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14.30 - Assembleia (simulação)
20.00 - Jantar-Conferência com o Dr Vasco Graça Moura
29-08-2007
O Estado visto por dentro
 
Dep. Carlos Coelho
Vamos, nesta manhã, abordar com tema que, como vos disse na sessão de abertura, resulta rigorosamente do processo de avaliação da nossa Universidade. Este tema não existiu em 2003, nem em 2004, nem em 2005. Em 2006 fizemos um ensaio que não correspondeu àquilo que desejávamos. Este tema resultou das avaliações das universidades anteriores. Os vossos colegas disseram que numa iniciativa como esta, de formação de jovens quadros políticos, era essencial termos uma noção de como é que o Estado funciona. Porque mesmo aqueles que passam por Direito e que se formam em Direito, saem muitas vezes da universidade sem perceberam exactamente como é que o Estado funciona por dentro.

E chamámos-lhe, exactamente, “O Estado visto por dentro”.

Poucas pessoas como o Dr. Luis Marques Guedes, estariam em condições de nos ajudar a fazer esta incursão nos mecanismos do Estado. O Dr. Marques Guedes tem a experiência autárquica, foi vice-presidente da Câmara de Cascais; tem a experiência de Governo, foi Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Prof. Cavaco Silva; tem a experiência da Assembleia, onde foi Deputado vários anos, e hoje é o líder parlamentar do PSD.

Dr. Marques Guedes muito obrigado por ter aceite o nosso convite. O Dr. Marques Guedes é um homem que tem como hobby a bricolage, como comida preferida o Cozido à Portuguesa, como animal preferido o Cavalo, o livro que nos sugere é a “Catedral do Mar”, o filme que nos sugere é “O dia depois de amanhã”, uma boa escolha, também foi a minha, e a principal qualidade que mais aprecia nos outros é a lealdade.

Dr. Marques Guedes associa um grande rigor e uma grande capacidade, a uma grande sageza, porque desde há 4 dias fez 50 anos e portanto, passou à segunda fase da sua vida.

Minhas Senhoras e meus senhores, o Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, Dr. Luis Marques Guedes.

(APLAUSOS)

 
Dep.Luis Marques Guedes
Muito obrigado, bom dia a todos. Em primeiro lugar, quero começar por agradecer ao Carlos Coelho, enquanto responsável por esta Universidade de Verão, o convite que me endereçou e que com imenso gosto desde logo aceitei, e também ao nosso Presidente da JSD e à JSD no seu todo por esta iniciativa. É evidente que se o Carlos Coelho é a alma desta iniciativa, a razão de ser de tudo isto é a JSD, o que está por detrás da Universidade de Verão é a JSD e é um papel algo que é fundamental, penso eu, na organização do Estado democrático que é a formação política dos cidadãos. A formação política que tantas vezes é descurada, há uma preocupação grande na democracia de entender o funcionamento da sociedade apenas, ou a participação dos cidadãos na sociedade apenas no acto eleitoral, no seu momento de voto, no seu momento das escolhas democráticas, esquecendo que para essas escolhas serem verdadeiramente livres elas têm  que ser informadas, e para serem informadas as pessoas têm que saber como é que o Estado é organizado, como é que a sociedade está organizada, e só a partir dai é que verdadeiramente existe liberdade nas escolhas. Não há liberdade nas escolhas quando nós não sabemos exactamente aquilo que estamos a fazer.

E, portanto, a formação, a formação política e cívica, é do meu ponto de vista importantíssima num Estado  democrático, e esta iniciativa da JSD é uma iniciativa extraordinariamente meritória, à qual, penso eu, todos os responsáveis que exercem serviço público em determinado momento da sua vida, devem dar a maior atenção e o maior carinho.

E, é por essa razão, essencialmente, que tenho imenso prazer em estar aqui hoje convosco e fazendo votos que, por um lado, a exposição que vos vou fazer sobre o Estado, não seja demasiado enfadonha; e, que por outro lado, que vos sirva e vos seja útil, vos sirva para esclarecer dúvidas, para tirar dúvidas, para conhecer um pouco melhor o funcionamento e a mecânica das coisas, e para vos ajudar nesta semana de trabalho que aqui vos reúne e onde vários temas são tratados.

E hoje o tema é um percurso, uma viagem, utilizando a expressão “feliz” que o Carlos na apresentação inicial colocou, uma viagem por dentro da organização do nosso Estado.

Eu iria dividir a minha exposição inicial basicamente em três momentos. Em primeiro lugar, vou tentar situar conceitos do Estado, que é para nós percebermos do que é que estamos a falar; em segundo lugar, tentar dentro desses conceitos gerais situar o caso português, quer em termos históricos quer em termos do funcionamento actual; e num terceiro momento fazer uma descrição daquilo que são as instituições, daquilo que é o funcionamento do Estado em Portugal. Haverá depois uma segunda parte, segundo o que o Carlos já me explicou também, talvez mais interessante, onde nós entraremos num diálogo, espero que útil, para tentarmos esclarecer e tirar todas dúvidas relativamente aos quês e porquês do funcionamento das coisas.

