero agradecer, em vosso nome, ao Professor Mota Pinto o facto de ter aceite o nosso convite e de estar aqui connosco esta noite. O Professor Mota Pinto tem um percurso político muito interessante, e um percurso jurídico também muito interessante como, aliás, viram pela biografia que distribuímos. Ele foi da JSD, e foi dirigente estudantil no ensino secundário numa lista apoiada pela JSD em Coimbra. Recentemente, terminou o mandato de Juiz do Tribunal Constitucional, e hoje já não está com aquelas inibições que resultam desse estatuto de Magistrado e está mais à vontade para poder participar em iniciativas como esta.

O Professor Paulo Mota Pinto tem como hobby, ler e ver cinema, como comida preferida, feijoada à brasileira, como animal preferido o cão, que é o animal preferido maioritário da Universidade de Verão, o livro que nos sugere é “Guns, Germs, and Steel” de Jared Diamond, o filme que nos sugere é “Forrest Gump” e a principal qualidade que mais aprecia é a inteligência e a lealdade.

Professor Paulo Mota Pinto, muito obrigado. Eu creio que, tendo pela primeira vez na Universidade de Verão, a oportunidade de ter aqui entre nós um ex Juiz do Tribunal Constitucional, faz todo o sentido, de facto, que reflictamos sobre a justiça. A justiça é considerada por muitos como uma das zonas de crise no nosso país, como um dos exemplos em que a morosidade faz anular o efeito útil das decisões, na medida em que a morosidade da justiça significa a sua denegação. Mesmo sob o ponto de vista económico (quando não encaramos a questão da justiça sob o ponto de vista das liberdades), são os empresários a dizer que o atraso na justiça tem consequências terríveis para a competitividade do país. Mas há quem diga que, um advogado inteligente é aquele que utiliza o processo, ou seja, que nós temos uma justiça formal e não uma justiça material, que a maior parte das decisões são tomadas por razão de processo e não em função da razão da matéria. E diz-se que uma generalização do recurso para o Tribunal Constitucional. O que leva que o Tribunal Constitucional seja considerado como um dos problemas para a morosidade da justiça, e não como uma das garantias de que a justiça é exercida da melhor maneira, e respeitando a nossa lei fundamental. Portanto, tendo o privilégio de termos aqui um ex-Juiz do Tribunal Constitucional, esta é a pergunta que lanço para o início da nossa conversa:

O Tribunal Constitucional ajuda a fazer melhor justiça em Portugal ou ajuda a atrasar a justiça em Portugal?

Minhas senhoras e meus senhores, connosco o Professor Paulo Mota Pinto.

(APLAUSOS)

 
Prof.Paulo Mota Pinto
Muito obrigado, boa noite a todos. Gostava de começar por agradecer este convite aos organizadores ao PSD, à JSD, uma organização em que me inscrevi pela primeira vez, vim a pensar quando me deslocava para cá, há, julgo que vinte e cinco anos, até fiquei um pouco incomodado com esse número, e vinha também a pensar porque é que esta ideia da Universidade de Verão era uma ideia que era para mim tão atractiva, pela qual quero felicitar os organizadores.

Todos nós temos a percepção, (não é de hoje, mas acentuou-se, nos últimos seis, sete anos), daquilo que se costuma designar como a crise da justiça. Tornou-se uma espécie de quase buzzword, um termo que quase é repetido constantemente, muitas vezes, algumas vezes empolado, mas eu não quero dizer que não haja. Há um fundo de verdade nisso e há problemas na nossa justiça. O principal problema é, de facto, a morosidade. Esta ideia de crise da justiça, resulta, a meu ver, e surgiu, no momento em que surgiu também devido a um embate entre a justiça e a comunicação social. Em termos muito simplificados, pode dizer-se que, a justiça, os tribunais, não estavam preparados para lidar com a comunicação social aberta, livre, concorrencial, a competir, por histórias, por escândalos, por problemas. Não estavam preparados para isso, não tinham uma política de comunicação. Há uma componente desta crise que resulta do interesse da comunicação social, mas não é evidentemente tudo, não quero dizer que não haja a crise da justiça. Há pelo menos a percepção da crise, e a verdade é que se há a percepção da crise, já há crise. Na justiça é assim, porque se as pessoas acham que a justiça não funciona, então ela não vai mesmo funcionar, porque as pessoas não vão recorrer aos tribunais, vão resolver de outra forma os problemas, ou vão, enfim, cobrar um prémio de risco mais elevado nos seus contratos, ou vão pagar uma taxa de juros bem superior por exemplo, ou recorrer a outro tipo de formas de resolução de conflitos mais caras, portanto, aqui esta percepção já um problema. E de que é que resulta esta crise? Deixando agora de lado o problema da percepção, de que é que resulta a crise da justiça? O principal factor, a principal crítica que é apontada pelos actores dos sistemas em todas as sondagens e em todos os estudos que são feitos, não é tanto a parcialidade. Em Portugal não existe propriamente um problema de parcialidade ou de corrupção judicial ou até de conflito. Tem-se acentuado nalguns momentos entre Juízes e Advogados, alguns conflito, há os conflitos típicos, digamos, fisiológicos, normais no sistema de justiça, mas o grande problema é, sem dúvida, a morosidade.

É preciso ter em conta que o tempo da justiça não é o tempo da comunicação. Isso é um aspecto muito importante, portanto, uma certa percepção da morosidade existirá sempre. A justiça tem um tempo para resolver os conflitos, o tempo da produção da prova, o tempo da dedução dos argumentos, até o tempo da reflexão da decisão, e uma coisa que confesso, algo que posso dizer que aprendi nestes anos enquanto membro de um tribunal colectivo, sobretudo naqueles processos em que era Relator, é que, de facto, nada substitui o tempo na reflexão e na ponderação para uma decisão. Aconteceu-me várias vezes, em várias questões sobre as quais tinha dúvidas, questões, por exemplo como a de saber se a indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte, tem de se estender a quem vive em união de facto ou não, e outras questões assim. Outras questões sobretudo essas que são mais divisórias e onde há problemas muitas vezes de opções. Aconteceu-me várias vezes, achar que a questão era complexa e não ter uma opinião, e passado uma semana, duas semanas, sem fazer nada por isso, não sei se me ocorreu enquanto estava a dormir ou a tomar banho, já ter uma opinião, depois foi-se pouco a pouco solidificando uma convicção, uma posição, e de facto, não é só o tempo da produção dos argumentos, não é só o tempo da produção da prova, é também o tempo da decisão. A justiça nisso é diferente da comunicação social. A comunicação social, para além do gosto pelo sangue, nunca me esqueço de uma frase que me disse uma vez um jornalista americano nos Estados Unidos “when it bleeds it leads”, sangra, vai à frente, portanto, vai à frente dos telejornais sempre, se há sangue vai à frente.

Além disso, como lutam pelas audiências, querem normalmente algo que seja a preto e branco, tomar uma posição, algo que também se designa no mundo anglo-saxónico como o “trial by newspapper”, o julgamento pela comunicação social, pelo jornal, pela imprensa, e esse tem um tempo diferente do “trial by court”, do julgamento. Portanto, há incentivos diferentes, há racionalidades diferentes, há sempre uma percepção da morosidade, mas como digo entendo que isto não esgota tudo.

Quanto aos factores reais da morosidade que existe em Portugal. Eu julgo que há, em primeiro lugar, um problema de meios, um problema de meios humanos, e sobretudo um problema da organização. Quando eu digo meios humanos, não é falta de meios, não é falta de número de Juízes, é muitas vezes um problema de formação, de técnicos que assessorem os Juizes que saibam mexer com determinados programas. Muitas vezes não é um problema que se resolva só atirando dinheiro para cima da questão. É muitas vezes um problema de formação, e é sobretudo um problema de eficiência na organização, é um problema que é no fundo um pouco o espelho daquilo que nós somos. Não somos brilhantes na eficiência organizativa, somos brilhantes muitas vezes no improviso, fazemos coisas que mais ninguém faz, e na criatividade, mas todos sabemos que maximização da eficiência organizativa, não é um dos nossos pontos mais fortes.

