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14.30 - Assembleia (simulação)
20.00 - Jantar-Conferência com o Dr Vasco Graça Moura
29-08-2007
Jantar-Conferência com a Dra. Teresa Morais
 
Dep. Carlos Coelho
Meus senhores, antes de iniciarmos o momento de debate deste jantar tenho duas coisas para vos dizer, a primeira é que o verde é a cor da esperança, é por isso que eu hoje venho com um fato verde e com uma gravata verde e a esperança é um requisito da juventude. A segunda coisa que vos quero dizer é que os pais e as mães têm uma importância muito grande na nossa vida e eu julgo saber que houve um pai e uma mãe que numa altura da vida se viraram para o rebento acabado de nascer e disseram vais seguir um ritmo de exigência e em vez de confratenizares com os amigos vais estar a estudar no dia em que fizeres vinte anos e foi há vinte anos que a Mariana do grupo verde nasceu.

(Aplausos, canta-se os parabéns a você e aparece um bolo com velas para a Mariana apagar)

 
Mariana Costa
Eu só vos quero agradecer. Realmente vocês foram impecáveis. Vocês não me conhecem e foram impecáveis. Eu não estou com os meus pais nem estou com os meus melhores amigos mas estou com pessoas superinteressantes e isto está a ser muito gratificante para mim e a surpresa foi óptima não estava minimamente à espera. Achei que já ontem me tinham dado os parabéns à noite e fiquei um bocadinho envergonhada, mas hoje fiquei um bocadinho mais envergonhada ainda, não estava minimamente preparada, por isso, obrigadíssima mais uma vez.

(APLAUSOS)

 
Do bem quero ser sempre contexto, não nasci para ser avesso, sou portador de sol, trago luz, alegria e esperança, afinal sou criança. Ergamos os nossos copos ao alto e brindemos à Mariana e às suas vinte primaveras, à Universidade de Verão pela oportunidade de estarmos aqui reunidos nesta enriquecedora experiência, à nossa digníssima convidada, Dra. Teresa Morais e a todas mulheres e crianças desprotegidas a cuja causa tem votado grande parte do seu percurso político e público para que consigam encontrar ajuda e as suas vidas possam um dia encontrar a luz que nunca deveria ter sido ofuscada.

(Brinde e aplausos)

 
Dep. Carlos Coelho
Muito obrigado Sofia pelo excelente brinde. A Dra. Teresa Morais, a quem agradeço publicamente o facto de ter aceite o nosso convite para estar entre nós e é uma jurista brilhante foi Deputada na Assembleia da República, eleita pelo nosso partido, foi Vice-Presidente do nosso grupo parlamentar e hoje está na Provedoria de Justiça muito empenhada na questão das crianças em risco e em particular do regime da adopção. Nós não precisámos do caso mais badalado nos media do desaparecimento da pequena Madeleine no Algarve para percebermos a importância de olharmos para a questão das crianças. Se nos toca e nos impressiona que haja seres humanos desprotegidos e a precisar de solidariedade impressiona-nos mais quando esses seres humanos são crianças que não podem erguer a sua voz e lutar por si próprias para salvaguardar o espaço a que têm direito na humanidade. A Dra. Teresa Morais tem como hobby planear, tem como comida preferida as massas, tem como animal preferido o golfinho pela simpatia e o cisne pela elegância, sugere-nos o livro “Sidharta” um bonito livro de Hermann Hesse e ela explica porquê, pela beleza literária, mas sobretudo pela lição que constitui sobre a busca do essencial da vida, recomenda-nos um filme com uma banda sonora fantástica, “Out of Africa”, pela beleza das imagens, a nostalgia das viagens e muito especialmente pela banda sonora e a principal qualidade que mais aprecia é a lealdade. Esta mulher política e cidadã activa, jurista, professora, ex-Deputada é nossa convidada hoje e eu tenho o privilégio de lhe dirigir a primeira pergunta para iniciarmos a nossa conversa. Dra. Teresa Morais, as estatísticas não são rigorosas, há controvérsia sobre os números mas há quem sustente que existem em Portugal perto de 15000 mil crianças em instituições. Por outro lado, diz-se que dentro deste número a quantidade daquelas que estão em condições de serem adoptadas, elevam-se a poucas centenas. Ainda que as poucas centenas sejam o máximo, sejam 900, ficarão sempre das 15000, 14000 e cem sem condições de adoptar. Isto é verdade, é mentira, porque é?

Minhas senhoras e meus senhores, uma das melhores especialistas em Portugal nestas questões, Dra. Teresa Morais.