Começando então pelo esforço de situar conceitos. Em primeiro lugar, quando se fala em Estado, muitas vezes os cidadãos têm um bocadinho a noção de que, o Estado é uma coisa que está ali do outro lado, e que não tem grandemente a ver connosco. Isso revela-se, por exemplo, naquelas situações um pouco caricatas, por exemplo, quando há chuvas a mais ou há chuvas a menos e os agricultores dizem que precisam dum apoio do Estado.

E portanto, o Estado parece que é uma entidade que está para ali, que não tem que ver directamente connosco, e que vem ao nosso auxílio, ao nosso socorro ou que é responsável pelas nossas desgraças, quando verdadeiramente nada disso é aquilo que se passa.

O Estado, no fundo, e penso que é este o grande objectivo da exposição que vos vou fazer hoje. O Estado é algo que é uma criação de nós próprios. O Estado somos nós, no fundo. Ou seja, o Estado é o instrumento de organização colectiva que em cada momento as sociedades escolhem para nos gerir colectivamente.

Ou seja, se cada um de nós vivesse sozinho numa ilha deserta ou vivesse com meia dúzia de pessoas, com a sua família, seguramente não precisava de nenhum outra organização que não fosse a própria organização familiar. Como nós temos que viver em sociedade, temos que viver em conjunto, temos que encontrar mecanismos, instrumentos que permitam uma gestão colectiva da nossa vida, que nos permitam organizar, organizar a sociedade e através dessa organização prosseguir determinados objectivos.

É por isso que, historicamente, ao longo dos tempos, houve sempre este esforço da parte dos homens e das mulheres de se organizarem, de organizarem uma coisa que a partir de determinada altura passou-se a chamar Estado. Historicamente há vários tipos para não vos maçar muito, sistematizava apenas três tipos de organização do Estado.

Há o Estado que é baseado numa classe dominante. Aquilo que aconteceu historicamente, por exemplo, que acontecia na Roma antiga, no tempo dos clássicos, em que havia uma classe dominante que era quem exercia as funções do Estado. Também aconteceu no mundo ocidental e nomeadamente na Europa, durante o período da Idade Média, em que havia uma classe dominante, a Nobreza, a Aristocracia, se quiserem nos tempos mais recentes, havia uma classe dominante que se encarregava dessa gestão colectiva da coisa pública, daquilo a que nós chamamos o Estado.

Há um outro tipo de organização que é a organização que é não propriamente duma classe dominante, mas dentro da lógica de um Estado que é justificado pela vontade divina. Existem os representantes de uma entidade divina na terra e esses representantes exercem a função de gestão da sociedade. E há, por último, aquilo que nós poderíamos chamar a fórmula democrática de exercício do Estado. Fórmula democrática de exercício do Estado que tem que ver com o exercício do Estado participado por todos. Há o conceito feliz da Revolução Americana, que já tem mais de 200 anos, que é o Governo do Povo, pelo Povo e para o Povo. Vale a pena nós pensarmos o que é que isto quer dizer, porque aqui está resumido o conceito da fórmula democrática da organização do Estado.

O Governo do Povo, quer dizer que é um governo escolhido pelo Povo. Quando estou aqui a falar governo é o termo americano, mas aplica-se ao conceito de Estado, lato sensu; o Estado do Povo, é o Estado que é escolhido pelo próprio povo, isso implica naturalmente que existam eleições, eleições que permitam essa escolha do governo, essa escolha da organização do Estado; o Governo pelo Povo, quer dizer que o Estado não fica nas mãos de uma determinada classe dominante, mas qualquer representante do povo pode aceder à condução do próprio Estado, pode aceder ao governo do país. Em Roma, por exemplo, não era assim. Em Roma havia uma democracia, todos os cidadãos romanos votavam, mas votavam para eleger os Senadores, que só podiam sair dentro da classe dominante, ou seja, só da aristocracia romana é que saiam os Senadores e os Cônsules, saíam os governantes. Embora houvesse uma participação, digamos assim, democrática de todos os cidadãos na escolha do seu governo, esse governo não podia ser feito por qualquer representante do cidadão.

Desde a Revolução Americana, o governo do Povo pelo Povo e para o Povo, o pelo Povo quer dizer que de facto qualquer cidadão, qualquer membro da sociedade pode ser escolhido pelos seus pares para ficar à frente da organização do Estado, ficar responsável pela organização do Estado.

Nesta trilogia do Povo, pelo Povo e para o Povo, o para o Povo, obviamente quer dizer que o objectivo de gestão do Estado, o objectivo de funcionamento do Estado, é um objectivo de prosseguir determinado tipo de necessidades comuns, determinado tipo de necessidades colectivas, de toda a gente, e não objectivos específicos de uma determinada classe, ou objectivos específicos de uma determinada religião, no caso em que a organização do Estado não seja uma organização democrática, seja uma organização teocrática.