Eu defendo que é necessária uma abordagem (os Juízes não gostam muito de ouvir isto), mas é preciso produzir mais eficiência no sistema de justiça, uma abordagem eficientista, digamos assim. Há vários mecanismos para o fazer. Uma coisa que a meu ver é positiva: o sistema devia evoluir para permitir uma contingentação de processos. Um Juiz que tem 6.000 processos é um Juiz desmotivado, por mais que deite abaixo a montanha, a montanha vai sempre crescer, nunca vai poder fazer nada. Posso dizer que alguma da satisfação com a libertação do tipo de trabalho que tinha no tribunal é a ideia de que o trabalho não me cresce todos os dias em cima da mesa. Portanto, contingentar processos, um número máximo de processos, na medida em que isso seja possível. Julgo que era também útil que haja critérios de eficiência e prémios de eficiência. Há países onde há sistemas de classificação, as pessoas que resolvem um certo número de processos ganham mais, têm um prémio de eficiência, ou os outros ganham menos, portanto, julgo que isso é algo para que podemos evoluir sem prejuízo da qualidade. Mas, dirão, estou a fugir à pergunta, não falei ainda do Tribunal Constitucional, não quero estar a fugir a essa pergunta. É certo existe um número elevado de recursos com finalidades dilatórias para o Tribunal Constitucional.

Para quem não é jurista, e não tem esta ideia, o Tribunal Constitucional é uma espécie de tribunal do legislador entre nós. É um tribunal que aprecia a constitucionalidade de normas, não é um tribunal tanto de direitos fundamentais, também é noutros países, também é entre nós, mas não é só isso, e portanto, é um tribunal que aprecia a conformidade das actuações do legislador com a constituição, não só em termos abstractos, (e aí são os processos mais politizados, pedidos entre outros pelo Presidente da República), mas é também um tribunal que tem uma ligação com o sistema judiciário normal, digamos assim, porque em qualquer processo, qualquer pessoa pode dizer “essa norma que o senhor Juiz vai aplicar é inconstitucional”, e se a aplicar, eu vou a correr para o Tribunal Constitucional, portanto, é um tribunal que controla as normas que foram aplicadas naquele caso concreto.

Se olharmos para a nossa vizinhança, digamos assim, é um modelo que historicamente se impôs na Europa no século XX, a partir da primeira metade do século XX, e sobretudo no segundo pós-guerra, mas a ideia surgiu na primeira metade do século XX, e é um tribunal que existe em Espanha, existe na Alemanha, existe em Itália, existe com pequenas diferenças técnicas, existe esta ideia de não deixar aos tribunais comuns, e sobretudo um tribunal com uma forma de eleição e de composição específica. Há quem defenda a integração do Tribunal Constitucional por exemplo, no Supremo Tribunal de Justiça. Eu não tenho nada contra, desde que os Juizes dessa secção sejam designados de forma diferente, não sejam só os Juizes de carreira e tenham também designadamente uma componente que reflicta as mundividências. Eu não digo os apoios partidários porque a minha experiência no tribunal é de que, para a eleição é importante, (as pessoas são eleitas no Parlamento), isso se sente. Tive 9 anos para poder participar em vários milhares de processos. Eu diria que não chegaram a 100 os casos em que há uma divisão 6-7, metade para um lado, metade para outro. As coisas não são preto nem branco, nem essa lógica, mas o que acontece é que a percepção é essa, a imprensa tende a aplicar a linguagem parlamentar ao Tribunal Constitucional. Posso contar uma experiência comigo mesmo, que não me deixou muito agradado, mas que não pude fazer nada, quando foi do referendo sobre a regionalização. Uma das competências do Tribunal Constitucional é apreciar as perguntas, para ver se as perguntas são ou não são claras. Três colegas, houve três, entendemos que as perguntas do referendo sobre a regionalização não eram claras, a relação entre a primeira e a segunda pergunta (não sei se se lembram disso), mas na segunda pergunta, havia o problema de saber qual é que era a pergunta que era em concreto da sua região, e pareceu-me que não era claro o sentido, e assim votei contra e passou a pergunta. No dia seguinte o Público dizia “Juiz do PSD contra Marcelo”. Não sei quem é que …, é a leitura que fazem, é evidente que a apreciação da clareza desta pergunta não tem nada a ver com o facto de ser partidário do líder A ou do líder B, ou de ter sido eleito por um ou outro partido. Isso reflecte-se também nas decisões, raras vezes, como disse, as maiorias são 6-7.

Sobre a morosidade da justiça. Eu julgo que o Tribunal Constitucional tem tido algumas intervenções que se revelaram importantes nalguns momentos, mais recentemente por exemplo, no processo Casa Pia, em intervenções que vieram por exemplo, justificar a sua imagem de garante de certos direitos fundamentais, no caso de garantias do processo penal, por exemplo. O facto de que cada interrogado tem de poder saber no momento em que é interrogado por causa de um facto de que é que o acusam, isso é uma coisa, digamos, básica. Aquela ideia de que não vale a pena prosseguir um interrogatório porque ele nega em globo, nega globalmente, que era a ideia, então era preciso confessar para saber mais, tem havido momentos da nossa história jurídica em especial, em que essa intervenção se tem revelado importante. Portanto, estão a ver, a solução não está na abolição, já disse que existe um tribunal parecido noutros países. E quanto à morosidade, hoje, o problema da morosidade desde há alguns anos está muito reduzido. O problema da morosidade pelo recurso para o Tribunal Constitucional reduziu-se porque existe um mecanismo de decisão sumária, decisão simples por Juízo individual em que a demora é em média de três a seis meses, por cada decisão, o que pode parecer muito mas é pouco para uma decisão do Tribunal de Recurso. Haveria outras possibilidades, uma delas é, acabar com o direito de recorrer para o Tribunal Constitucional, ou melhor, conceder a um tribunal a possibilidade de só escolher aqueles casos que têm relevância. É algo que acontece nalguns outros países. Nos Estados Unidos, só aqueles casos que têm relevância transcendente, digamos assim, para toda a ordem jurídica, são decididos pelo tribunal. Tenho dúvidas sobre se a nossa cultura jurídica e a nossa qualidade estaria preparada para aceitar essa redução, seria muito criticado. E mais, até me parece que, o PSD tem aqui particulares responsabilidades, uma vez que foi, já na constituinte um dos principais contribuintes para o capítulo “os direitos fundamentais, os direitos, liberdades e garantias”.

Pondendo, eu diria que sim, o problema da morosidade com o recurso para o Tribunal Constitucional existe, há recursos dilatórios, a solução está em abolir o tribunal ou abolir o recurso? Tenho dúvidas, talvez esteja em torná-lo mais expedito ainda, mais rápido, eventualmente em conceder-lhe a possibilidade de seleccionar casos ou até de introduzir sanções para esse tipo de excedentes dilatórios, a litigância, alargar a litigância de má-fé, mas enfim, não quero entrar em questões demasiado técnicas.

Ficaria por aqui, e não vou perguntar se há questões ou se não há questões, porque tenho a certeza que vai haver questões.

Muito obrigado.

(APLAUSOS)

 
Dep. Carlos Coelho
Muito obrigado, Professor Paulo Mota Pinto. Vamos fazer da seguinte forma:

Vamos fazer blocos de duas questões, pedia para as questões serem sucintas, como peço sempre, para o Professor Paulo Mota Pinto, na medida do possível, poder responder em cinco, no máximo seis minutos a cada bloco de duas questões.

E daria a palavra, em primeiro lugar, ao grupo encarnado, Tiago Rapaz e depois, Maria João Mestre do Grupo Azul.

 
Tiago Rapaz
Boa noite meritíssimo Paulo Mota Pinto. A questão é a seguinte:

Tendo em vista por vezes uma certa, digamos assim, perseguição a certos indivíduos, que posteriormente se constata que são inocentes, no seu entender, o modo como é efectuada a acusação por parte do Ministério Público é a mais correcta ou não, e porquê? Muito obrigado.

 
Maria João Mestre
Boa noite a todos.

A pergunta do grupo azul é sobre as recentes alterações pensadas para o novo Código Penal. Tem várias inovações, como por exemplo, a responsabilização de pessoas colectivas, o caso de empresas, por crimes contra o ambiente. Estas alterações reflectem a mudança, e a mudança da mentalidade da sociedade, e a progressiva importância dada ao ambiente, e o ambiente é um tema bandeira da JSD. Sendo assim, quais serão para si as grandes inovações ou a grande inovação do novo Código Penal, e porquê?

 
Prof.Paulo Mota Pinto
Muito obrigado. Em primeiro lugar, sobre a perseguição a indivíduos perseguidos e que depois se revelam inocentes.