 
Dra.Teresa Morais
Muito obrigada. Eu começaria naturalmente por agradecer ao senhor Deputado Carlos Coelho que é director desta Universidade o convite que me fez para aqui estar hoje. É muito honroso e estou aqui com imenso gosto. Também felicitar aqueles que aqui estão, sei que foram sujeitos a uma selecção rigorosa, portanto se aqui estão, estão com certeza porque têm qualidades e porque a expectativa é grande sobre o que possam aproveitar desta experiência e queria também dizer que provavelmente estranharam o meu hobby. Isto de planear não é hobby que se tenha. Realmente eu percebo que tenham estranhado. Já comentei isso com algumas das pessoas que tiveram a simpatia de me receber hoje aqui. Mas na verdade eu tive alguma dificuldade em identificar o que é que seria o meu hobby porque brincar com a minha filha, que é uma coisa que eu prezo muito, às vezes não é feito enquanto hobby, é feito porque tem mesmo que ser. Ler, não é um hobby, é uma necessidade. Viajar é uma coisa compulsiva, é absolutamente necessário na vida de uma pessoa, portanto nada disto me encaixava na definição de hobby, então dei comigo a pensar o que é que fazia habitualmente por pura diletância que nem sequer precisava de fazer mas fazia por gosto e cheguei à conclusão que era planear coisas de toda a espécie. É claro que planear não basta, hão-de estar a perguntar “e também executa alguma coisa do que planeia?” mas eu aí preciso de lições, preciso de lições do Carlos Coelho que é conhecido por ser um grande organizador, como sabem já, não é verdade? Eu lembro-me quando eu estava no Grupo Parlamentar me ter queixado de algumas coisas desalinhadas, que não corriam bem e me terem respondido, pois é, falta cá o Carlos Coelho, quando ele cá estava isto funcionava como um relógio suíço e eu hoje tive o comprovativo de que isso é assim. Ainda mal cheguei e já percebi que as coisas estão muito bem organizadas e que, por isso mesmo, hão-de correr muito bem e portanto agradeço a todos a confiança e o convite e a oportunidade para estar aqui. Quanto à pergunta que me coloca o Deputado Carlos Coelho na verdade é intrigante que se ouçam números desta natureza, que se ouça dizer que há 15000, cerca de 15000 crianças em instituições mas depois quando se vão ver bem as contas dessas 15000 só algumas centenas se diz que são adoptáveis e as pessoas perguntam-se porquê? Enfim, algumas das pessoas que estão aqui e que têm formação jurídica, eu sei que são várias, provavelmente têm uma resposta para isto. Outras pessoas, o cidadão comum não tem e intriga-se relativamente a esta aparente contradição ou discrepância de números. Realmente disse o Deputado Carlos Coelho que estes números não são rigorosos e eu começaria precisamente por aí para dizer que Portugal tem um problema com as Estatísticas. E tem um problema grave com as estatísticas no que diz respeito a este universo das crianças, porque não há números rigorosos em nada. Nós não sabemos quantas crianças, por exemplo, estão contaminadas pelo vírus do HIV em Portugal. É uma doença de declaração obrigatória recente para os médicos e, portanto, só de há escassos anos para cá nós sabemos quais são os casos de que há registo. Todo o universo anterior está por sondar, não se sabe quantas são. Os números que nos dão são manifestamente inferiores à realidade, é a única coisa que se consegue saber. Por exemplo em relação aos maus tratos. A deficiência das estatísticas portuguesas quanto às crianças leva-nos a aparecer numa posição absolutamente vergonhosa relativamente aos maus tratos sobre as crianças e não é que eles não existam e não sejam muito frequentes mas quem entende desta matéria (não estou a falar de mim estou a falar de outras pessoas que dominam melhor os números) garante não ser possível que Portugal figure num lugar atrás de diversos países da América Latina ou da Ásia que aparecem portanto à nossa frente relativamente à questão das mortes na infância. Vai-se tentar perceber porquê e uma das explicações é esta, não se desagregam os dados. Os dados relativos, por exemplo, a crianças que morrem de morte súbita, são indicados juntamente com outro tipo de mortes. Portanto, a morte súbita, como sabem com certeza outros melhor do que eu é uma situação, ela própria difícil de explicar para os médicos e que muitas vezes residualmente é causa de morte. Não se descobre mais nada, realmente houve ali uma espécie de síncope imediata e portanto aquilo é morte súbita. Isto não é uma morte que se possa comparar a uma morte por maus tratos e, no entanto, os números, não sendo desagregados vão globalmente para a UNICEF e a UNICEF publica um relatório relativamente à situação das crianças nos países ditos industrializados em que Portugal aparece numa posição absolutamente miserável. Isto para introduzir a questão da Estatística e dizer que é absolutamente urgente que em matéria de infância como noutras haja fiabilidade nos números que se apontam porque isso nalguns casos há-de colocar-nos numa posição muito má, mas noutros casos há-de também, com verdade e com justiça, colocar-nos numa posição menos má do que aquela em que temos aparecido no mundo. Mas na verdade, em relação a este universo das crianças institucionalizadas temos de começar logo por distinguir aqui diversas situações. Estamos a falar de crianças institucionalizadas no sistema de protecção, outra coisa são as crianças institucionalizadas no chamado sistema tutelar e educativo. São dois universos distintos, eu não quero entrar numa conversa muito técnica, mas já agora, acho que isto é importante perceber-se. No sistema de protecção estão as crianças que por se encontarem em situações de risco que podem conduzir a situações de perigo para a sua vida, para a saúde e para o seu desenvolvimento, têm de ser acolhidas numa instituição, esgotadas que sejam outras hipóteses de as socorrer e portanto estão num de dois tipos de instituições: nos centros de acolhimento temporário ou nos lares de crianças e jovens. Outra coisa são crianças institucionalizadas, porque também são crianças, em muitos casos são menores de dezoito anos, que estão no sistema tutelar educativo quer isto dizer que são miúdos que praticaram crimes, cometeram algum acto que à face da lei portuguesa é considerada como um crime, mas que por não terem idade para imputabilidade penal não podem ser mandados para uma prisão e portanto vão cumprir uma medida que muitas vezes é uma medida de institucionalização em regime aberto, semi-aberto ou fechado nos chamados centros educativos que são instituições que fazem parte do Ministério da Justiça. Este número de 15000 não abrange essa situação, portanto estamos a falar de cerca de 15000 naquelq crianças no sistema de protecção distribuídos entre os quatrocentos e tantos centros de acolhimento temporário e lares que existem em todo o País incluindo as regiões autónomas. Ora bem, essas crianças estão ali por diversíssimas razões e em situações muito distintas porque algumas tiveram que ser institucionalizadas por motivo, por exemplo, da doença dos pais que não podiam dar-lhes os cuidados necessários, não havendo um parente próximo a quem confiar a criança ela foi para uma instituição, outras estão por terem sofrido maus tratos físicos, psicológicos, abusos sexuais de todo o tipo e portanto foram retiradas às famílias e foram colocadas numa instituição. Outras estão apenas por insuficiência económica e incapacidade da sua família que é disfuncional de prover o seu sustento e de lhes dar condições para um desenvolvimento saudável e portanto a variedade de situações das crianças que aí se encontram é muito grande e realmente entre essas crianças todas, muitas delas não estão em condições de serem adoptadas e não estão porquê? Porque provavelmente os pais também não fizeram propriamente nada de grave para perderem os seus filhos, portanto essas crianças não podem ser adoptadas. Vamos imaginar concretamente a situação de uma criança cujos pais não têm uma casa decente para ela viver, ela vive numa situação de uma relativa promiscuidade com sete ou oito irmãos no mesmo quarto, numa só divisão, sem casa de banho, mas não houve uma situação de maus-tratos intencionais sobre essa criança. As condições de vida daquela família levaram a que o tribunal entendesse que ela não devia estar ali ou a comissão de protecção de crianças e jovens com o acordo dos pais entendeu que aquela criança, provavelmente se se tratava de um grupo de muitos irmãos, não foi só uma criança que foi retirada, então é preciso pôr essa criança numa instituição, mas não seria normal que não tendo havido um comportamento dos pais que justificasse que os filhos lhes fossem definitivamente retirados, se colocasse estas crianças em condições de serem adoptadas, portanto estas crianças estão na instituição enquanto se criam as condições para que a sua família as possa ter de volta, ou melhor, enquanto se deveriam estar a criar as condições para isso porque depois na prática o que se verifica é que em muitos casos uma medida que começa por ser uma medida de seis meses é prorrogada por mais seis e mais seis e mais seis, porque fazendo a reavaliação de seis em seis meses daquela situação a comissão ou o tribunal chegam à conclusão que a família continua a não ter as condições para que aquela criança volte para casa e isto leva ao prolongamento de uma situação de institucionalização que em regra nunca devia ter acontecido, porque o que devia ter acontecido era que a intervenção social sobre aquela família a colocasse em condições de habitabilidade, de higiene e de acompanhamento, de ajuda financeira se caso disso, para que os seus filhos pudessem ficar naquela família. Este é o tipo de situação que justifica que muitas crianças estejam numa instituição e não sejam adoptáveis. Elas não são adoptáveis porque se espera, e devia estar a fazer-se alguma coisa por isso, e aí é que é duvidoso que em muitos casos se esteja de facto a fazê-lo, é suposto que se estejam a resolver as situações de carência da sua família para ela voltar para casa. O problema são outras situações em que de facto as crianças não são adoptáveis, mas o motivo pelo qual não o são é censurável. E estou a referir-me, por exemplo, àquele universo de crianças que está numa instituição há diversos anos porque verdadeiramente a instituição nunca tomou a iniciativa de comunicar a quem tinha que comunicar que aquela criança tinha sido pura e simplesmente abandonada. Não tinha visitas da família. Não tinha vínculos familiares de qualidade, de continuidade que justificassem que ela continuasse institucionalizada sem se procurar outra saída, sem lhe traçar um projecto de vida que não fosse ficar numa instituição e então o que acontece e isso é uma experiência por que eu tenho passado e muitas pessoas que trabalham neste universo se chocam com isto, encontram uma criança num centro de acolhimento temporário com um ano ou dezoito meses, mas depois se calhar dois ou três anos depois vão encontrá-la num lar de crianças e jovens e o pior disto tudo é quando por razões muitas vezes insondáveis e que se cruzam na vida das crianças a vamos encontrar dez anos depois num centro educativo do sistema tutelar educativo, porque o percurso de institucionalização que esta criança fez levou a uma situação de isolamento, de revolta, de incompreensão pela situação em que está em que muitas vezes começa a ter problemas comportamentais graves e então começa a bater nos outros, parte vidros, faz arruaça e algum dia pratica alguma coisa que se considera um crime e nós vamos encontrá-la num centro tutelar educativo. É claro que para fazer um panorama negro (mas que apesar de tudo podendo ser excepcional é realista) o pior de tudo é depois dos vinte e um encontrá-lo num estabelecimento prisional mas aí eu não tenho anos de percurso suficientes graças a Deus, para ter conseguido fazer este percurso inteiro. Voltando à questão que me foi colocada o que eu quero enfatizar é o seguinte: na verdade, desse universo que se diz entre 14000, 16000, se repararem nos jornais daqui por diante, se calhar agora vão estar mais atentos a isso, aparecem números com uma oscilação que apesar de tudo não é irrelevante. Isto de se dizer que há 16000 crianças institucionalizadas mas seis meses depois o número que sai não é 16, é 14 e depois sai um número intermédio que é 15000. Isto não é irrelevante, mais mil, menos mil crianças, fazem toda a diferença e as estatísticas têm que ser rigorosas e tem que se fazer um levantamento exaustivo da situação. É certo que todos os dias, todos os meses, todas as semanas saem e entram crianças das instituições e os números têm que oscilar mas vamos reportar a uma determinada data e a essa data os núumeros têm que ser exactos. Neste universo, como em muitos outros, não pode haver condescendência nem margens de erro desta natureza, mas a verdade é que desse universo de aproximadamente 15000 haverá com certeza alguns milhares de crianças que, pelas razões que adiantei não estão em condições de adoptabilidade pura porque não estão reunidos os requisitos para que elas sejam adoptáveis. Não foram maltratadas pela família. Não foram abusadas pelos seus familiares. Não foram abandonadas. Não cessaram as ligações familiares. Não houve uma quebra de vínculos com a família e portanto não foram objecto daquilo que se chama uma medida de confiança administrativa ou de confiança judicial para adopção a uma pessoa ou a uma instituição, portanto não estão adoptáveis. Já em relação a outro universo que eu suspeito que seja amplo, a razão é censurável e, de facto, os números não deviam ser estes, porque seguramente nós teríamos muito mais crianças em condições de adoptabilidade se toda a gente neste processo cumprisse a sua obrigação. Cumprir a obrigação era em primeiro lugar as instituições que têm essas crianças acolhidas declararem que as têm, dizerem que têm uma criança que não é visitada pela família há seis meses. Neste momento nem precisamos de seis meses e já lá vamos saber porquê. Quando há uma visita esporádica e não se observa nenhum vínculo com aquele pai ou com aquela mãe quando o pai ou nem aparece, a mãe não aparece, ninguém pergunta pela criança, não telefonam a saber dela ou que essa criança foi entregue pela comissão mas não há nenhuma manifestação de interesse de ninguém, nem mesmo da família alargada, então tem que se dizer que essa criança está nessa situação para que o tribunal possa decretar uma medida de confiança judicial com vista à adopção e aí, sim, a criança fica numa situação em que é possível que venha a ser adoptada. Portanto, em grande parte o número baixo que é apontado de algumas centenas de crianças adoptáveis tem esta explicação. Não há mais crianças em condições de adoptabilidade porque não se sabe, porque as instituições que as têm nem sempre dizem que essas crianças estão em situação de praticamente abandono, não têm visitas, não têm manifestações de interesse e se o Ministério Público não sabe isto, se o Tribunal não sabe isto, se as comissões não sabem isto, então a medida vai-se prolongando e as crianças vão ficando. Evidentemente que a segurança social tem outra dose de responsabilidade nesta situação porque devia fiscalizar essas instituições. A maior parte das instituições onde estas crianças estão acolhidas não é sequer pública, tem a natureza de IPSS, e na maior parte dos casos e é financiada ao abrigo de acordos de funcionamento com a segurança social. Em boa parte o Estado abdicou da sua obrigação de zelar pelas suas crianças, permitindo que os particulares o façam e paga-lhes para isso mas não pode é deixar o seu dever de fiscalização sobre as instituições e note-se que eu não estou aqui a querer fazer uma declaração generalizada de desconfiança mas, na verdade quem vai para o terreno e visita essas instituições, percebe que em boa parte é pela inércia da própria instituição e pela falta de fiscalização da segurança social que este número de crianças adoptáveis não cresce e então nós que ouvimos falar desses milhares todos de crianças em instituições depois ouvimos dizer que há 2060 candidatos para 900 crianças e depois ouvimos os candidatos dizerem “mas como é que é possível?” como é que é possível que só haja 900 crianças se eu fui lá à instuição visitar uma criança e vi lá 50. É   que dessas 50, se calhar três ou quatro estavam nessa situação formal de adoptabilidade. Umas pelas boas razões e as outras pelas más razões. Há aqui com certeza uma responsabilidade que é muito das instituições, que é muito da segurança social e é do País inteiro, que tem apostado muito pouco, que tem dado muito pouca atenção, muito menos do que aquilo que esta matéria exigia à problemática das crianças institucionalizadas. Nós funcionamos por impulsos. Tivémos o caso casa Pia, aqui d’el-rei, que escândalo, vamos lá começar a perceber como é que isto se vai resolver e então começa toda a gente a dizer, é preciso desinstitucionalizar. Vamos acabar com os grandes orfanatos. Vamos criar instituições de acolhimento com uma estrutura mais pequena, mais familiar. Tudo bem. Mas é preciso     que isso se faça num tempo útil para que as crianças que estão institucionalizadas possam beneficiar dessa reforma. O tempo da infância é um tempo muito curto. A infância passa num ápice. Nós olhamos para os nossos filhos, para os nossos sobrinhos, para os nossos amigos, para os nossos irmãos e vemo-los crescer a uma velocidade alucinante. A infância não se compatibiliza com anos de espera, e portanto é absolutamente doloroso encontrar crianças que têm cinco ou seis anos que podiam ter sido adoptadas com seis meses, com um ano e que continuam nessas instituições à espera que alguém as venha buscar e acreditem que não é raro entrar numa dessas instituições e ter imediatamente um miúdo que se cola a nós, que nos trepa para cima, que se agarra ao pescoço e que me pergunta “és tu a minha nova mãe?” e sai-se dali de coração partido de cada vez que isto acontece. Evidentemente que ninguém, nenhum de nós individualmente tem resposta para isto mas um País tem que ter e tem que ter começando pelo princípio e o princípio é o levantamento exaustivo das crianças com números seguros, das crianças que vivem nas instituições, é a fiscalização do Estado sobre as instituições, é eventualmente repensar o sistema de financiamento dessas instituições porque na verdade eu nem quero acusar ninguém, não é isso que estou a fazer, mas lembro-me de um director de uma instituição da região de Coimbra, quando eu era Deputada por Coimbra visitei algumas lá e que me disse “Bom, oh, senhora doutora, convenhamos, se eu não tiver miúdos não tenho financiamento”, porque o financiamento das instituições faz-se por cabeça, portanto as instituições sérias, que sabem que se puserem aquelas crianças rapidamente numa família receberão outras e não ficarão vazias porque a necessidade e a procura é grande, funcionam bem apesar disto. Outras continuam fechadas sobre si a pensar “Bom se eu mando estes miúdos embora o meu financiamento baixa” e é preciso que a segurança social avalie estes casos e perceba quais são as instituições que retêm as crianças, que não as sinalizam para adopção, que não dizem que elas estão em condições de serem adoptadas e porque é que o fazem e essas evidentemente têm que ser cuspidas do sistema, têm que ser encerradas, têm que ser banidas porque não servem esta intenção. Estou convencida que no dia em que se começar a fazer isto de uma maneira séria, o número de crianças adoptáveis não chegará aos quinze mil porque isso não vai ser possível, muitas delas não são de direito nem de facto adoptáveis, mas subirá substancialmente e muito provavelmente aí teremos a situação inversa, que é podermos aumentar as listas dos candidatos à adopção que neste momento ultrapassam em muito o do número de crianças que se diz serem adoptáveis. Bom, eu não sei o tempo que gastei. Não quero ultrapassar o tempo inicial, daqui podemos partir para muitas outras coisas, mas talvez seja altura de passar a palavra a quem queira fazer perguntas e depois no final se eu tiver um minuto de encerramento direi alguma coisa que possa não ter tido oportunidade de dizer durante as vossas respostas. Muito obrigada.