Por estes conceitos, por esta trilogia que eu acabei de vos referir, que de resto desde a Revolução Americana, que como sabem, foi no final do século XVIII, foi-se estendendo progressivamente a todo o mundo ocidental, e as chamadas democracias ocidentais, hoje, no fundo, seguem ou tentam seguir, com maior ou menor sucesso, um pouco estes grandes objectivos da fórmula democrática da organização do Estado. O chamado Estado de Direito Democrático, é um Estado que é do Povo, pelo Povo e para o Povo. Significando com estes três conceitos aquilo que acabei de vos referir, a necessidade de haver eleições livres; a possibilidade de todo e qualquer cidadão poder ser escolhido pelos seus pares, para assumir funções de responsabilidade dentro do Estado; e o princípio de que a lógica de funcionamento do Estado, deve ser a lógica de prosseguir fins comuns, fins colectivos e não fins sectários ou apropriados apenas por um sector da sociedade.

Por estes princípios, desde já, olhando para o mundo que nos rodeia, conseguem perceber desde logo, as diferenças que marcam a organização de determinado tipo de Estados. Há Estados onde não há eleições, onde o governo não é do Povo, é o caso por exemplo das ditaduras, da China, Cuba, aonde aquilo que se passa é que existe uma classe, neste caso um partido que fez uma revolução, que está instalado no poder e o poder é deles. O poder verdadeiramente não é do Povo no sentido em que o Povo pode em cada momento escolher mudar os responsáveis pelo funcionamento do Estado. Não. O Estado está apropriado, nos exemplos que vos dei, por um determinado partido político, e esse partido político exerce o poder e gere o Estado, e organiza o Estado, de acordo com os seus princípios e não através de escolhas livres da parte dos cidadãos.

Há outros casos, as chamadas plutocracias que são a organização do Estado em que aquilo que existe são as chamadas vanguardas iluminadas. Portanto, há uma determinada casta, uma determinada classe social, que é a detentora do poder, e exerce esse poder directamente sem que haja a possibilidade de o poder ser exercido por todo e qualquer de cidadão. Não. O poder só pode ser exercido, já vos dei o exemplo histórico dos clássicos, da Roma antiga, na Europa também era assim até meados do século XIX, de facto, nas monarquias, antes da democracia na Europa, nas monarquias, mesmo depois do feudalismo, o poder era sempre exercido pela classe nobre, pela nobreza.

E, portanto, havia uma espécie de plutocracia, não havia verdadeiramente a possibilidade de todo e qualquer cidadão ser escolhidos pelos seus pares para assumir responsabilidades de organização e de gestão do Estado.

Como existe, por outro lado, no mundo de hoje em dia, os chamados Estados Teocráticos, teo no sentido, como sabem teo em grego quer dizer divindade, quer dizer Deus. Os Estados Teocráticos como são Estados fundamentalistas, onde o objectivo do Estado não é prosseguir o bem comum, o objectivo do Estado é cumprir os ditames de uma determinada religião.

Aquilo que distingue os Estados fundamentalistas religiosos das Democracias ocidentais, por exemplo, como nós as conhecemos, é exactamente de que o objectivo não é governar para o Povo, é governar para cumprir uma determinada cartilha ideológica, neste caso, religiosa. Ou seja, toda a sociedade é orientada e é organizada, e o Estado está estruturado para que os cidadãos cumpram uma determinada lei divina e não para prosseguir o bem comum.

E portanto, sem qualquer tipo de apreciação subjectiva que aqui queira introduzir, cada um depois faz obviamente as suas análises. As distinções são claras se nós olharmos para estes conceitos genéricos. O Estado do Povo, pelo Povo e para o Povo, ou o governo do Povo, pelo Povo para o Povo. E vocês catalogando qualquer tipo de organização do Estado, se faltar alguns destes conceitos, ou de acordo com os conceitos que lá estão ou não estão, fica mais fácil poder-se perceber qual é o tipo de organização do Estado em que nós estamos em presença.

Portugal, obviamente que é hoje em dia um Estado de Direito Democrático. É um Estado em que existe eleições livres, é um Estado em que a escolha do governo é uma escolha do povo; é um Estado em que esse governo e a organização do Estado também é feito pelo povo, no sentido de como sabem, qualquer cidadão português tem a capacidade de poder ser escolhido pelos seus pares, para assumir responsabilidades de gestão e de governação, de gestão do Estado e de governação do país; e, é, em princípio, também um Estado organizado para o Povo, no sentido em que todo o objectivo da máquina do Estado, toda a estruturação do Estado, é feita com o fito de prover a necessidades colectivas. De acordo com determinado tipo de programas políticos, como é evidente, de acordo com as diversidades ideológicas e partidárias que democraticamente em cada momento as pessoas queiram escolher. Mas, todas elas prosseguindo o bem comum.