Julgo que está a referir-se sobretudo aos casos de erro judiciário ou de acusação errada, acusação sem fundamento. Embora defenda que não é a única solução constitucionalmente obrigatória, surgiu o problema de saber se o Estado, deve indemnizar sempre em qualquer caso quando o indivíduo depois não é acusado ou é absolvido. As normalidades do sistema distingue, porque toda a gente compreende isto, a pessoa pode ser absolvida por o crime ter prescrito, ou então porque se aplica o princípio “in dubio pro reu” ou então porque foi anulada uma prova, quando naquele momento a acusação até parecia que ia haver essa prova. Mas há quem defenda que, deve haver um sistema de responsabilização automática, sempre que a pessoa foi acusada ou foi constituída arguida até, hoje em dia, embora o estatuto de constituir arguido não tenha como sabem o sentido de um Juízo de culpa, porque a pessoa pode até pedir para ser constituída arguida, a verdade é que a percepção social desse estatuto hoje em dia é, cada vez mais, nesse sentido. Eu diria que a figura de arguido tem um sentido técnico-jurídico que não é muito aquele com que é visto na prática, e pode produzir danos também. Mas pensamos no caso do acusado, que depois é absolvido. Eu defendo que deveria haver um sistema de responsabilização automática. Tanto quanto percebi, não é, por exemplo, a posição do Presidente da República, que vetou recentemente esta lei de responsabilidade extra-contratual, embora neste aspecto o que estava em causa era, não estar prevista a intervenção do Conselho Superior da Magistratura, (do órgão que tutela os Juízes) neste tipo de processos e não propriamente, tanto quanto percebi, o facto de se possibilitar uma responsabilização em caso de absolvição. Há quem diga que não, que isto poderia ter um efeito perverso, em vez de haver mais intervenções, poderia haver era mais condenações, quer dizer, era de facto, um efeito perverso. Mas defendo que esta é uma solução, não se compreende que a pessoa a quem foi retirada a liberdade pelo Estado ou que foi acusada e depois vem a ser absolvida, não tenha direito a uma reparação entre nós. Para os novos juristas só tem direito a uma reparação quando há um chamado erro grosseiro, ou quando a precisão foi manifestamente ilegal. Pois, há o problema de saber o que é o erro grosseiro. Mas, portanto, isto quanto à responsabilização. Agora pergunta-me:

A forma como é feita a acusação pelo Ministério Público é a mais correcta?

Bem, eu sou contra as generalizações, não posso dizer que se é sempre em geral a mais correcta ou não é. Não posso nesse sentido responder à sua pergunta. Há casos e casos, depende, mas de facto, muitas vezes é estranho que haja hostilações dentro do próprio Ministério Público, hostilações, voltas de 180 graus quase, não é? O Ministério Público também é uma magistratura que também tem alguma pluralidade, há diferenças de opinião também. Eu diria que o problema muitas vezes está na coordenação dentro do Ministério Público,

Sobre o ambiente e a responsabilidade das pessoas colectivas. Eu não sou penalista, e portanto, não quero estar a apreciar individualmente cada, mas gostava de, a propósito do ambiente, e da responsabilidade das pessoas colectivas, dizer algo. O problema não se põe só no ambiente, o problema parece claro que se põe em relação à generalidade das sanções pecuniárias, que tem a ver com a sua eficácia preventiva. Eu julgo que também aqui é preciso uma abordagem eficientista. Há pessoas que não gostam disto, no mundo jurídico, mas de facto, uma empresa ou até mesmo um indivíduo quando pára mal o carro, tende a fazer mesmo que inconscientemente aquele raciocínio, a multa multiplicada pela probabilidade que eu seja apanhado custa-me X, e isto vai-me custar cem Euros a multa, mas eu tenha uma probabilidade de 0,1 ou de 1% de ser apanhado, isto custa-me um euro só parar aqui o carro, o parquímetro custa-me dois euros, vou parar... Isto não é algo que, inconscientemente as pessoas tendem a fazer isto, e portanto, o que me parece claro é que as sanções pecuniárias, as multas para infracções ambientais têm de ser dissuasoras, e tem de haver um mecanismo de remoção dos lucros, a chamada “faute lucrative”, a culpa lucrativa tem de ser combatida, e pagar a reposição, quando há danos causados. No caso dos danos ambientais, não só, pagar a reposição, como também remover os lucros, a meu ver, a eficácia preventiva também não se satisfaz só com a reposição, porque a reposição pode não ser suficientemente dissuasora. Acho que este aspecto é fundamental, tem de haver uma certa flexibilidade que permita decretar a remoção dos lucros, o problema, aliás, não se põe só no ambiente, põe-se por exemplo também, na utilização da imagem alheia, ou na difamação, pode não ser necessariamente crime, mas o crime compensa, porque as pessoas fazem essa probabilidade de ele ser accionado, multiplicado pela indemnização que vão ter que pagar, isto custa-me tal, e é se tiver que pagar uma indemnização, portanto, vale a pena porque eu vou ter lucros de X, que é o dobro ou o triplo. Há quem não goste muito deste raciocínio, mas esta é a meu ver, a realidade. Julgo que tem de haver mecanismos de flexibilização que permitam ao Juiz decretar a remoção dos lucros e sanções dissuasoras.

 

Dep. Carlos Coelho: - Grupo bege, Joana Ribeiro e, depois Márcio Ribeiro do Grupo castanho.

 
Joana Ribeiro
Boa noite a todos. Boa noite Doutor Mota Pinto, bem-vindo à Universidade de Verão 2007.

Ora bem, a minha pergunta é simples:

Em que medida, e isto atendendo à sua experiência profissional e atendendo a que deve conhecer a Constituição e o espírito da Constituição muito bem, assim, atendendo à sua experiência profissional, em que medida pode a própria Constituição tornar a justiça em Portugal mais célere, mais rápida, mais eficaz?

Pode ser ou não um entrave a essa justiça rápida e eficaz, e que mecanismos poderá a própria Constituição criar para tornar a justiça mais célere, rápida e eficaz?

 
Márcio Ribeiro
Santas noites. Brevitatis causa, cumprimento todos os circunstantes e o Senhor Professor também. Mercê do seu percurso no Tribunal Constitucional, onde deixou uma imagem de marca e de excelência...

 

(Um minuto inaudível)

 

funções de guarda e garante de princípios elevados às altas cumeadas do texto constitucional, o que se faz por apelo é critérios jurídico-constitucionais. Acontece que, por vezes, as parangonas noticiosas dão nota de verdadeiras contagens de espingardas entre os Juízes em que o que parece valer não são critérios de verdadeira juricidade e legalidade, mas sim de critérios de proveniência, ou melhormente dito, de obediência ao partido que indicou esses mesmos Juízes. De resto, o equilíbrio e a prudência que é pedra de toque na designação do Juízes do Tribunal Constitucional, foram recentemente colocados em causa com a actuação do nouvel Ministro Rui Pereira, e isto digo-o sem qualquer rebuço, deslustrou a própria instituição e a democracia.

Estamos em um tempo em que até para exercer a função de cantoneiro de vias municipais se exige um qualquer cursilho. O que eu pergunto ao Senhor Professor é o seguinte:

Concorda com o actual regimen de escolha dos Juízes para o Tribunal Constitucional, ou não seria melhor doutrina fazer apelo a critérios de estrita exigência e rigor à laia daquilo que acontece nos tribunais comuns?

O Senhor Professor já aflorou a questão, eu pedia que aprofundasse, tendo em conta estas considerações que acabei de expandir? Muito obrigado.

 
Prof.Paulo Mota Pinto
Bem, eu vou começar pela primeira pergunta.

A própria Constituição pode tornar a justiça mais célere. Bem, eu não sou um partidário da constituição como remédio para todos os males, nem do discurso do excesso de garantismo, e estas duas afirmações já respondem em grande parte à sua pergunta.