(APLAUSOS)

 

Dep. Carlos Coelho: - Muito obrigada, Dra. Teresa Morais. Vamos então entrar na fase de debate. Vamos ter dez perguntas, uma de cada grupo e o primeiro é do grupo verde. Não é a nossa aniversariante, mas é a Mónica. Mónica Santos Rosa.

 
Mónica Santos Rosa
Ora boa noite a todos. Primeiro que nada em nome do grupo verde queria agradecer a presença da Dra. Teresa Morais e colocar-lhe as seguintes questões. Porque é que existindo tanta criança e tanta pessoa a querer adoptar e tanta criança a viver em instituições e a necessitar de carinho, de afectos, de cuidados, de uma família, há uma crescente burocracia por parte do Estado no processo de adopção. Porque é que isto é uma realidade bem presente no nosso País e na sua opinião qual o motivo para a existência desta barreira e qual a maneira de a podermos transpor e fazer muita gente feliz. Muito obrigada.
 
Dra.Teresa Morais
Bom a sua pergunta, a pergunta do seu grupo que eu agradeço toca parcialmente nesta questão do número das crianças institucionalizadas e da falta de compreensão que as pessoas têm perante a dificuldade que há em adoptar, havendo tantas crianças nas instituições. Focalizando mais exactamente na razão da burocracia do meu ponto de vista neste momento já não é legal, é funcional. Eu acho que, e nisto apoio-me naturalmente nalguma doutrina, eu estou a pensar, por exemplo no Prof. Pereira Coelho, no Prof. Guilherme de Oliveira que são especialistas …

(Alguns segundos inaudíveis)