De resto, a Constituição da República Portuguesa, é muito clara nesse sentido, dizendo que a organização do Estado português é um Estado de Direito Democrático em que o Soberano é o Povo e em que o Estado prossegue, necessariamente, respeitando a dignidade da pessoa humana, prossegue o bem comum. É esse o objectivo.

Portanto, a estruturação do nosso estado, segue os tais princípios com mais de 200 anos da Revolução Americana, de o Estado do Povo, pelo Povo e para o Povo. Com maior ou menos sucesso mas, os objectivos estão lá, são esses e é dessa forma que o Estado português, como a generalidade das Democracias europeias e ocidentais, se estruturam.

De resto, estes princípios, são princípios que dentro da União Europeia fazem parte do acquis communautaire, ou seja, são princípios essenciais, que todos os países que queiram entrar para a União Europeia têm de aceitar sem discussão. Têm de aceitar sem discussão. Sem entrar aqui em detalhes, um dos debates complicados que está a haver, relaciona-se com as dúvidas que alguns países têm de que um país como a Turquia, por força da sua herança cultural e do tipo de organização cultural e religiosa que existe dentro da sociedade turca, possa respeitar integralmente todos esses princípios, porque não basta dizê-lo, é preciso depois que isso tenha uma tradução prática no funcionamento do próprio país.

Fechado esse parêntesis. Voltando ao caso português.

Portugal é hoje um Estado de Direito Democrático, mas não foi sempre assim, como sabem.

Não foi sempre assim. Durante o século XX nós tivemos o período do Estado Novo, em que manifestamente faltavam alguns destes pressupostos, alguns destes pressupostos, nomeadamente as eleições livres. Verdadeiramente não existiam eleições livres em Portugal durante o período do Estado Novo. Portanto, o Estado não era propriamente um Estado do povo.

Havia uma força política, um partido político que era inicialmente a União Nacional e depois a partir da década de 60, mudou o nome para Acção Nacional Popular, que se tinha apropriado do aparelho de Estado, era detentora do poder, e que, para satisfazer a comunidade internacional, fazia uns simulacros de actos eleitorais de vez em quando. Mas verdadeiramente, não havia a possibilidade dos cidadãos escolherem os seus governantes, escolherem a forma de organização do seu Estado. Havia uma classe, uma estrutura que estava instalada no aparelho de Estado e governava a seu belo prazer.

Depois do 25 de Abril também houve um período inicial, - todos os que estão aqui à minha frente são novos de mais para terem vivido esse período, mas conhecem-nos seguramente, ficou conhecido historicamente como o PREC – Processo Revolucionário em Curso -, houve um período a seguir ao 25 de Abril que se estendeu mais ou menos por dois anos, em que houve de facto uma grande indefinição entre nós, sobre o modelo de Estado que nós queríamos, que Portugal queria vir a abraçar.

Havia forças políticas, como era o caso do PSD, na altura PPD, e o CDS e o PS, que queriam que Portugal tivesse um modelo de Estado do Povo, pelo Povo e para o Povo, ou seja, o modelo ocidental, o modelo de Estado de Direito Democrático.

Havia outras forças políticas, nomeadamente o PCP e todos os outros partidos que na altura existiam, à esquerda, que pretendiam coisa diferente. Pretendiam, verdadeiramente, que Portugal caminhasse para o socialismo através da cartilha marxista, que era: primeiro uma Revolução Democrática, que foi o 25 de Abril, ou seja, no sentido de uma revolução que permitisse a participação de todos os cidadãos no processo cívico, mas imediatamente a seguir, - quem já leu Marx, sabe que é esse o conceito de Estado que está impresso no Marxismo -, imediatamente a seguir à Revolução Democrática  tem que haver uma Revolução Socialista. Em que existe uma vanguarda dominante que é o proletariado e os seus representantes, que exercem a ditadura do proletariado, para conduzir o país para o socialismo.

E, portanto, como vêem, faltam logo aqui alguns dos conceitos que há pouco falávamos. Deixa de haver eleições porque passa a haver uma ditadura do proletariado; o poder não é exercido pelo Povo, é exercido pelos representantes apenas do proletariado. Todas as outras estruturas, todas as outras classes, todos os outros grupos de sectores da sociedade, são marginalizados, porque a vanguarda da Revolução é o proletariado; e, em terceiro lugar, também não é um governo, também não é um Estado para o Povo, é um estado para o socialismo, está pré-definido qual é que é o objectivo do Estado. Não há liberdade de em cada momento, cada geração, cada grupo de cidadãos maioritários na sociedade, escolher quais são os caminhos e quais é que são os objectivos que quer que colectivamente a sociedade prossiga. Não. De acordo com a cartilha marxista não é assim.

De acordo com a cartilha marxista o objectivo é atingir o socialismo, que na sua fase final seria o comunismo, uma sociedade ideal, uma utopia que é criada pela doutrina marxista e que o Estado tinha que se organizar e tinha que necessariamente, no seu funcionamento, prosseguir esses objectivos.