Começando pelo chamado excesso de garantismo: foi um discurso que se tornou algo popular entre nós. Recordo-me por exemplo, quem falava muito nisso, o Procurador-Geral Cunha Rodrigues, dizia que havia excesso de garantia. A meu ver, isso é uma falsa ideia simples, não é assim. Podem as garantias ser mal utilizadas, pode haver abuso das garantias, mas não me parece que haja excesso de garantismo, como aliás, outros casos têm vindo a revelar. Eu já falei num caso, algo que parecia impossível entre nós, mas que é verdadeiramente Kafkiano, então um interrogatório perante um Juiz, a pessoa que nega globalmente não tem direito por isso a saber do que é que é acusada? Porque como nega globalmente não é preciso dizer mais nada. Isto é Kafkiano, aquilo, o Josef K, a personagem do processo de Franz Kafka, aquilo que mais se queixava é que não sabia do que é que o acusavam, e a certa altura responde-lhe um funcionário: “ah no nosso Tribunal ninguém conhece a acusação antes da sentença”. É mais ou menos isso, de facto, não sou partidário do discurso do excesso de garantismo, por aí a Constituição não resolve o problema, eliminando, alterando o artigo 32, diminuindo as garantias do Processo Penal. A meu ver não é também abolindo ou eliminando o Tribunal Constitucional que o problema se resolve. A meu ver a nossa justiça carece de uma abordagem eficientista como já disse, também dos diversos actores, e de formação dos actores do sistema, e carece também de alguma possibilidade do sistema aplicar sanções a quem utiliza expedientes meramente dilatórios. A Ordem dos Advogados tem vindo a aplicar essas sanções mais frequentemente, julgo que não são problemas que sejam resolvidos a um nível constitucional. É claro que podíamos, transpondo a sua pergunta por exemplo para o sistema económico, (não quero estar a desenvolver muito isso agora), há por exemplo a questão dos despedimentos sem justa causa, talvez pudesse contribuir para a criação de emprego, a pessoa poder limitar-se a indemnizar e não ter que integrar, talvez isso facilitasse a criação de emprego, mas eu em geral, não sou um partidário.

Normalmente, a questão constitucional é uma manobra de diversão, e é por isso que é utilizada por partidos que são especialistas em manobras de diversão, portanto, com isto já digo tudo. É a resposta que eu daria à sua pergunta.

Em relação à segunda pergunta, eu não vou responder, não vou começar brevitatis causa, porque a sua pergunta exige-me várias considerações.

Bem, eu gostava de dizer, que a opinião pública tende a colar aos Juízes do Tribunal Constitucional e a imprensa também, rótulos partidários. Já dei um exemplo, que se passou comigo. Evidentemente, até porque a minha posição era contrária à posição do partido que me tinha apoiado naquele caso, era uma decisão que não tinha nada a ver com influências partidárias. E mais, posso dar esta experiência também, durante os 9 anos que fui Juiz do Tribunal Constitucional, não tive uma única vez que seja um contacto, no caso de Presidente ou sequer de um outro militante partidário por causa de um único processo. Mas há um pouco a ideia de que as pessoas telefonam para querer influenciar. Os partidos não escolhem as pessoas, à sorte, não lançam dados, não escolhem pessoas que tenham mundividências, opiniões sobre a vida, sobre a economia, contrárias àquelas que eles próprios defendem, isso é lógico, deve ser assim. Se houvesse agora uma deslocação, no sentido liberal, ou no sentido mais estatizante ou no sentido mais conservador, geral da nossa sociedade, vamos supor, eu acho normal que isso se reflicta na escolha de um tribunal, que é o Tribunal do Legislador, tal como se reflecte no Parlamento, não necessariamente em obediência político-partidária, mas porque a mundividência das pessoas que são escolhidas tende a corresponder, (a não ser quando há erros de casting), às ideias das pessoas que as escolheram. Há questões transversais, há muitas questões, por exemplo o aborto, é um caso típico de uma questão transversal. Eu sei que esta posição não é a mais fácil de explicar ou a mais fácil até de aceitar, nem é a que vende mais, é por isso que a imprensa utiliza a outra, é um pouco como o sangue “when it bleeds it leads”, quer dizer, aquilo que vende mais, e tende a fazer essa leitura, a grelha de leitura é um pouco essa. É claro que, o trânsito de pessoas, de política para o Tribunal Constitucional e o contrário é negativo. Critico isso. Defendo que o Tribunal Constitucional não deve reportar ao Parlamento, sempre me opus a isso, não quero estar a revelar segredos, mas houve vários cooptações, o Tribunal Constitucional é constituído por dez Juízes eleitos cooptações, sempre me opus determinantemente a que se recrutassem Juízes no Parlamento, ou que tivessem uma carreira activa política recente. Defendo, pelo contrário, que também não deve haver um imediato trânsito, mesmo depois de um mandato, pelo menos imediatamente para a política. É claro que isso está um pouco atenuado hoje pelo facto de a pessoa não poder ser reeleita. Como não pode ser reeleita, no final do mandato é um pouco diferente, a meu ver, mas acho que falou do caso do actual Ministro da Administração Interna, que a meu ver é um caso infelicíssimo. O próprio Presidente do Tribunal numa entrevista que deu disse “os mandatos são para cumprir até ao fim”. É um caso infelicíssimo porque, independentemente de expectativas que a pessoa em causa tivesse poder de vir a ser ou não vice-presidente do Tribunal, isso é uma questão que se discutia lá dentro. Isso não interessa, mas também é do domínio público, não estou a dizer nada que seja secreto. É claro que tendo sido eleito há dois meses e sair, eu não me consigo lembrar de nenhuma justificação mais forte do que dizer “fui eleito há dois meses para o Tribunal Constitucional” para recusar um cargo, o convite mesmo para Ministro. Lamento ter de o dizer, o problema não está só na aceitação, está em quem convida, porque é evidente que não se vai convidar uma pessoa que se indicou há dois meses para Juiz do Tribunal Constitucional. Esse é que é o ponto, mostra que a visão institucional, a visão institucionalista desta pessoa não é brilhante, mostra que há um pouco até, uma visão instrumentalizadora, ele já se revelou noutros aspectos, mas eu não quero estar a desenvolver isso, há uma visão instrumentalizadora, de facto, este é um aspecto bastante negativo da nossa prática recente, tem toda a razão. Julgo que, é injusto generalizá-lo. E quando fala das qualificações, também me parece injusto, porque, excluindo o meu caso, já é passado, a generalidade dos Juízes do Tribunal Constitucional têm qualificações bastante superiores às da generalidade dos Juízes dos tribunais comuns. Bem, desde logo, têm sido todos recrutados no campo académico, e normalmente, enfim, também não é sempre assim, os académicos nem sempre têm qualificações superiores, mas muitas vezes é assim, até por uma exigência de nota, enfim, tem sido académicos, num ou outro caso houve um advogado.

Portanto, não me parece que se diga critérios de estrita exigência e rigor, e depois, a meu ver, é errado, é até ingénuo, achar que um Juiz por ser Juiz, por ter sido, digamos, tocado pelo dom da Juris Dictio, de ter passado pelo CEJ dois anos, é uma pessoa que está fora do mundo, que é apartidário, que não tem quaisquer simpatias políticas, isso também pode acontecer com um Juiz de carreira. Há um aspecto que talvez nos devesse pôr de sobreaviso quanto a essas críticas. Normalmente essas críticas, e algumas até dentro do nosso partido ou de militantes do nosso partido, vêm de pessoas que são tocadas negativamente por algumas decisões do Tribunal. Quando alguém diz “bem, o Tribunal é um tribunal com competência política, devia ser abolido e tal”, é porque normalmente as decisões não agradam. Isto não é só dentro do nosso partido. Eu não concordo com a ideia de que, o sistema de recrutamento devia ser diferente, na generalidade dos países, em Espanha, em Itália, na Alemanha, onde há um Tribunal Constitucional. O sistema é parecido, talvez não seja só emanação do Parlamento, mas isso entre nós tem uma explicação histórica. Para quem não conhece, a explicação está, no confronto que existia em 82, entre o Presidente da República e o Parlamento. O Presidente da República chegou a querer indicar alguns, e até há quem diga que na história inicial, no início, nos primórdios do Tribunal Constitucional, o Presidente da República (na altura o General Ramalho Eanes), criou algumas dificuldades, o problema era o sucessor do Conselho da Revolução e da Comissão Constitucional. Por outro lado, ele queria ter tido a possibilidade de indicar Juízes, por virtude daquela tensão que existia naquele momento. O Tribunal Constitucional é uma peça essencial, da civilização do poder, no sentido da transferência do poder para a sociedade civil, fora dos militares, e portanto, por esse contexto histórico, de facto, entre nós, ao contrário do que acontece nalguns outros países, em Espanha por exemplo também há o Senado, mas lá há duas Câmaras, em Itália o Presidente da República também indica alguns Juízes. Entre nós o sistema que se encontrou foi um pouco diferente, dez eleitos pelo Parlamento, e esses dez escolhem três. Tem-se conseguido encontrar sempre um equilíbrio. Há casos em que evidentemente, eu não falo de contagem de espingardas, não gosto muito dessa expressão desde logo, mas há casos em que as posições das pessoas são conhecidas. Um caso recente aconteceu a propósito do referendo do aborto. Houve quem dissesse que a renovação do Tribunal, (foi até denunciado pelo nosso partido), estava a ser atrasada por causa da decisão sobre o referendo, mas aí é preciso ver que a grande maioria das pessoas, já se tinha pronunciado sobre a questão em 98, já era conhecido, e portanto, já se tinham pronunciado sobre a questão também a propósito do referendo, a pergunta tinha sido controlada recentemente, mas o que estava em causa era de saber se depois a Lei era ou não constitucional.