 

afirmam que do ponto de vista legal se atingiu muito perto do limite relativamente à possibilidade de abreviar prazos e de acentuar mais a ideia de conflitualidade entre pais biológicos e pais adoptivos a favor destes segundos. Querem os autores dizer, julgo eu, que a lei já fez quase tudo o que podia fazer para que nesta dualidade de interesses que muitas vezes são contrapostos, entre pais adoptivos e pais biológicos, os pais adoptivos tenham a sua vida facilitada uma vez que queiram adoptar uma criança que tenha realmente tido por parte da sua família a rejeição ou o comportamento negligente ou culposo que levou áquela situação, como também consideram que a lei em matéria de ponderação de interesses que estão em jogo num processo de adopção e de compactamento dos prazos, digamos assim, não pode ir mais longe e eu percebo que se diga isto, porquê? Houve a reforma de 2003 em que teve um papel preponderante a vossa convidada de ontem. Não resisto à tentação de dizer que é uma mulher extraordinária eu julgo que hoje pensam isso dela, eu felizmente penso isso desde há vinte anos atrás quando a tive como minha professora de Direito da Família. A Dra. Leonor Beleza estava precisamente no parlamento e foi responsável pelo grupo de trabalho que procedeu a uma revisão da lei da adopção em 2003, grupo de que eu também fazia parte e na altura a nossa preocupação foi de facto que em tudo o que a Lei o permitisse fazer, se encurtassem prazos, se acelerasse o processo, se conseguisse uma adopção num tempo razoável. Na altura lembro-me perfeitamente que na intervenção do primeiro-ministro Durão Barroso, ele dizia que o ideal era que conseguíssemos reduzir todo o processo de adopção a um ano e meio quando na altura se ultrapassava os três anos. Bom, pode-se perguntar e então porque é que isso não se conseguiu, se se fez o que se podia a nível da lei? Não se conseguiu por razões que, como eu comecei por dizer, do meu ponto de vista já não são legais, isto é, a lei encurtou de seis para três meses o prazo em que se deve fazer a observação da ligação da criança com a família para declarar que não existem ali laços de continuidade e qualidade afectiva que justifiquem que a ligação continue a existir. A lei reduziu de um ano para seis meses o prazo do período chamado de pré-adopção. A Lei tornou urgentes vários procedimentos relacionados com o processo de adopção, por exemplo, o processo de obtenção de consentimento dos pais nos casos em que esse consentimento é exigido e portanto já não se podem reduzir muito mais prazos porque é necessário que essa ponderação se faça, porque é necessário que a criança e os pais candidatos à adopção tenham um tempo de convívio em que se teste aquela ligação. Esse prazo foi reduzido de um ano para seis meses, acho que não se deve reduzir mais, portanto, onde é que se pode melhorar, onde é que estão os obstáculos, perguntava você. Eu acho que os obstáculos estão na parte administrativa do processo que tem a ver com a selecção dos candidatos para adopção porque o que se passa é que neste momento a segurança social demora mais de dois anos a fazer a selecção de um candidato para adopção, a fazer a instrução do processo e a elaboração do relatório que devia fazer em seis meses. Ora, como tudo isto tem evidentemente que ter um procedimento que é judicial e portanto os tribunais também não são muito céleres mesmo os tribunais de família e menores, acrescentando esses dois anos e tal do processo que a segurança social demora ao tempo do processo judicial vamos parar no mínimo a três anos e tal, portanto onde é que se podia encurtar? Obrigando as equipas de adopção da segurança social a fazerem a selecção mais rápida, a apreciação mais rápida dos candidatos e conseguindo uma maior celeridade no processo judicial porque, alguns saberão, outros não, a adopção só pode ser decretada pelo tribunal. A criança pode ser entregue a uma família por uma instituição. É a confiança administrativa mas decretar uma adopção não pode ser nenhuma instituição a fazê-lo que não o tribunal. Portanto, o processo de adopção é um processo judicial com fases e com prazos. Aí não me parece que se possa encurtar muito. Na fase anterior que é administrativa e que depende fundamentalmente da eficácia e da capacidade de trabalho das equipas da segurança social, aí sim, portanto do meu ponto de vista os estrangulamentos já não estão na lei, estão na prática, na selecção dos candidatos e na forma como a segurança social funciona nessa selecção.

 

Dep. Carlos Coelho: - Albina Silva, grupo amarelo.

 
Albina Silva
Olá, muito boa noite a todos. Devido ao seu incontestável conhecimento e experiência nesta área tão sensível, o meu grupo, o grupo amarelo, achou pertinente realizar-se-lhe duas questões. A primeira questão prende-se então com o que é que pensa acerca adopção de crianças por casais homossexuais e a outra questão prende-se com outro ponto, sendo assim, atendendo à falta de recursos humanos no acompanhamento às crianças em risco nos CPMJ’s e ausência de trabalho em equipa nos bairros problemáticos essencialmente nas grandes cidades, qual é para si o modelo ideal de acompanhamento a estas crianças?

 

Dra. Teresa Morais: - Bom em relação à segunda questão não estou certa de ter apanhado completamente a sua pergunta, disse que havia falta de recursos humanos nas comissões de protecção está-me a ouvir, perdão,

 

Albina Silva: sim

 

Dra. Teresa Morais: - relativamente à segunda questão que colocou diz que há falta de recursos humanos nas comissões de protecção e portanto, face a isso, pergunta qual é que me parece que é a solução para acompanhar essas crianças?

 

Albina Silva: - Sim porque nós pensamos que além dessa falta de recursos humanos haverá também uma dificuldade em termos da cooperação em termos das equipas multidisciplinares e então tendo em conta essa conjuntura, o que acha que é possível e o modelo ideal para acompanhar estas crianças inseridas no seu meio sócio-familiar?

 
Dra.Teresa Morais
Bom, na verdade há falta de recursos humanos nas comissões. Isso afirmou, não questionou, afirmou e tem toda a razão. O relatório da Comissão Nacional de Protecção que faz a avaliação do trabalho das comissões em relação ao ano passado diz que 67% das comissões de protecção se queixam à comissão nacional da falta de recursos, portanto as comissões precisam de facto de gente. É verdade também que nos bairros problemáticos (e às vezes não só) há situações que precisam de um acompanhamento de proximidade. Pergunta: Qual é a solução ideal? A solução ideal não sei qual é, agora aquilo que nós temos está longe do ideal porque o acompanhamento que se faz em muitos casos é tardio. Isto é, se há um bairro problemático, se se sabe que naquele bairro há “n” famílias em situações abaixo do limiar da pobreza, se se sabe que há crianças que vivem na rua, entregues a si próprias, que não frequentam a escola, antes que aconteçam as situações de perigo e porque já existe uma situação de risco, essa comunidade tem de estar acompanhada, portanto é prevenção, o ideal seria prevenir a situação de perigo, uma vez que a situação de perigo é mais restrita e mais técnica do que a de risco mas à partida um bairro pobre é um bairro de risco, portanto, só na prevenção e depois evidentemente pondo as equipas a fazer um trabalho de proximidade com as famílias que eu julgo que se começa a fazer num caso ou no outro mas está longe de ser uma prática generalizada no País e isto perpetua o ciclo da pobreza e arrasta as situações umas atrás das outras. Relativamente à questão da adopção por casais homossexuais, que é uma questão que eu tenho que confessar que a esperava deixei-a para o fim de propósito. Na verdade eu sou contra a adopção por casais homossexuais e não sou contra por ter, devo dizer isto à cabeça para não criar equívocos, por ter alguma coisa própria contra a liberdade de determinação sexual e de orientação sexual das pessoas. Absolutamente fora de questão, isso. O que está do meu ponto de vista em causa é saber qual é o objectivo da adopção, qual é o seu princípio orientador e se esse princípio e esse objectivo se cumprem bem ou não cumprem com essa solução e do meu ponto de vista não cumprem. A adopção mantém desde as suas origens históricas que evidentemente estão muito longíquas e já sofreram uma enorme evolução, mantém uma ideia fundamental que é adoptio naturam imitatur? A adopção imita a natureza. É para isso que ela existe, para imitar a natureza, para criar um vínculo que é legal à semelhança do vínculo biológico da filiação e do meu ponto de vista, esse princípio rector da filosofia da adopção é para manter. Eu própria talvez já defendesse coisa diferente se alguém já me tivesse conseguido fazer a prova de que existe um melhor modelo para o desenvolvimento de uma criança do que o clássico triângulo pai, mãe e filho mas ninguém fez essa demonstração até hoje e permitam-me que recorde aqui um momento que me foi a mim especialmente gratificante fazer, protagonizar na Assembleia da República quando o Bloco de Esquerda apresentou o projecto de alteração da legislação da adopção precisamente prevendo essa possibilidade e tive como interlocutor nesse debate a senhora Deputada Joana Amaral Dias que fazendo a defesa dessa solução me dizia que havia estudos que provavam que as crianças criadas por casais homossexuais conseguiam índices de desenvolvimento superiores às outras. Eu tinha pesquisado, tinha estudado, tinha trabalhado, tinha lido vários relatórios de universidades americanas sobre o assunto e aquilo que encontrei não confirmava nada desta teoria, pelo contrário, o que se dizia era que os estudos que estavam a chegar a essa conclusão eram estudos que era preciso analisar com muita cautela porque tinham amostras não significativas colhidas num universo extremamente restrito de casais e em que em muitos casos, atenção, não era sequer uma adopção por um casal homossexual típico, era uma criança, filha biológica de um dos membros do casal, adoptada pelo outro membro do casal, o que não é a situação de que ali se estava a falar. Portanto, eu provavelmente mudarei de ideias quando alguém conseguir provar que é irrelevante para o desenvolvimento saudável de uma criança ter um pai e uma mãe e que ela pode perfeitamente ter dois pais ou duas mães, porque se desenvolverá exactamente da mesma maneira. Essa prova não está feita e portanto eu não defendo essa solução.