E quem viveu esse período, apesar de provavelmente aqui nesta sala, eu ser a única pessoa, porque o Zeca já saiu, que já fez 50 anos, o Carlos Coelho pelo menos, viveu esse período, viveu até intensamente do ponto de vista político, embora bastante jovem, eu também, na altura tinha 16 anos quando foi o 25 de Abril, mas tivemos oportunidade de viver esse período e sabemos bem, da tensão e da luta, que na altura se travou entre estes dois modelos de organização do Estado.

Por um lado, quem queria o Estado de Direito Democrático, quem queria um Estado organizado para defender estes princípios da democracia ocidental; e quem queria um modelo diferente, quem queria prosseguir um modelo diferente.

Como sabem, e felizmente, venceu a facção do nosso lado, venceu a facção europeia, a facção ocidental. Venceu a teoria da organização do Estado de acordo com os princípios do Estado de Direito Democrático.

E se forem ver à Constituição da República que foi aprovada na altura, em 75, o braço de ferro que esteve por trás da sua aprovação, está expressão nos próprios artigos da Constituição.

Uma coisa que hoje em dia é, digamos faz parte da vida de vocês todos, faz parte da maneira como vocês todos olham para o Estado, que é o pluralismo. O que é que é o Pluralismo? O Pluralismo é a possibilidade, como a própria palavra diz, em vez de haver um sentido único, há um sentido plural na organização do Estado. Ou seja, o Estado não está pré-destinado a arrumar-se e a estruturar-se de uma única maneira, o Estado pode e deve conter dentro de si uma pluralidade de ideias, de ideologias, de estratégias e de acordo com as escolhas, que em cada momento sejam feitas livremente, em eleições pelos cidadãos, o Estado organizar-se-á de uma determinada maneira.

Isso é o Pluralismo. E foi um braço de ferro quem viveu o PREC, lembrar-se-á bem disso, foi um braço de ferro muito duro, muito duro, entre as forças que defendiam que a Constituição portuguesa deveria salvaguardar o princípio de pluralismo na organização do Estado; e aqueles que entendiam que não, que o objectivo do Estado, o objectivo da Revolução era Portugal rumar ao Socialismo, o objectivo da estruturação do Estado, era única e simplesmente, prosseguir a construção da sociedade socialista. E portanto, não tinha que haver pluralismo absolutamente nenhum. Como não existe nos países, ainda hoje são exemplo, China, Cuba, Correia do Norte, onde não existem partidos políticos, apenas só é legal o partido comunista, o partido do poder, o partido que conduz e detém as rédeas de funcionamento do Estado, com o objectivo de prosseguir a cartilha, o seu programa de levar a sociedade rumo ao socialismo.

Mas, era esse o braço de ferro que em Portugal também se jogava. Jogava, mas, na Constituição da República logo no artigo 2º da nossa Constituição, está escrito que o Estado português é um Estado Pluralista.

E este é o primeiro grande conceito que eu vos queria aqui deixar, porque é o conceito que, digamos assim, divide águas. Há uma clara divisão de águas entre os Estados que se organizam de uma forma pluralista e os Estados que se organizam de uma forma unívoca, de uma forma totalitária, digamos assim. Em que existe uma ideologia que absorve completamente todas as instituições e todo o modo de funcionamento do Estado.

Em segundo lugar, o Estado português acolheu também o princípio da representação. Princípio da representação que tem que ver com a tal lógica do Estado pelo Povo. Ou seja, o princípio de que qualquer cidadão pode, através da escolha dos seus pares, ser escolhido para os órgãos de poder. As chamadas democracias representativas de que Portugal é um exemplo, no fundo, o que é que quer dizer este palavrão? Quer dizer que os cidadãos quando votam, votam para livremente escolher de entre si os seus representantes, e depois são esses representantes que vão exercer, durante o período do mandato do poder entre eleições, que vão exercer as funções de condução do Estado e de governação do país através disso.

O princípio da representação, a democracia representativa que no fundo existe, porquê? Podemos questionar-nos. Porque é que a democracia tem que ser uma democracia representativa. É que se a democracia não fosse representativa, ou seja, não houvesse escolha de representantes por parte de toda a sociedade para, em cada momento, em cada período, em cada mandato, exercerem o poder e governarem o Estado, o que acontecia era que nós passávamos a vida a ter que reunir a sociedade toda, para ela decidir a todo o momento o que fazer.

Ou seja, a democracia representativa é aquilo que nos garante que nós escolhemos em determinados momentos os nossos representantes, e depois, esses representantes vão, durante o período que nós lhes concedermos de mandato, vão tomando as decisões, que de outra forma teriam que ser permanentemente tomadas em colectivo.

O que era totalmente impossível nas sociedades, se isso é possível nas comunidades pequenas, numa comunidade pequena em que existam 300,400, 500 pessoas, teoricamente é perfeitamente possível que cada vez que é necessário tomar uma qualquer decisão haja um plenário de cidadãos, todos os cidadãos se reúnem em conjunto e democraticamente tomam uma decisão sobre uma solução a tomar para um determinado problema.