Como vêem eu não pude ser breve na resposta à sua pergunta. Eu discordo duma alteração do regime de escolha, acho que ia causar mais conflitos, e ia causar um conflito, a meu ver, muito mais grave provavelmente, que poderia acentuar o conflito entre o poder judicial e o poder político. Prefiro viver com essas leituras e com essas especulações do que com esse potencial e possível confronto que está latente e muitas vezes também existe entre o poder judicial e o poder político. A ideia de república dos Juizes é algo de que eu não sou propriamente partidário. Muito obrigado.

 
Dep. Carlos Coelho
O Professor Mota Pinto perdoará que eu meta uma acha na fogueira para dizer o seguinte: nós tivemos uma aula sobre o Estado dada pelo Deputado Luís Marques Guedes, o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, que recordou aquela frase da constituição americana do governo do povo, pelo povo e para o povo. E em bom rigor, durante um momento da História portuguesa, o povo português pôde eleger os seus representantes para a Assembleia da República, e portanto, tínhamos um poder legislativo legitimado, (Deputados que eram eleitos e que aprovavam as leis). Ninguém punha em causa a natureza democrática desse poder e a sua legitimidade, mas as leis desse Parlamento, da Assembleia da República, estavam condicionadas a um órgão que decidia se as leis estavam ou não de acordo com a Constituição, e esse órgão era a Comissão Constitucional do Conselho da Revolução. O Conselho da Revolução exercia uma tutela militar sobre o regime, os militares que fizeram a revolução nomearam uns senhores que diziam se as leis aprovadas pelo parlamento eleito pelos portugueses estavam ou não de acordo com os princípios gerais da Constituição, e com a interpretação que eles faziam desses princípios. Isso, a vossa geração não viveu, mas a minha viveu. A criação na constituição do Tribunal Constitucional, com Juízes que não eram impostos pelo poder militar, mas resultavam da sociedade civil e do poder democrático, desde logo do Parlamento, com uma maioria qualificada de dois terços, era a garantia que não tínhamos uma pata militar sobre o regime, e que a vontade dos portugueses podia ser expressa legitimamente. Foi uma conquista muito grande.

 Eu admito que para a vossa geração hoje discutir a forma de eleição do Tribunal Constitucional é uma coisa chata, por dois terços, não é dois terços, são os Juízes de carreira, não são os Juizes de carreira, são Juízes de reconhecido mérito, não são… Para nós foi uma conquista, porque foi uma condição de liberdade, e isso faz toda a diferença num povo, sobretudo num povo que se respeita a si próprio.

Grupo laranja, Pedro Pimpão.

 
Pedro Pimpão
Boa noite Professor, obrigado por estar aqui entre nós, confesso que é um prazer especial para mim ter sido escolhido pelo grupo para lhe formular a questão, já que venho de Pombal, terra que está eternamente grata para com uma pessoa que foi um dos filhos mais emblemáticos daquela terra, um notável académico, um brilhante político, Carlos Alberto Mota Pinto, foi Presidente do Partido, foi Primeiro Ministro de Portugal. Já nos conhecíamos, quis fazer esta pequena referência não só pelo facto de ser de Pombal, mas como falámos aqui na Universidade de grandes portugueses e de referências do nosso percurso político e percurso profissional, Mota Pinto é, sem dúvida, uma delas.

Professor, poder-lhe-ia fazer inúmeras questões sobre a justiça portuguesa, dado o descontentamento que existe na nossa sociedade, muitas seriam as questões formuladas sobre os pecados da justiça, sobre os problemas da justiça, mas achei que lhe devia fazer um desafio:

Então imaginemos que o Partido Social Democrata ganhava as eleições legislativas, era convidado a formar Governo, e o Primeiro-ministro saído vencedor dessas eleições, seu nome Carlos Coelho, o convidava para desempenhar a estóica missão de ser o Ministro da Justiça. O Professor qual era a primeira medida que tomaria como titular da pasta?

 
Dep. Carlos Coelho
Pedro é um amigo hein…, mas os meus amigos preferem ver-me em Bruxelas. E eu estou verdadeiramente empenhado que em 2009 regressaremos ao governo e o Presidente do PSD, o Dr. Marques Mendes vai ser o Primeiro-ministro.

 

Andreia Barreira. Grupo cinzento.

 
Andreia Barreira
Boa noite a todos. Quero começar por agradecer ao Professor Mota Pinto pela sua presença neste jantar, e em nome do grupo cinzento, gostaria de lhe colocar a seguinte questão:

Dados os casos bem recentes nos meios de comunicação social, qual a sua opinião acerca das eventuais promiscuidades entre algumas autarquias locais e o Ministério Público, e ainda o facto de muitas vezes a comunicação social se antecipar à investigação da nossa polícia? Obrigada

 
Prof.Paulo Mota Pinto
Bem, eu agora desta vez vou começar pela segunda pergunta.

Agradecendo a primeira, mas vou começar pela segunda pergunta, porque sinceramente nunca tinha pensado na primeira. Começando pela segunda pergunta, eu diria que, em relação às promiscuidades referidas entre autarquias locais e o Ministério Público, é mais um caso em que eu tenho alguma dificuldade na generalização. Como se sabe isso deu até origem a alguns processos, até acusações de processos, mas eu não excluo que em certos meios mais pequenos possa o facto de magistrados do Ministério Público lá colocados há bastante tempo possa levar a alguma proximidade. Têm-se vindo a avolumar as dúvidas sobre o modelo do Ministério Público que temos entre nós. Diz-se que este modelo é justificado por causa da independência em relação ao governo, e que pode ser necessário por exemplo investigar o Primeiro-ministro, mas recentemente tivemos aquele inquérito e, a conclusão foi que ele tinha sido prejudicado. Não quero estar-me a pronunciar sobre o caso concreto, não sei se foi ou não, mas de facto, a independência reflecte-se na prática. Não será melhor assumir essa dependência? Há quem defenda isso, e de facto, não será melhor assumir e o Procurador ser de facto, dependente ou indicado pelo governo, aumentar as possibilidades de a acção penal poder ser exercida também por particulares ou poder haver queixa que dê origem, no fundo, quebrar um pouco este monopólio da acção penal que tem o Ministério Público ou pelo menos conseguir um mecanismo que permitisse alargar essa possibilidade.

Em relação à comunicação social, o problema é diferente. O problema é que, eu tenho alguma experiência disso, infelizmente, porque isso aconteceu, não muitas vezes, mas aconteceu em alguns casos também enquanto desempenhei funções no Tribunal Constitucional.

O problema é que, sobretudo em processos que passam por várias mãos, é muito difícil, designadamente em tribunais colectivos, mas não só, manter o segredo, manter a confidencialidade, nem sempre a comunicação social se tem interessado no caso do tribunal geral com correcção, de vez em quando tem havido notícias que não são correctas.

A minha aproximação ao segredo de justiça: (não quero estar a fugir à questão), a não ser que seja, de facto, estritamente necessário, quanto menos segredo melhor. Porque quanto menos segredo houver menos possibilidades há de violação. De facto isso é mais um caso de concorrência entre a comunicação social, podemos muitas vezes perguntar quais são as motivações das pessoas que passam estas notícias, para além de terem motivações políticas elas próprias. Acho que é dos aspectos que mais tem em muitos casos desprestigiado a justiça, o facto de alguns jornalistas, alguns jornais poderem saber antes qual é o resultado, ou se anteciparem. Embora reconhecendo que isso é difícil, acho que é preciso ser combatido.