 

Dep. Carlos Coelho: - Tiago Rapaz, grupo encarnado.

 
Tiago Rapaz
Muito boa noite. Em nome do grupo vermelho quero agradecer à mestre Maria Teresa Morais pela sua vinda e tenho duas questões para lhe colocar. Primeira: no seu entender as crianças filhas de mães, as quais foram condenadas a uma pena de prisão efectiva, devem ou não acompanhar as suas mães até completarem os três anos de idade, se por um lado poderá ser um incentivo às mães para retomarem um comportamento sociamente aceitável, por outro a criança não será prejudicada na sua formação psicológica? Segunda: Tendo ainda em vista a sua formação académica, existe ou não hesitação dos tribunais em decretar a adoptabilidade das crianças. Tenho dito.
 
Dra.Teresa Morais
Ora bem, em relação à primeira questão que, se bem entendi é se os filhos de mães detidas devem acompanhar as mães até aos três anos de idade, portanto, na sua situação de reclusão, eu entendo que não tenho a certeza que até aos três anos mas que nos primeiros tempos de vida assim se justifica que isso assim seja porque a criança não tem imediatamente a percepção do ambiente, mas tem imediatamente a percepção da privação da mãe e portanto pensando sempre naquilo que também é um dos princípios absolutamente rectores da adopção que é o do superior interesse da criança e deixando aqui para segundo plano aquilo que é o interesse de sociabilização da mãe, eu acho que a criança estar com a mãe nos primeiros tempos de vida, em que ela possa amamentar ou que possa ter uma relação física de proximidade com a criança é fundamental ao equilíbrio e ao crescimento da criança. Tenho já algumas dúvidas que a partir do momento em que a criança se aperceba de que está num espaço fechado e sobretudo se esse espaço fechado não lhe der a oferta de brincadeira, de companhia, de sociabilização com outras crianças isso possa ser benéfico a partir de determinada idade. A prisão de Tires, há aliás aqui uma colega vossa que tem essa experiência já falámos sobre isso, tem uma experiência muito engraçada que é a da casa das mães e a da casa das crianças. As crianças na prisão, quando são muito pequenas, estão com as mães o tempo todo mas depois aos três anos passam para a outra casa e têm um regime de creche em que só vêm passar a noite junto das mães mas não passam o dia. Nos primeiros tempos, aliás, também podem ir à creche por tempos curtos mas voltam para a sua mãe durante os primeiros anos. Eu julgo que essa experiência é importante e é saudável para as crianças nos primeiros tempos. Confesso que tenho dúvidas que aos três anos isso continue a ser mais benéfico para a criança do que para a mãe. Agora a questão é esta: se a pena de reclusão, de prisão da mãe se prolonga para além disso, o que é que se faz a seguir, retira-se a criança à mãe? Porque não é para ela, criança, mais saudável continuar a viver naquele ambiente? É uma situação muito complicada e temos sempre que ponderar caso a caso o grau de desenvolvimento que a criança tem e a capacidade que a criança possa ter de se ligar afectivamente a outros membros da família alargada para fazer, digamos, o desmame dessa situação em que ela inicialmente foi criada. Mas é uma questão complexa e que não deve ter uma regra geral, suponho eu.  Existem ou não resistências dos tribunais a decretar a adopção. Existem. Graças a Deus não existem generalizadamente, mas há redutos de resistência de biologistas puros, que são magistrados que continuam a achar que as crianças estão sempre melhor com os seus pais biológicos mesmo que as maltratem, mesmo que lhes batam, mesmo que não vão à escola, mesmo que passem fomem, porque esses é que são os seus verdadeiros pais, o resto é uma ficção. Isto ainda existe, realmente, embora eu acredite que a maioria dos magistrados já não pensa assim e que também se há-de fazer futuramente um esforço maior do que aquele que foi feito até agora na formação dos magistrados ao nível do Centro de Estudos Judiciários numa especialização na área de direito da família e da adopção em particular que os leve a ter uma maior sensibilidade para essa questão mas que há essas resistências ainda há com certeza.

 

Dep. Carlos Coelho: - grupo azul, Tiago Borga.

 
Tiago Borga
Olá, boa noite. Até quando é feito o acompanhamento da criança após a adopção e quem o faz? Obrigado.
 
Dra.Teresa Morais
Bom, o acompanhamento da criança depois de decretada a adopção não tem um prazo fixo. As equipas de adopção da segurança social são quem deve continuar a fazer esse acompanhamento mas a partir do momento em que o tribunal decreta a adopção, a adopção que é um vínculo definitivo, significa que ela é irreversível, que essa criança passou a ser filha daqueles pais e portanto está integrada naquela família. É claro que faz sentido a sua pergunta porque sempre se pode questionar “então e o tribunal e a segurança social, toda a gente presume que a partir desse momento vai correr tudo bem?” pode perfeitamente não correr tudo bem e é por isso que de facto a segurança social, diria eu, quase esporadicamente de forma não muito programada nem com tempos previamente definidos pode fazer uma visita à casa de um casal e perguntar como é que as coisas estão a correr. Esse acompanhamento, penso eu, devia estar mais regulamentado e devia ser feito por um maior período de tempo até porque está a acontecer uma coisa que é preocupante que é o insucesso de algumas adopções, porque nós aqui também temos de ponderar isto, quanto mais abreviamos o processo, o que é um objectivo saudável, mais riscos corremos de que aquela relação com a criança, por exemplo, no período de pré-adopção que passou de um ano a seis meses, aquela relação com a criança esteja mennos testado do que estava. Além disso há sempre imponderáveis. Os pais têm muitas vezes na cabeça uma criança ideal e o filho que levam para casa não corresponde com alguma frequência ao ideal que eles tinham na cabeça e por isso é preciso que aqueles pais tenham ajuda e acompanhamento para compreenderem aquele filho e vice-versa porque a adopção é irreversível. É outra coisa que muita gente ainda não interiorizou e que pensa que pode devolver o filho. Se as coisas não correrem bem e deixem-me a este propósito citar-vos um acordão que vi reproduzido um destes dias do Tribunal da Relação que recusou rever a sentença de adopção, portanto, negou desfazer aquela adopção porque achou que os motivos invocados pelo casal não eram atendíveis e os motivos invocados eram que a criança mostrava uma agressividade e uma tendência para o conflito que ultrapassava as suas expectativas. O que se pergunta é que se os pais biológicos de uma criança agressiva também acham que a devem ir entregar num sítio qualquer porque têm um filho agressivo. O vínculo é irreversível e só em condições absolutamente excepcionais se faz essa revisão daí que seja importante que o acompanhamento com as famílias de uma criança adoptada e com a própria criança seja feito por técnicos da área do serviço social, da psicologia, para que essa adaptação mútua entre a criança e da família se faça com sucesso.

Dep. Carlos Coelho: - Susana Santos, grupo bege.

 
Susana Correia Santos
Boa noite a todos. Boa noite doutora. Gostaríamos de lhe dar as boas vindas e esperemos que ao longo desta noite se sinta aqui como nós todos nos sentimos, ou seja, numa excelente família. Bom, a questão que nós temos para lhe colocar está relacionada com uma afirmação que fez há pouco que diz os centros ou as comissões têm mais necessidade de mais recursos humanos e a questão que lhe colocamos é se considera que, por exemplo, o sistema de voluntariado é o mais correcto e o mais certo para este tipo de casos. Obrigada.
 