Numa sociedade grande, organizada nos países como nós os conhecemos, hoje em dia é evidente que isso já não funciona, deixa de funcionar a partir de um determinado quantitativo.

E, portanto, as democracias representativas, no fundo, são a fórmula de dar resposta a esse problema de dimensão. Para se manter a democracia, para se manter a lógica do Estado do Povo, pelo Povo e para ao Povo, é necessário que cada vez que nós todos somos chamados a fazer escolhas, elejamos determinados representantes, que nos garantam depois, durante o período do exercício do seu mandato, garantam três princípios essenciais: o princípio da estabilidade, o princípio da governabilidade; e o principio da responsabilidade. Isto tudo em termos políticos.

Estabilidade no sentido de durante o período em que os mandatos se exerçam, não estarmos sempre a ter de alterar, quer dizer, os representantes não estarem sempre a mudar, e portanto, não haver uma linha de rumo, não haver uma estabilidade no funcionamento do próprio Estado.

Governabilidade no sentido de os governos poderem ser apoiados maioritariamente, desde que os representantes estejam lá durante 3, 4 ou 5 anos, isso depois varia de pais para país, durante esse período existem condições efectivas para que o poder seja exercido pela maioria dos representantes.

E, por outro lado, responsabilidade, que é que para permitir que os cidadãos no final de cada um desses períodos, quando são chamados a fazer novas escolhas, possam pedir responsabilidades a quem entregaram da última vez o poder. Ou seja, uma determinada força política, um grupo de cidadãos que exerce o poder por mandato democrático dos outros cidadãos, quando volta ao acto eleitoral seguinte, há, digamos que, um balanço e contas que são feitos para se pedir responsabilidades. Governou bem, governou mal. Se governou mal, naturalmente que as escolhas vão recair, vão penalizá-lo e vão recair sobre outra, uma alternativa que os possa substituir; se a aferição dessas responsabilidades é de que a governação e a gestão do Estado foi feita correctamente, os cidadãos podem optar por renovar a sua confiança nesses representantes, e permitir que eles continuem a assegurar o funcionamento do Estado.

Mas estas formas de representação, de democracia representativa, no nosso caso português não esgotam totalmente a organização do Estado.

Ou seja, os cidadãos não podem apenas – os cidadãos, quando eu falo os cidadãos é nós todos, o conjunto de nós todos – participar neste jogo democrático de 4 em 4 anos. Não podemos votar e depois virar as costas e só passados 4 anos voltar cá para fazer contas e ver se funcionou bem ou se funcionou mal.

Fazemos isso, mas temos que fazer mais do que isso. A sociedade, hoje em dia, e a evolução das sociedades requer, que os cidadãos hoje, cada vez mais, exigem mecanismos de participação durante o funcionamento, durante o período dos mandatos. Portanto, mesmo nos intervalos entre eleições, que são, as eleições são aquilo que asseguram a democracia representativa, tem de haver também o desenvolvimento da participação dos cidadãos.

E, hoje em dia, em Portugal, existem, têm vindo a ser consolidados ao longo dos últimos 30 anos, vários mecanismos importantes de participação dos cidadãos no funcionamento do Estado.

Desde logo, aquele que é o mais conhecido de todos que é os Referendos. Os Referendos, no fundo, o que é que são os Referendos? Os Referendos são momentos em que os representantes que estão mandatados pelo povo, pelos cidadãos para exercer o poder, leia-se os eleitos da Assembleia da República, o Presidente da República, entendem face a determinado tipo de questões que, não devem, (apesar de terem um mandato de representação) decidir sobre essas questões, e essa decisão deve ser devolvida ao colectivo da sociedade, deve ser devolvida a todos, e então convoca-se um Referendo. Para que todos possam, expressando a sua opinião formar uma decisão, uma decisão maioritária.

É isso que acontece com os Referendos. Os Referendos podem ser inclusive, como sabem, na organização do Estado português, de iniciativa popular, podem ser os cidadãos a solicitar ao Estado a convocação de um Referendo.

Para além dos Referendos há outros mecanismos que a Constituição portuguesa prevê como a Iniciativa Legislativa Popular. Ou seja, os cidadãos, o poder legislativo em Portugal como à frente veremos está na Assembleia da República e no Governo, mas, um conjunto de cidadãos podem, de acordo com a Constituição portuguesa, podem tomar a iniciativa de, propor uma lei e submetê-la à Assembleia da República para que ela possa ser aprovada e entrar em vigor. E portanto, existe também este mecanismo de participação que são as Iniciativas Legislativas Populares.

Existe o conhecido Direito de Petição, ou seja, qualquer grupo de cidadãos (ou mesmo um cidadão individualmente considerado) pode apresentar directamente uma petição aos Órgãos do Estado para que tomem determinado tipo de decisões.