Quanto à famosa primeira medida, fazendo então esse exercício hipotético, eu tomaria alguma medida neste sentido que referi na promoção da eficiência dos tribunais deste tipo contingentação de processos ligados a prémios de, enfim isto devia ser algo articulado em coordenação com o Conselho Superior da Magistratura. Por um lado contingentação, os Juizes sabem que não têm mais de X processos, é preciso ver a quem são alocados, a quem são afectados os que sobram, isso é uma questão. Por outro lado, a introdução de um sistema de ligação entre produtividade e os benefícios, a remuneração. Acho que isso é um aspecto importante, os Juízes não gostam disto. Há muitos juristas que não gostam disto, acham que é uma abordagem digamos produtivista ou eficientista do sistema, há aspectos qualitativos importantes, mas tudo isso pode ser considerado num sistema bem desenhado, bem concebido de incentivos à eficiência. Nem todos os processos são iguais, há uns que dão mais trabalho do que outros, etc., a qualidade da decisão também deve ser avaliada, embora com respeito pela independência do Juiz. Digamos que a primeira medida, se o Primeiro Ministro concordasse evidentemente, seria algo neste sentido.

 

Dep. Carlos Coelho: - Inês Cabrita, grupo roxo e, depois, Joana Aranha do Grupo rosa.

 
Inês Cabrita
Boa noite. Em nome do grupo roxo, gostaria de agradecer a sua presença, e temos a seguinte questão para lhe colocar:

A Constituição foi votada por maioria simples com base numa plataforma imposta pelo MFA. Curiosamente só pode ser revista por maioria qualificada, e estabeleceu limites rígidos à sua revisão. Sempre que o PSD é governo, o nosso programa político é travado por disposições constitucionais. No entanto, não há outra via para rever a Constituição que não o acordo com o PS. Considera exagerado afirmar que esta situação configure num verdadeiro sequestro do poder constituinte originário com graves consequências sobre o desenvolvimento sócio-económico do país? Obrigado

 
Joana Aranha
Boa noite a todos. O grupo rosa gostaria de expor a seguinte questão:

Como é que o Dr. classifica os recursos humanos e físicos ao serviço da justiça, e qual a sua influência no sistema judicial?

 
Prof.Paulo Mota Pinto
Agradeço mais estas duas questões, até porque nenhuma delas formulou aquela hipótese e me deixam um pouco aliviado, digamos assim. (Risos)

Em relação à primeira, que no fundo era uma questão que, confesso, eu tinha pensado que poderia ser abordada aqui, é uma questão interessante, embora me pareça que já tomou uma posição. Há uma afirmação na sua pergunta que indicia isso, é a questão de saber se há ou não uma questão constitucional no centro do nosso sistema que seja um entrave ao desenvolvimento.

Ora bem, na visão que tenho a Constituição deve ser um quadro, um marco, uma moldura, suficientemente abrangente para permitir que os diversos partidos dentro, evidentemente, dos limites, com respeito pelos direitos fundamentais, etc., levem a cabo os seus programas, actuem os seus programas.

Esta ideia de moldura, aliás, exprime-se na própria etimologia que os americanos por exemplo utilizam, os framers, aqueles que emolduraram o regime.

Todos nós sabemos que pela contingência do período em que foi elaborada a nossa Constituição, esta evolução da Constituição foi, digamos, desviada, foi apropriada designadamente pela esquerda não democrática em colaboração, na altura, com sectores militares e pretenderam fazer da Constituição, não uma moldura suficientemente ampla para permitir todos, mas a ideia de uma constituição programática. Há até a ideia que costuma ser muito citada do título da tese do Professor Gomes Canotilho, constituição dirigente, curiosamente, ele próprio veio a rever mais tarde essas ideias no Brasil, há juristas que falam do Canotilho Um e do Canotilho dois, o dois que já não seria partidário da Constituição dirigente. Basta ler a Constituição de 1976 para perceber que está cheia de disposições limitativas. Já não falo dos limites materiais, aquilo que os brasileiros falam como cláusulas pétrias ou a cláusula da eternidade, a irreversibilidade das nacionalizações, a transição para o socialismo, a apropriação colectiva dos meios de produção, etc., etc.-, etc., a reforma agrária, uma série de aspectos.

Na altura, é preciso ter isto bem presente, porque se não se compreender este contexto histórico, não se percebe porque é que a Constituição saiu, a alternativa realista no momento em que foi feita a constituição, a questão que se punha era, vai ou não haver eleições livres no final do período do mandato da Assembleia Constituinte?

Vai ou não (enfim, isto era um verão quente), o MFA e o Partido comunista, as forças que estavam ao seu serviço permitir que haja eleições livres, ou há aqui uma espécie de tentativa de fazer o que se tinha feito do lado de lá da cortina de ferro, na Hungria, na Checoslováquia, etc., há uma tentativa de transformar o nosso país numa república socialista, uma república sem uma verdadeira democracia multipartidária? Foi necessário fazer um compromisso. Muitas vezes o PPD, o PSD é criticado pela direita por ter votado a Constituição.

Bem, é claro, quem não votou a Constituição na altura também não tinha a responsabilidade de garantir que o regime chegasse a eleições livres. Compreende-se no caso do CDS, houve uma fase em que nem podia fazer comícios, todos nos lembramos disso. Nem sequer tinham liberdade suficiente para fazer comícios, eram perseguidos se faziam alguma manifestação pública. Portanto, na altura o que era preciso era, o que era fundamental (havia o essencial e o acessório)? O essencial era chegar às eleições, porque o princípio democrático permitiria mais tarde como de facto veio a permitir, corrigir as distorções e das soluções do sistema. O que acontece, por virtude do contexto, do PREC, a nossa Constituição (não gosto muito de utilizar esta expressão que tem de facto certas conotações), mas foi uma força de bloqueio do nosso desenvolvimento durante muito tempo, de facto foi. Só as sucessivas revisões de 82 e sobretudo de 89 vieram permitir transformar, retirar. A primeira revisão permitiu terminar com esta tutela militar de que falava o Carlos Coelho, e a segunda revisão veio designadamente acabar com a irreversibilidade das nacionalizações, permitir, no fundo, a opção clara pela economia de mercado, mas foi tarde, foi tarde. Uma coisa que muitas vezes nós não nos lembramos quando pensamos que estamos atrasados no sistema: a nossa lei das privatizações é alguns meses posterior à da Hungria, é curioso, é um aspecto que nós muitas vezes não nos lembramos, pensamos que vimos muito mais de trás, sim, mas tínhamos a Constituição, tínhamos este lastro. É claro que já se tinha aberto com a delimitação dos sectores, tinha-se permitido que os privados entrassem até 49% nalguns sectores, mas de facto, acho que isto diz muito, a Hungria, uma república na altura socialista só depois da queda da colina de ferro é que se tornou numa democracia, optou pela economia de mercado. A lei das privatizações da Hungria é anterior à nossa, só para vermos o lastro que a Constituição foi em termos económicos entre nós.

Transportando isto para o momento actual, eu não sei se se pode dizer que o programa do Partido Social democrático é sempre travado pela Constituição quando está no poder. Eu diria que há aspectos, a meu ver já disse aquele que é mais claro, é o problema da obrigação da reintegração do trabalhador-despedido. Eu não sou nada um perigoso neo-liberal. Eu nem gosto muito da expressão porque acho que houve recentemente um movimento justificado no sentido de maior liberalismo da economia e é algo que é preciso compreender, há uma diferença de contexto também em relação aos anos setenta e aos anos oitenta claramente, a evolução histórica foi nesse sentido.

Mas é preciso entender que obrigar a reintegrar pode significar e normalmente significa criar menos empregos. Eu tenho perguntado a pessoas que negoceiam com empresas, há lá fora outros que negoceiam com empresas que querem investir em Portugal, por exemplo é interessante perguntar por exemplo a pessoas que estão nas embaixadas, quais são as coisas que as empresas que querem investir cá perguntam? O que é que eles perguntam?

Perguntam: gente qualificada há?

Por exemplo, empresas, uma empresa de medicamentos, farmacêutica, há pessoas qualificadas, farmacêuticos, etc.? perguntam: protecção de direitos da propriedade intelectual, existe?

Se houver lá eventos, as minhas marcas vão ser patenteadas?

As minhas patentes vão ser patenteadas?

O sistema de justiça, importante também.

Perguntam: e se eu contratar, vou poder despedir se não estiver satisfeito com as pessoas?

Bem, uma coisa é poder despedir e indemnizar, outra coisa é nem poder despedir. É evidentemente diferente, e portanto, isto previne a criação de emprego. Para salvarmos muitos dos que têm emprego, deixamos muitos fora. É uma protecção dos que estão dentro contra os que estão fora, contra os que ficam à porta, é um efeito mais difícil muitas vezes de entender. Sem dúvida que nos despedimentos sem justa causa eu seria favorável a uma alteração da Constituição nesse ponto, ou seja, admitir que a segurança no emprego é satisfeita com a indemnização em caso de despedimento sem justa causa.