Dra.Teresa Morais
Bom na verdade eu acho que o voluntariado é uma actividade da maior utilidade e da maior dignidade. Nalguns casos tenho dúvidas que através do voluntariado se resolvam problemas de natureza muito técnica e aquilo de que as comissões de protecção precisam é de técnicos, do meu ponto de vista. Agora não se deve menosprezar a importância do trabalho de voluntários nas comissões como nas instituições, sobretudo nas instituições e não nas comissões porque muitas vezes esse voluntariado é o que vai suprir as falhas que o sistema apresenta e sem esse voluntariado essas instituições estariam bastante pior. Estou-me a lembrar de uma instituição que eu visitei nos Açores em que as crianças me diziam que uma senhora e as suas amigas, um grupo de voluntárias, lhes faziam festas de aniversário e as levavam a passear e eu perguntei “então e pra além disso?” – “para além disso não havia”. Portanto, se não fossem essas voluntárias provavelmente elas não teriam propriamente uma festa de aniversário e não iam a passear porquê? Porque a instituição não tem uma viatura, não tem um carro e não pode transportar onze crianças para todo o sítio, para a praia, para um parque fazer um piquenique a pé com os miúdos todos. Portanto é a boa vontade desse grupo de pessoas que resolve aquele problema, isto ao nível das instituições e portanto acho muito importante e muito saudável e fundamental essa ajuda. A determinados níveis o voluntariado não resolve o problema e ao nível das comissões de protecção não vamos lá com voluntariado. Aliás, eu sei que não é suposto eu alongar-me nas respostas porque isto tem aqui um ritmo e as respostas longas quebram o ritmo, mas ainda assim porque pode não haver oportunidade para dizer isto noutra resposta queria dizer só isto: o que acontece nas comissões é que elas são um modelo utópico. As comissões de protecção apareceram há muitos anos na legislação portuguesa e há muito menos anos na opinião pública e nos jornais e não se pode menosprezar o trabalho fundamental das comissões de protecção mas em todo o caso há nelas, há no sistema todo ele uma dose de utopia que é apreciável porque isto de achar que a comunidade pode traçar um projecto de vida para uma criança é uma coisa difícil de se acertar, não é? Porque o autarca que tem a melhor boa vontade, o cidadão credível lá da terra, que se calhar na idade média se chamava o homem bom lá do município, ou alguém que está num serviço social e que vai à comissão de protecção uma tarde por semana. Isto funciona tudo na base da boa vontade mas os problemas de intervenção em situações de risco de menores não vão lá dessa maneira, daí que esse modelo esteja neste momento já profundamente desvirtuado e se pensem dotar as comissões de técnicos, juristas, psicólogos, de serviço social que não estava, não é a composição prevista inicialmente para as comissões e que agora estão a crescer à volta da comissão para lhe dar um apoio técnico porque se começou a perceber que aquele grupo de cidadãos de boa vontade, por muito boa vontade que tivésse, não tinha conhecimentos para fazer uma intervenção técnica numa situação de perigo. Portanto, aí voluntariado não.

 

Dep. Carlos Coelho: - Grupo castanho. Filipa Saldenha Figueiredo.

 
Filipa Saldanha Figueiredo
Boa noite Dra. obrigada, não só por ter vindo, pela atenção que teve connosco mas também por tudo o que nos tem dito até agora. A minha pergunta prende-se um bocadinho com o que a Dra. acabou de falar, com as comissões para a protecção de crianças e jovens em risco. A pergunta que eu lhe queria fazer é se não só nessas comissões como noutras áreas relacionadas com este problema dos jovens e crianças em risco não haverá um bocadinho de falta de formação das próprias pessoas que trabalham com eles.
 
Dra.Teresa Morais
Bem sim de faco essa questão entronca-se na anterior e é verdade que se sentiu uma falta de formação dos membros das comissões e que isso, tenho que admitir porque é justo dizê-lo, tem-se feito nos últimos tempos com alguma preocupação. Não estamos num ponto suficiente sequer porque vamos lá a ver as comissões têm duas modalidades, a alargada e a restrita. Na comissão alargada, se respeitássemos a composição que a lei manda seguir estariam lá mais de doze pessoas de instituições diferentes, uma a representar os serviços de saúde, outra a representar o município, outra a representar o ministério da educação, outra a representar ONG’s do sector, bom, estas comissões pura e simplesmente na maior parte dos casos não funcionam, não reúnem. Em 49% dos casos reúnem uma vez de dois em dois meses, que é o mínimo obrigatório pela lei. O trabalho que estas comissões alargadas

deviam fazer que é um trabaho também ele mais genérico de promoção dos direitos da criança, de prevenção de determinadas situações, de divulgação desses direitos, de iniciativas na comunidade para que as pessoas estejam mais sensibilizadas para as questões relacionadas com os direitos das crianças, esse trabalho em muitos municípios não se está a fazer, que as comissões não funcionam. Quanto à restrita, que deve ter pelo meno cinco membros, essa, na maior parte dos casos, julgo eu, que neste momento já funciona razoavelmente, o problema é que em muitos casos não tem recursos materiais. Eu conheci pessoas das comissões de protecção no encontro que houve em Albufeira há dois anos atrás em que eu estive que me diziam que quando havia uma criança em risco e recebiam um telefonema, iam no seu próprio carro buscar a criança e levá-la a uma instituição qualquer porque a comissão de protecção não tinha um carro disponível para acorrer a uma situação de emergência. Bom, também não tinham e não têm ainda em muitos casos, um psicólogo ou um técnico de serviço social, portanto não se consegue fazer nenhum trabalho verdadeiro assim. É preciso que, de duas uma, ou as comissões continuam a ser aquilo que está desenhado na lei mas se criam assessorias técnicas, equipas técnicas que apoiam essas comissões na sua decisão e isso tem que se fazer generalizadamente e o problema é que neste momento nós temos mais de duzentas e sessenta comissões de protecção no País, ou então, modifica-se a composição das comissões e adoptamos um modelo mais realista em que as comissões não sejam apenas compostas por esss pessoas de boa vontade mas que haja uma composição em que haja também uma maior profissionalização das comissões. Quanto à formação em termos mais genéricos, ela, julgo eu, que está a melhorar, através do apoio que a comissão nacional de protecção que é presidida pelo juiz Armando Leandro que é um homem muitíssimo entendido e muito sensível a estas questões, já antes dele a dra. Dulce Rocha tinha feito um trabalho com muitos poucos meios e muito incompreendido por muita gente, mas também pouca gente sabe que ela não tinha dinheiro para fazer o site da comissão nacional, não conseguia fazer uma página de internet porque não tinha orçamento. Assim é muito difícil fazer o que quer que seja mas eu julgo que na formação a sensibilidade neste momento é maior e a comissão nacional está a prestar essa formação. Não é suficiente porque as comissões todas elas têm de ter equipas técnicas do meu ponto de vista.

 

     Dep. Carlos Coelho: - Bem, é altura de agradecer ao grupo anfitrião a convivência que tivémos ao longo da noite e passar a palavra ao grupo laranja à Carolina Ferreira.

 
Carolina Ferreira
Boa noite mais uma vez. Sendo as crianças seres mais desprotegidos na sociedade qual é a melhor forma de as educar à guarda do Estado, colmatando a falta dos pais na vida da criança e como protegê-las de abusos que surjam da parte desse mesmo Estado.
 
Dra.Teresa Morais
Boa pergunta. Ora bem. Em primeiro lugar como é que vamos fazer para que o Estado guarde e proteja as crianças de situações de abuso? Bem, como diria um amigo meu muito entendido nestas coisas o Estado não tem vocação emocional, isto é logo um problema, o Estado não tem afecto, não se apega às pessoas, não toma conta de crianças e portanto como o Estado não tem vocação emocional, o que nós temos que fazer com certeza é criar mecanismos em que o Estado fiscalize, supervisione, faça aquilo que lhe compete fazer dentro desses limites mas que outras entidades ou pessoas prestem esse apoio emocional às ditas crianças. Evidentemente que saber como é que se previnem abusos do Estado ou das instituições públicas sobre as crianças é outro bico de obra, porque nós sabemos que as crianças da Casa Pia estavam teórica e formalmente à guarda do Estado, portanto, não é fácil que essas situações aconteçam sem responsabilizar o próprio Estado. Portanto, por onde é que podemos começar para prevenir essas situações e responsabilizar o Estado? Em primeiro lugar apoiando as famílias disfuncionais, com problemas de alcoolismo, com problemas de toxicodependência, com problemas de pobreza, com problemas de subnutrição para que as crianças possam com o máximo de apoio possível permanecer nas suas famílias. A intervenção do Estado deve ser subsidiária e residual. Não é a primeira resposta, é a última resposta e não tem sido isso que se faz na maior parte dos casos. Perante situações que são de carência económica tiram-se as crianças às famílias. Dêm-se condições de vida às pessoas e depois tente-se perceber se a situação de risco dessa criança desaparece ou não. Não desaparece, não se pode arriscar, tira-se mesmo, mas essa não é nunca a primeira resposta. Depois, outra forma de prevenir essas situações de abuso é, uma vez que essas crianças tenham mesmo de ser institucionalizadas e que o apoio junto da família não resolva o problema, então que as instituições sejam pequenas, com uma estrutura o mais possível familiar. Acabe-se de vez com instituições com setenta, oitenta, noventa crianças, a comerem em refeitórios e a dormirem em camaratas. Criem-se casas pequenas com pessoas que tenham com essas crianças uma relação afectiva e de proximidade e seleccionem-se dessas crianças, com rapidez e eficiência aquelas a quem deve ser dada a possibilidade de ter uma família adoptiva. Não vejo outra maneira.

 

Dep. Carlos Coelho: - Marta Abigail, grupo cinzento.