Como existem, hoje em dia, outras formas de participação dos cidadãos que se desenvolvem através dos mecanismos de discussão pública de determinado tipo de decisões ou de iniciativas que vão ser tomadas por parte da administração, a todos os seus níveis, como sabem hoje em dia não é apenas na área do ambiente, na área das autarquias, por exemplo, cada vez que uma autarquia pretende alterar o Plano de Desenvolvimento do Município, obrigatoriamente tem durante um período, entre 30 a 90 dias, pelo menos, de colocar à discussão pública, à discussão de todos os cidadãos do município, o projecto de alteração do PDM, por exemplo, do Plano de Desenvolvimento.

Isto para quê? Isto para permitir, exactamente, que exista uma participação acrescida por parte dos cidadãos, e para que quando os seus representantes vierem a decidir e a aprovar em definitivo esses planos, o façam com um refrescamento da sua legitimidade política, refrescamento esse que lhe advém, exactamente, do facto de ter havido um envolvimento e uma participação activa de todos os cidadãos. O que permite que a decisão que é tomada pelos representantes seja uma decisão, um pouco mais legítima, ou pelo menos, com um legitimidade mais fresca, mais próxima daquilo que é a vontade, nesse momento, da própria sociedade.

O último conceito, já vos falei aqui do conceito de pluralismo, do conceito de representação, de participação, o último conceito ou os últimos dois conceitos são dois lados de uma mesma moeda na organização do Estado português.

Que é os princípios da Separação e Interdependência.

O que é que quer dizer estes princípios da Separação e Interdependência? Para perceberem um pouco a génese desta questão, é preciso recusar mais uma vez aos tempos da Revolução Americana a da Revolução Francesa também, que historicamente, como sabem, são mais ou menos contemporâneas. Quando se fizeram essas revoluções, quando se deu esse salto para uma organização do Estado mais democrática, um dos princípios essenciais foi o princípio da separação de poderes. Ou seja, para que uma sociedade funcione de uma forma mais democrática possível, é necessário que haja alguma separação dos poderes, ou seja, que o poder não esteja todo concentrado numa única entidade, porque a concentração do poder, o chamado poder absoluto leva necessariamente a um definhar da democracia, a um definhar da vontade colectiva que deve estar por trás desse poder.

E, portanto, historicamente havia, desde a Revolução Francesa, a separação entre os poderes clássicos, que era o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Jurisdicional, o poder dos tribunais. Separação essa clássica que hoje em dia se mantém, grosso modo, nas democracias, nos Estados de Direito Democráticos e em Portugal também.

Em Portugal, há legitimidades perfeitamente distintas e o exercício desse poder está perfeitamente separado entre o Poder Executivo, que é o Governo; entre o Poder Legislativa, que é a Assembleia da República; e o Poder Judicial, o poder dos tribunais. O exercício do poder judicial é totalmente independente dos outros poderes. E o funcionamento do governo, com alguns pesos e alguns contrapesos, é também ele, independente da Assembleia da República. Ou seja, são órgãos de soberania distintos.

Mas hoje em dia a separação de poderes não funciona sem ao mesmo tempo a interdependência, ou seja, os poderes são separados mas, por outro lado, estão interdependentes. Há traços de co-responsabilização entre os vários poderes, que eu vos falarei a seguir, e que fazem com que, tudo isto possa funcionar de uma forma articulada. Por se não, a separação pura e dura, às tantas podia levar que cada um puxava para o seu lado, cada um dos poderes caminhava num determinado sentido e o Estado não funcionava de uma forma harmoniosa.

E por isso é que os princípios da separação e da interdependência são, duas faces duma mesma moeda.

Portanto, a separação e interdependência, no fundo, é a divisão de poderes e de equilíbrios dentro da sociedade para se combater a concentração por um lado, e por outro lado para favorecer a fiscalização mútua. A interdependência faz com que a Assembleia da Republica fiscalize politicamente o Governo, e possa em determinadas circunstâncias, se entender que o Governo não está a governar de acordo com aquelas que são ou que eram as expectativas pelas quais foi escolhido e foi eleito, pode inclusive derrubar o governo, através de moções de censura. Portanto, há princípios de fiscalização, há princípios de interdependência que faz com que, embora os poderes sejam separados, eles no fundo estão ligados entre si, através de determinado tipo de mecanismos que os “condena”, no bom sentido, a funcionar em conjunto para se prosseguir o bem comum.

E para entrar agora nesta explicação melhor, acho que vale a pena começarmos a analisar aquilo que são os órgãos de soberania no Estado português.

O Estado português tem 4 órgãos de soberania: tem o Presidente da República, tem a Assembleia da República, tem o Governo, e tem os Tribunais.

Estes são os 4 órgãos de soberania dentro dos quais se distribui o exercício do poder e a organização do Estado, como nós a conhecemos.

O Presidente da República, digamos assim, é o órgão topo que faz a representação da Nação, a representação de todos portugueses. E ao mesmo tempo é o garante, é o responsável pelo regular funcionamento das instituições.