Há tempos houve uma polémica de despedimento por motivos ideológicos, etc., não é isso que está em causa. Quando há divergências ideológicas, foi claramente uma importação muito infeliz de um membro de uma associação empresarial, quando há uma divergência ideológica, nesse caso não deve ser motivo de despedimento, mas o problema que se põe é saber se há ou não obrigação de reintegrar. Julgo que o artigo 53º mereceria ser revisto.

Em geral, não me parece que a Constituição possa ser considerada um travão sistemático à implementação, à realização dos programas.

Mas um regime democrático onde há separação de poderes como o nosso, é um regime onde o poder não está concentrado num mesmo partido, ou no mesmo órgão. Não é o Parlamento que pode fazer tudo nem é o Presidente que pode fazer tudo, ou o governo que pode fazer tudo, há um sistema de, o que chamam os americanos de “checks and balances”, freios e contrapesos, e há divergências de opiniões. Por isso é que é importante que haja uma legitimação de quem exerce esse contrapeso, a meu ver, é melhor que alguém legitimado pela Assembleia da República ou de órgãos democraticamente eleitos do que seja alguém que não tem legislação democrática, Juizes de carreira. Não quero voltar à questão anterior, mas portanto, há algo que é fisiológico, que é normal a um sistema onde o poder está distribuído, o poder não está todo concentração, a concentração do poder é a raiz do totalitarismo, e temos de ter isto bem presente. Portanto, nós não podemos dizer, nós fomos eleitos, temos maioria absoluta, vamos fazer tudo. Não, pode haver pessoas que foram eleitas por dois terços, mesmo quando se tem dois terços pode haver problemas, e nós tivemos um caso recente bem ilustrativo em Timor Leste, mesmo quando se tem dois terços, isso pode não justificar tudo. A maioria absoluta não é tudo, porque para rever a Constituição é preciso dois terços, para eleger Juizes para o Tribunal Constitucional é preciso dois terços, portanto, há algo que é fisiológico, que é normal, que é comum a um sistema que é a divergência de opinião. O governo quer levantar o segredo bancário em certas circunstâncias, entende que isso não é inconstitucional, mas o Tribunal Constitucional tem alguma sensibilidade aos direitos mais antigos e usou os seus poderes. Não é um caso com um governo do PSD, foi um caso recente que aconteceu com este governo, o levantamento do segredo bancário em caso de reclamação automática. O governo entendia que isso não era inconstitucional, concedendo pouca importância aos interesses contrapostos, mas à eficiência tributária, à necessidade de a administração fiscal poder responder às reclamações, etc., e detectar a fraude fiscal. Mas é claro que o levantamento automático do segredo bancário, algo que foi julgado inconstitucional recentemente pelo Tribunal Constitucional, é um dissuasor, levava as pessoas a não reclamar, porque quem reclama vê logo o segredo bancário levantado, é o efeito automático da sua reclamação. É um caso típico de uma divergência de opinião, em que, a meu ver, a maior sensibilidade a direitos, liberdades e garantias de um órgão como o Tribunal Constitucional, levou a que se julgasse inconstitucional esse regime.

Portanto, não se deve confundir o entrave, a dita força de bloqueio com algo que é normal, comum, fisiológico no sistema, que é a separação de poderes, os “checks and balances”, os freios e contrapesos. Estou a alongar-me muito na primeira pergunta, mas não me parece que se possa dizer que há uma ditadura do poder constituinte originário sobre o legislador. A ideia da Constituição é um pouco essa. Não fica tudo ao dispor da política quotidiana do legislador, há uma moldura, há um frame, há uma moldura da qual as pessoas não podem sair, só poderão sair com dois terços.

Quanto à segunda pergunta: recursos humanos.

Bem, eu já disse algo sobre isto na minha primeira intervenção. Como classifica?

Eu julgo que o maior problema não é um problema de números, é por isso que aquelas estatísticas que dizem “ah, nós não temos um número de Juízes inferior ao número da maioria da Europa, ou o número de técnicos”.

O problema muitas vezes não é um problema de número, de quantidade, de oficiais de justiça ou de Juizes, é um problema de formação, de lhes dar instrumentos e de formação para terem actuações eficientes, das regras com que actuam serem eficientes, é preciso um estudo ou uma actuação que detecte quais são as áreas do sistema...

 

(Um minuto inaudível)

 

(...), portanto, eu não iria proceder a uma classificação dos recursos humanos, como foi pedido, mas só iria acentuar este aspecto da formação, e não sei se me alonguei demais, mas estas perguntas eram particularmente interessantes. Muito obrigado.

 
Dep. Carlos Coelho
Professor Paulo Mota Pinto, há uma tradição na Universidade de Verão que é deixarmos a última palavra ao nosso convidado, portanto, esta é a última oportunidade de eu ter o microfone comigo, e perdoará que faça alguns avisos, o primeiro é aos fumadores, alguns dos não fumadores queixaram-se que nos jantares há excesso de fumo na sala. Eu não sou fumador, nunca fui, mas não tenho nenhum problema com o fumo, mas reconheço que pode haver problemas para outros, portanto, pedia aqueles que não conseguem reprimir a vontade de fumar, que é o exercício de um direito que eu respeito, que tentassem condicionar um pouco a expressão excessiva desse direito, tendo em atenção que isso pode afectar outros. Peço apenas aos fumadores para durante o jantar não exagerarem no fumo, não se trata de nenhuma proibição, queremos que todos se sintam bem aqui nestes jantares-conferência, mas pedia-vos apenas um bocadinho de contenção.

Em segundo lugar, depois das respostas do Professor Paulo Mota Pinto às últimas perguntas, vamos fazer um ligeiríssimo intervalo, e às onze da noite vamos reunir lá em baixo para uma iniciativa que não estava no programa, que resultou duma iniciativa do JUV, que é a grande Gala do boneco.

A grande gala do boneco, ao contrário do que alguns pensavam, não tem nada a ver com o Duarte Marques, ele pensava que era por causa dele. (Risos)

A grande gala do boneco tem a ver com a decoração do vosso estandarte e é uma iniciativa que foi iniciada na Universidade de Verão de 2006, não existia antes, e tem alguma piada. Portanto, às onze da noite encontramo-nos lá em baixo para essa iniciativa informal, lúdica, mas que tem a ver um pouco com aquilo que vocês querem projectar da imagem do vosso próprio grupo, e do vosso próprio símbolo.

Já percebi que há decorações equívocas. (Risos)

No final da grande gala, vamos dar a cada grupo dois envelopes, o envelope da oposição um e da oposição dois, com os documentos do governo, relativamente ao qual vão exercer oposição na Assembleia de sábado. Os governos já entregaram os seus documentos, já foram analisados, já foram formatados, já estão impressos e portanto, cada grupo vai receber esta noite as propostas que o governo ao qual se vão opôr, vai apresentar na Assembleia de sábado à tarde, e dessa forma poderão preparar com mais rigor as vossas estratégias de oposição e as intervenções que vão fazer nessa sessão.

E agora sim, é altura para, em vosso nome, agradecer ao Professor Paulo Mota Pinto o facto de se ter deslocado até Castelo de Vide para estar connosco, repito que é a primeira vez que temos um ex-Juiz do Tribunal Constitucional entre nós, e neste caso, um ex-Juiz muito próximo de nós, uma vez que foi nosso companheiro quando mais jovem na JSD e dirigente associativo.

E para as últimas perguntas, tem a palavra, pelo grupo verde, o João Camilo Martins.

 
João Camilo Martins
Boa noite a todos. Queria desde já agradecer a presença do Professor Paulo Mota Pinto.

Senhor Professor, o Tribunal Constitucional é hoje o grande cumprimento das injunções constitucionais. Por ele passa a apreciação de todas as normas, cuja constitucionalidade seja duvidosa. A questão que colocamos é a seguinte:

Sabendo que nos tribunais comuns quem decide são os homens, os Juízes, e que todo o homem erra, e sabendo também que à luz da Constituição as decisões juridiciais não são susceptíveis de apreciação pelo Tribunal Constitucional, não acha que seria útil e talvez necessária a extensão ao fim último de garantia e por parte do Tribunal Constitucional pelo menos naqueles casos em que a decisão tenha transitado em julgado, assim como em Espanha, França, Itália, entre outros? Obrigado.