 
Marta Bigail
Boa noite a todos. Dra. Maria Teresa Morais obrigada por estar aqui presente, dar-nos a honra da sua presença na nossa Universidade. Nós gostaríamos de saber se há algum tipo de apoio às vítimas de violência doméstica que depois de decidirem fazer queixa à polícia. Elas muitas vezes têm dependência económica do agressor. Há alguma ajuda a essas pessoas para após a queixa as apoiar e lhe dar um rumo seguro no resto da sua vida. Obrigada.
 
Dra.Teresa Morais
Essa é uma questão que de facto interessa muito embora possa não estar aparentemente contida nos limites do tema mas acaba por estar porque a violência doméstica leva muitas vezes a que a situação de risco que se cria na família obrigue não só à retirada dos filhos mas também à necessidade de proteger a mãe e eu digo a mãe porque na verdade em noventa e muitos por cento dos casos a agredida ainda é a mulher. Ora, relativamente à questão concreta que coloca há de facto já alguns apoios embora talvez não tão generalizados quanto deviam ser, quer ao nível financeiro, porque existe já um regulamentação de um subsídio que é prestado pelo Estado às vítimas de crimes de violentos e há por outro lado uma rede de casas-abrigo para vítimas de violência doméstica em que as mulheres podem ficar acolhidas por um período de tempo menor ou maior consoante a sua capacidade de reacção à situação e em que elas têm apoio psicológico e têm também muitas vezes ajuda na procura de um emprego e de uma alternativa de vida. Essas casas-abrigo são naturalmente objecto de alguma confidencialidade, quer dizer não é normal que toda a gente saiba onde é que elas existem porque senão também os agressores saberiam onde procurar as vítimas mas há linhas de apoio às vítimas de violência doméstica que dão às mulheres em dificuldades essa informação e portanto, de facto, embora nós saibamos que muitas vezes o corte com a situação que gera a violência seja muito difícil de fazer porque há muitas vezes ali uma relação ambígua que oscila entre o afecto e a violência que leva as mulheres a demorarem muitos anos a tomar essa atitude, a verdade é que hoje, se a quiserem tomar, têm alguma ajuda e alguma protecção. Não existem ainda julgo eu como deveria haver uma casa-abrigo para vítimas de violência em cada distrito do País, isso não existe, mas têm vindo a crescer substancialmente e eu julgo que lá chegaremos em breve prazo, respostas para essa situação já existem algumas realmente.

 

Dep. Carlos Coelho: - Joana Russel, grupo roxo.

 
Joana Russel
Boa noite, em nome do grupo roxo gostaria de lhe fazer duas pequenas questões e uma vez que o tema da adopção já tem sido muito aborddo aqui achámos por bem de um tema bastante actual e problemático como é o caso da obesidade infantil e tendo em conta que Portugal já é o segundo país da Europa com maior prevalência na taxa de incidência de obesidade infantil já com 30% de crianças obesas e com excesso de peso e com idades compreendidas entre os 7 e os 11 anos e sendo a taxa de sucesso no tratamento da obesidade infantil relativamente baixa como é compreensível, é difícil explicar a uma criança o porquê de restringir alguns alimentos do seu agrado e de não poder, ter fazer uma dieta, é complicado explicar isso a uma criança e sabendo que essas crianças representam um grupo de risco por vários factores tais como a nível de saúde, integração social, instabilidade emocional e baixa auto-estima e que de uma forma directa poderá afectar o seu rendimento escolar assim como a própria integração e no grupo dos amigos já para não falar dos inúmeros problemas de saúde de que poderão vir a sofrer no futuro. Na sua opinião quais são as medidas que deveriam ser adoptadas para combater riscos que as nossas crianças enfrentam, o que se poderá tornar num flagelo nacional.

A segunda questão que temos para si é, gostaríamos que nos explicasse de que forma o conselho de fiscalização controla a actuação dos serviços secretos portugueses. Obrigada.

 
Dra.Teresa Morais
Ora bem, aqui está uma pergunta surpreendente. Também tinha que haver alguma. Ora bem. Em relação à obesidade infantil deixem começar por confessar que não é a minha especialidade. A questão da obesidade é uma questão da área da saúde em relação à qual eu se calhar sei menos do que a Joana, quando formulou a sua pergunta já tinha muita informação incorporada, não é verdade? Mas há aí uma ponte possível com assuntos sobre os quais eu tenho mais opinião e que eu faria da seguinte maneira: na verdade é inquestionavelmente, e isso é da consciência de todos nós um problema sério de saúde, em que eu acho que mais do que educar as crianças temos de educar os pais das crianças e as pessoas que tomam conta delas, não é verdade? Porque se é difícil explicar a uma criança porque é que ela não pode comer determinada coisa, já não devia ser tão difícil explicar ao pai e à mãe que não devem comprar determinada coisa lá para casa e tornarem-na tão acessível à criança que ela não lhe consiga resistir, não é verdade? Bom, portanto aí é por um lado uma política de saúde, de prevenção, de informação nas escolas, de sensibilização das próprias crianças através do sistema escolar e educação dos pais que se deve fazer também através dos próprios médicos e de informação generalizada que se lhes possa dar. A ponte que queria fazer com uma situação que é preocupante e é crescentemente preocupante é que de facto as crianças obesas estão ao que parece entre aquelas que mais são vítimas de bullying que é um expressão que, enfim, quererá dizer humilhação, ostracismo, por parte dos colegas das escola. É uma situação de violência entre as crianças que muitas vezes atinge já níveis muito preocupante e é verdade que, ao que parece, eu não conheço propriamente estudos científicos por isso, dessa matéria, mas conheço opiniões no sentido de que as crianças obesas são mais vítimas de alcunhas pejorativas, negativas, humilhantes e destas práticas de humilhação, de bullying que evidentemente não ajudam nada ao crescimento saudável de uma criança. Em relação à questão que coloca, como é que o conselho de fiscalização fiscaliza os serviços de informação da República Portuguesa, bem, fiscaliza dentro de aquilo que eu lhe posso responder, fazendo visitas aos serviços, consultando processos que são solicitados aleatoriamente, portanto os serviços não sabem o que é que em cada visita lhes vai ser pedido para mostrarem e pelo estudo de relatórios que os serviços fazem e que enviam periodicamente ao Conselho de Fiscalização e que depois de analisados suscitarão ou não dúvidas sobre a forma como aquela informação ou aquele processo foi acompanhado. O conselho de fiscalização tem uma composição de três membros que são eleitos pela Assembleia da República por maioria qualificada e a sua função naturalmente é zelar pelo cumprimento dos direitos, liberdades e garantias no funcionamento dos serviços de informação. Este Conselho deve ter (tem tido do meu ponto de vista e tenho-me batido por isso) uma actuação discreta. O que faz é dentro dos limites da sua capacidade de actuação e dentro das suas competências, analisar pela visualização de documentos e pelas visitas e pelas consultas a processos aquilo que é o trablho diário dos serviços de informação. Discreta porque esta é por natureza uma matéria com alguma delicadeza. O conselho de fiscalização não existe para se mostrar nem para aparecer nos telejornais. Existe para exercer uma função de fiscalização que a Assembleia da República independentemente dos seus poderes de fiscalização próprios de que não abdica, em todo o caso entrega aos membros do Conselho de Fiscalização que elege. Enfim, julgo que em termos muito gerais é o que lhe posso dizer sobre a actuação do Conselho de Fiscalização. Obrigada.
 
Dep. Carlos Coelho
Dra. Teresa Morais, nós temos uma tradição que é deixar a última palavra à nossa convidada e portanto se a última pessoa a usar o microfone será V. Exa., daí que antes de passar a palavra para a última pergunta, gostaria apenas de fazer um anúncio que tem a ver com o nosso programa de amanhã: nós amanhá à tarde temos uma visita a Castelo de Vide para a qual vos convido de forma expressiva mas que não é uma actividade obrigatória. Foi para isso que vos entregámos um impresso para se inscreverem. A inscrição tem a ver com o seguinte. Há uma parte do percurso que é cultural, isto é, alguém nos tem de explicar aquilo que estamos a ver, porque toda a visita é pedonal e a Câmara municipal de Castelo de Vide disponibilizou-nos alguns guias para irem connosco. O número de guias depende do número de interessados e, portanto nós temos que antecipar com algum rigor o número de interessados. A inscrição não é definitiva, há pessoas que podem neste momento não estar a prever e depois podem-se juntar a nós. Mas pedia a todos aqueles que já têm a certeza de que vão estar na visita amanhã à tarde que hoje até ao final do jantar pudessem entregar as suas inscrições ou no mais tardar amanhã no início da sessão às dez horas para nós podermos informar a Câmara Municipal do número exacto de guias de que vamos precisar. Eu vou fazer a visita, grande parte da organização que não estiver com outras funções fá-la-á também e a nossa recomendação é que todos aqueles que o desejarem o possam fazer também porque vale a pena. É uma visita curta, é uma hora, mas ficamos a conhecer um pouco da terra que nos acolhe que é uma terra muito interessante e pode ser que haja alguma surpresa no percurso. Dra. Teresa Morais para lhe deixarmos a última palavra passo de imediato o microfone ao grupo rosa para a última pergunta da noite que será feita pela Marta Santos, sem antes deixar de em nome de todos lhe reiterar os nossos especiais agradecimentos por ter vindo de Lisboa de propósito para a Universidade de Verão. Marta, tem a palavra.
 
Marta Santos
Boa noite a todos, obrigada à Dra. Teresa Morais por estar aqui presente. Tenho duas questões a efectuar-lhe …

 

(Um minuto inaudível)

 
Dra.Teresa Morais
Marta, em relação à sua última questão, eu não a apanhei completamente, estava a tomar notas relativamente à primeira, falou das crianças de etnia cigana, mas eu queria saber especificamente qual era a pergunta sobre essas crianças.

 

Marta: - A pergunta é:

Como resolver a problemática de crianças que por opção, tradição, vivem em situações precárias, tais como por exemplo, famílias de etnia cigana?

 

Dra. Teresa Morais: - Pois, já se percebeu. Obrigada. Ora bem, em relação ao sistema de adopção chinês, eu não conheço a legislação chinesa sobre a adopção, portanto, não sei se quem lá vai e traz uma criança ao fim de oito dias, cumpre ou não cumpre a lei. Se cumpre a lei, a lei pode ser censurável mas a prática dessa pessoa não é. Mas, na verdade, estranho sempre muito estes sistemas super rápidos de adopção de crianças. Há-de haver um meio-termo equilibrado entre os nossos quatro anos de espera e os oito dias do americano que vai à China, não é verdade?

Porque é verdade que hoje em dia se tende para tornar o período de chamada observação ou vinculação observada, cada vez mais curto, isto é, criar ali um período de tempo em que os candidatos à adopção e a criança convivem, e há uma apreciação por parte de técnicos da maneira como eles estão a estabelecer a sua relação, mas que isto se consiga fazer tudo o resto do processo de adopção numa semana, eu confesso que é uma realidade que eu estranha, mas na verdade, é outra cultura, cuja legislação não conheço, e portanto, não quero ir muito longe na minha apreciação. Tenho desconfiança com esses sistemas, não só com o chinês, mas com todos aqueles que sejam tão imediatistas na entrega duma criança, que não haja tempo para cumprir formalidades, para cumprir alguns procedimentos e para observar aquela relação. E isto permite-me referir outra coisa. Há no campo da movimentação mundial de crianças muitos riscos. A adopção dita internacional, é uma coisa que tem que ser feita com cautelas e está regulamentada. Portugal ratificou a Convenção de Haia e a Convenção europeia em matéria de adopção, e há regras que têm de ser cumpridas relativamente a estes processos de adopção, em que uma criança de outro país muda de nacionalidade, vai viver com pais de uma outra nacionalidade. Isto tem procedimentos muito rigorosos no âmbito da Convenção de Haia e da Convenção Europeia para a adopção, porque não sendo assim, está facilitada a venda de crianças, a entrada de crianças em redes de pedofilia e pornografia infantil, e toda uma série de situações de risco, em que podemos não ter sido suficientemente prudentes quando facilitamos estes mecanismos. Há adopção internacional em Portugal, há adopção internacional no mundo inteiro, mas houve por exemplo, reservas muito sérias colocadas à Roménia em relação aos mecanismos de adopção, pela própria União Europeia, que duvidou da forma como as adopções estavam a ser feitas em tempos recorde, e a verdade é que nós não podemos permitir que no mundo haja países que funcionem como uma espécie de fornecedores naturais de reserva de crianças para países ricos, que para cumprirem o seu sonho de vida vão buscar crianças com facilidades a esses depósitos. E para não facilitarmos esta realidade, a legislação tem que ser cautelosa, prudente, e não me parece que uma legislação com essas características o seja suficientemente. É o que lhe posso dizer sobre isto.

Relativamente às crianças que por opção ou por tradição vivem ali num limiar que até pode ser de risco, e como é que havemos de fazer isto?

Bem, a minha opinião nisto talvez possa parecer um bocadinho dura, mas é o seguinte:

Eu acho que o respeito pelas diferenças étnicas e culturais é um princípio absolutamente nobre e a respeitar, mas em território português e debaixo da jurisdição do Estado português, não há, não pode haver do meu ponto de vista, nenhuma permissividade com situações que ponham crianças em risco de vida ou de saúde ou de desenvolvimento, sejam elas de que etnia for. E é também por isso que acho que o Estado português e as polícias portuguesas devem estar muito alerta com algumas práticas, como por exemplo, a da mutilação genital feminina nas crianças guineenses, que toda a gente suspeita que existe, mas ninguém sabe exactamente onde, quantas, como é que isso se faz, e outras práticas consideradas hoje em dia por qualquer pessoa que cultive os direitos humanos em termos mínimos, como práticas nocivas a erradicar, e que no entanto têm muitas vezes uma raiz cultural que tem explicado que durante muito tempo se tenha sido permissivo com essas práticas.

Do meu ponto de vista, há manifestações culturais entre a etnia cigana como noutras, que merecem absoluto respeito, com que se pode conviver e se deve conviver com toda a tolerância, mais do que tolerância, com igualdade de direitos de as exercer, não em matéria de protecção de crianças, não em matéria de violência doméstica, não em matéria de tudo aquilo que implique que o Estado Português abdique de uma parte do seu poder de exercer o direito e de fazer cumprir a lei relativamente a essas etnias, que, a partir do momento que vivem em território português, estão sujeitas à lei portuguesa.

Eu esqueci-me de que era esta mesma última intervenção, e que por isso devia aproveitá-la para fazer o meu agradecimento final, eu devo dizer que foi esta a primeira vez que estive na Universidade de Verão do PSD. Já conhecia a iniciativa mas nunca cá tinha estado. Gostei muito de observar de perto esta vossa experiência, acho que as pessoas têm, de facto, genericamente aqui com certeza uma oportunidade enriquecedora, fizeram perguntas inteligentes, preparadas, isto significa que tiveram trabalho para as colocar, começava, aliás, se calhar, deveria ter sido por aí, por saudar a escolha deste tema. Estarmos a falar de direitos de crianças, não é um tema menor, é um tema absolutamente fundamental, e é um tema que tem que ser trazido para a discussão pública por diversas razões e que tem que levar os políticos, o poder político a motivar-se mais, porque um país que não sabe tomar conta das suas crianças, tem o seu futuro fortissimamente comprometido. Um país em que o Estado não é capaz de zelar pelas crianças cujas famílias não têm condições para tomar conta delas ou não têm os meios próprios para isso, é um Estado que não cumpre a sua função, e portanto, que os políticos considerem que este é um tema central e um tema nobre é muitíssimo importante, e que aqueles que estão a iniciar ou no decurso de uma carreira política tenham sensibilidade a este tema é fundamental, porque um dia que desempenhem qualquer cargo em que tenham poder de intervenção, têm lá essa semente e têm condições para a desenvolver. Saúdo portanto a escolha do tema. Agradeço imenso as perguntas que colocaram e o trabalho que tiveram na preparação desta matéria, e por fim, queria só dizer-vos, em relação à experiência desta universidade e eventualmente à vossa carreira política, que já começou ou ainda não, que não deixem nunca de estudar, ter uma carreira profissional, ter um trabalho. Saber fazer bem alguma coisa é absolutamente fundamental para toda a gente, e por maioria de razão para os políticos.

Os portugueses, julgo eu, isto é uma opinião, é uma convicção, não é nenhum conhecimento científico, estão cansados do exercício da política pela política, e da discussão política pelo gosto da retórica, já ninguém tem paciência para políticos sem conteúdo, e portanto, que a vossa carreira política seja atravessada pela preocupação de lhe darem conteúdo técnico, um bom político é também alguém que tecnicamente domina alguma coisa, porque senão só diz banalidades sobre tudo, tem a pretensão de saber de tudo, fala de tudo, mas não sai da rama em matéria nenhuma, e isso, acho eu, devia ser a morte política dessas pessoas, porque o país precisa de outro tipo de políticos, porque o país felizmente tem alguns políticos diferentes, mas porque aqueles que estão agora a formar-se e têm o gosto e a pretensão de ter uma carreira política, julgo eu, que estão a tempo de mudar isto radicalmente. É preciso que o discurso político seja um discurso com substância, e só dá substância ao discurso político quem sabe das coisas de que fala.

Muito obrigada a todos por esta oportunidade. Boa noite.

(APLAUSOS)