 

Dep. Carlos Coelho: - bem, diz o ditado português que os últimos são os primeiros, quero agradecer ao grupo amarelo que é o grupo anfitrião, pelo facto de nos ter recebido na sua mesa, e o convívio que fizemos ao longo da noite, e tem a palavra para a última pergunta da noite, o Ulisses Freitas.

 
Ulisses Freitas
Boa noite a todos. Em nome do grupo amarelo, queremos agradecer a hospitalidade com que fomos aqui recebidos, fomos muito bem tratados e colocámos muitas questões, tivemos o privilégio de colocar muito mais questões do que aquelas que os nossos colegas de outros grupos puderam fazer.

A questão que quero colocar em nome do grupo amarelo tem a ver com a questão das Forças Armadas. É uma questão polémica e que tem a ver com a questão que recentemente, nos últimos tempos, há meses, creio que foi nos últimos dois meses, as chefias militares coordenaram a detenção de alguns subordinados como resposta às manifestações que o governo considerou ilegais, coordenando a detenção por dias, às vezes até de algumas semanas.

Esses militares, no exercício do seu direito constitucional de uma tutela jurisdicional efectiva recorreram para o tribunal administrativo e fiscal. O tribunal administrativo e fiscal, por decisão em primeira instância que não foi passível de recurso, considerou essa detenção ilegítima e creio eu, mas não tenho a certeza, inconstitucional. Mas no nosso entender, inconstitucional foi a decisão dos chefes militares que não acataram a decisão do tribunal nem do governo. Mas não é essa a questão que eu quero colocar. A questão que quero colocar é mais de substância, que é o seguinte:

Se considera que as Forças Armadas devem dispor de uma jurisdição própria ou se devem estar sujeitas à jurisdição comum como qualquer outro cidadão? Basicamente é isto que existe noutros países, há países que têm, há países que não têm, e eu gostaria de saber a sua opinião como ex-Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional. Muito obrigado.

 
Prof.Paulo Mota Pinto
Bem, eu vou começar por esta segunda questão também.

A questão está hoje resolvida na Constituição em grande parte, porque de facto, a Constituição, hoje em dia apenas prevê a jurisdição militar em tempo de guerra, ou em tempo de conflito, não tem que ser necessariamente de guerra, agora eu o que é que lhe posso dizer sobre isso?

Parece-me que a instituição militar tem especificidades em relação à administração em geral, e tem especificidades que devem ser consideradas por exemplo na decisão das providências cautelares. Não sei se é uma resposta que vai ao encontro da sua pergunta, mas admitir que os tribunais suspendam sanções disciplinares, o problema é este: há, de facto, um efeito desse tipo de suspensões sobre a disciplina militar, a meu ver, mesmo fora dos períodos de conflito, que não deve ser esquecido. Saber se isso tem de levar a uma jurisdição especial, eu como regra sou contrário a jurisdições especiais, portanto, parece-me boa a solução de não existir uma jurisdição  especial, salvo em tempos de conflito.

A minha tendência é para não favorecer as jurisdições especiais porque entendo que de facto, fora de tempo de conflito, não se justifica a existência da jurisdição especial, talvez se justifique a existência de regras especiais, como foram agora recentemente aprovadas, julgo até também com o voto do PSD na Assembleia da República para a decisão por exemplo de providências cautelares. Não vou estar agora a discutir, se sanções disciplinares, que são aplicadas, são ou não inteiramente correctas mas se são aplicadas e imediatamente minadas, o que está aqui em causa é o efeito que isto tem sobre a disciplina militar, que é um valor importante e não nos podemos esquecer disso. O PSD tem também algumas responsabilidades nessa matéria, importantes, designadamente porque foi num governo da AD que foi feita a lei da defesa nacional e porque foi um partido muito importante naquele momento de transição do poder militar para o poder civil. Eu defenderia que não existissem jurisdições especiais, mas sim regras especiais de solução, e designadamente que limitassem ou que estabelecessem critérios específicos, neste caso para a decisão de providências cautelares.

No fundo, isto significa que eu estou de acordo com a solução que foi recentemente proposta e foi aprovada na Assembleia da República também com o voto do PSD de estabelecer critérios específicos de solução, no fundo, critérios que concretizam as cláusulas gerais. Talvez nos possamos perguntar se os Juizes já não deveriam ter tido essa sensibilidade independentemente dessas regras, mas enfim, estou de acordo com isso, que hajam regras específicas, ou seja, que o limiar para a suspensão de sanções disciplinares militares seja mais elevado, seja exigida uma ofensa grosseira, imediata, irreparável, etc., algo desse tipo do que em geral para os administrados, uma vez que o contrário pode ter consequências, a meu ver, que podem ser graves, mesmo fora do período de guerra para a disciplina na instituição militar.

Em segundo lugar, quanto à pergunta que era a primeira, bem, é claro que como eu comecei por dizer que entre nós, o Tribunal Constitucional é o tribunal do legislador, só aprecia normas. Todos os tribunais erram, também o Tribunal Constitucional errou com certeza várias vezes. Há um caso conhecido de uma decisão antiga que hoje em dia é bastante criticada de um regulamento que obrigava os motoristas dos transportes públicos a andar barbeados, e o tribunal não a declarou inconstitucional na altura. A posição maioritária hoje, entende que essa norma de um regulamento, seria provavelmente inconstitucional. Estando no regulamento, seria uma limitação, seria matéria de direitos, liberdades e garantias, a liberdade de conformação da aparência exterior. Há evidentemente erros em todas as instâncias. Podemos perguntar-nos se o Tribunal Constitucional não deveria deixar de ser o tribunal do legislador, não deveria apreciar as próprias decisões judiciais. Julgo que era nesse sentido que ia a sua pergunta, instituir um cariz de queixa constitucional. Entre nós, como eu comecei por dizer, o Tribunal só aprecia as normas que foram aplicadas, noutros países vai-se além disso, há o chamado recurso de amparo em Espanha, a queixa constitucional na Alemanha, mesmo que o problema esteja na decisão em si mesma. Um caso que é muito discutido por exemplo, na experiência do Tribunal Constitucional, uma matéria mais técnica-jurídica, a chamada condenação fora do tipo, alguém condena para além do tipo legal, por exemplo, saber se passar para trás de um bar é introdução em lugar vedado ao público, se isso está dentro do tipo, um lugar vedado ao público. O problema aqui é um problema de norma ou o problema está na decisão? Esta diferença entre decisão e norma é tecnicamente muito difícil. Eu sou favorável a que se instituísse um mecanismo do tipo de queixa constitucional, recurso de amparo, mas é preciso reconhecer que isso teria de certeza, o efeito negativo que era o tribunal ficar submergido por uma quantidade de processos. A meu ver, esse mecanismo só pode ser instituído se simultaneamente a jurisdição constitucional puder seleccionar os casos que decide, ou seja, se entender que estes casos não decidimos porque entendemos que não têm relevância, são de relevância menor. Talvez isso tenha também consequências negativas para a nossa cultura jurídica entre nós, julgo que abrir mão do direito a recorrer para o Tribunal Constitucional é algo que os advogados em geral, os arguidos, etc., não estão disponíveis para aceitar, e portanto, sendo favorável, em princípio, ao chamado recurso de amparo ou queixa constitucional, julgo que isso poderia submergir o nosso sistema, mas acho que isso é uma questão debatível e que deve ser debatida julgo que o PSD nunca propôs isso em revisões constitucionais, mas tem sido já proposto por outros partidos, eu seria favorável a isso desde que com esse sistema de possibilidade de selecção.

Bem, e com isto respondi à segunda pergunta. Gostava só de deixar uma palavra final de agradecimento e de encorajamento. Vejo este tipo de iniciativas como iniciativas de debate mais do que propriamente só nesse sentido de formação, não de doutrinação, mas iniciativas de debate, e portanto, renovo os meus parabéns e felicitações à JSD, ao PSD, aos organizadores, esperando que possam ter tirado daqui alguma coisa útil. Por mim estou disponível se tiverem alguma vez alguma questão, o meu e-mail julgo que está, não sei se estará aí indicado, mas está disponível na página da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Se quiserem, continuem a debater questões com relevância pública, algo que faz falta na nossa sociedade e em geral nas sociedades do sul. É justamente esta participação nos assuntos públicos e sobretudo o confronto de ideias, mesmo no interior de um partido, julgo que isso é essencial, deixava uma palavra de encorajamento aos organizadores desta iniciativa e a todos os participantes. Muito obrigado.

(APLAUSOS)