O que e que isto quer dizer? É exactamente aquele que é o mais responsável pelo tal princípio da separação e interdependência. É ele que tem que velar para que todas as instituições do Estado funcionem de uma forma, por um lado, separada e independente, para que não haja uma excessiva concentração do poder; mas, por outro lado, que todos remem para o mesmo lado e tentem prosseguir o bem comum.

E portanto, o Presidente da República tem essa responsabilidade de assegurar o regular funcionamento das instituições.

Depois, temos a Assembleia da República que, por natureza das coisas é o órgão legislativo por excelência, mas não apenas legislativo, não é apenas o órgão que tem o poder legislativo máximo. A Assembleia da República começa por ter o maior dos poderes (que normalmente se fala muito pouco), que é o poder de aprovar e alterar a Constituição da República. Se a Constituição da República é a Magna Carta de funcionamento do Estado, é evidente que quem detém o poder de alterar a Constituição, tem o poder máximo que é o poder de alterar as regras do jogo.

As regras do jogo estão fixadas na Constituição da República, e quem tenha o poder de alterar a Constituição, tem o poder máximo. E, portanto, nesse sentido a Assembleia da República começa por ter esse poder que é o poder constituinte, que é um poder que pouco se fala porque não é exercido de uma forma regular, e ainda bem que não é, porque o funcionamento do Estado naturalmente que pressupõe uma estabilidade nos seus princípios e nas suas regras de funcionamento. Mas, a detenção desse poder por parte da Assembleia da República, coloca necessariamente a Assembleia da República no topo em termos de organização do Estado.

Depois temos o Governo, que é o Poder Executivo. Que tem responsabilidades de condução da política geral do país e é o órgão máximo de gestão da administração. Ou seja, na prática é o governo, é quem governa, na prática é quem detém os cordelinhos de gestão prática do dia a dia do funcionamento dessa entidade colectiva que todos nós chamamos Estado.

Ao nível central, porque o Estado (já lá irei na parte final deste exposição), também se divide por patamares diferenciados de acordo com a organização do território. Mas, em termos nacionais, o Governo como órgão de soberania executivo, é quem tem a responsabilidade de definir a política geral do país, portanto, definir o tal bem comum que se pretende em cada momento prosseguir e depois fazer a gestão quotidiana, diária do funcionamento da administração, da chamada máquina do Estado. A máquina do Estado é a Administração Pública, da qual o Governo é o responsável.

E, depois, por último, temos os Tribunais. O quarto órgão de soberania são os Tribunais, os tribunais que detém a força, detém o poder jurisdicional, que é um poder muitíssimo relevante, porque essa é uma das pedras basilares do Estado de Direito Democrático, - Estado de Direito Democrático é um Estado aonde ninguém está acima da lei, onde as regras são definidas na lei para que todos possam conhecer, previamente as regras do jogo, e ninguém seja beneficiado ou prejudicado em relação aos outros, porque a todos se aplica a mesma lei. Isso é o que define o Estado de Direito. Os tribunais são quem vela pelo funcionamento desse Estado de Direito. Quem defende os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, quem penaliza e sanciona, quem não cumpre as regras que estão previamente definidas na lei.

Há de resto uma norma pequenina, que normalmente passa um pouco despercebida, mas que é extraordinariamente importante, na Constituição da República, em que está escrito, preto no branco, que as decisões dos tribunais, as decisões do órgão de soberania Tribunal, são decisões que se impõem a todos os outros órgãos de soberania.

Ou seja, nem o Presidente da República, nem a Assembleia da República, nem o Governo, nem obviamente cada um dos cidadãos, cada uma das organizações da sociedade individualmente considerada, pode recusar-se a cumprir uma ordem, uma decisão dum tribunal.

Ou seja, as sentenças dos tribunais, as decisões dos tribunais impõem-se e prevalecem sobre todas as outras decisões, de todos os outros órgãos de soberania. Num Estado de Direito, não há decisão política que possa fazer valer por cima de uma decisão judicial, e isso é o que distingue os Estados de Direito, e nesse sentido, o poder dos tribunais, é por isso que os tribunais são um órgão de soberania (…)

 

(Um minuto inaudível)

 

 (…)o órgão de soberania tribunal tem um poder essencial muito importante, dentro desta organização do Estado de Direito Democrático. As pessoas, normalmente, tendem a olhar só para os órgãos de soberania de génese política, de escolha política, que são o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo, e a esquecer os tribunais, mas, a verdade é que num Estado de Direito as decisões dos tribunais prevalecem sobre todas as outras, inclusive sobre as decisões dos outros órgãos de soberania.

Falei-vos há pouco da organização, que o Estado se organiza em vários patamares. É verdade. Há o Estado central, a administração central do país, o Estado central, e depois há organização a nível regional, das regiões autónomas, e a nível local, que são as autarquias.

Em qualquer um destes três patamares nós estamos perante administração estadual. Lato sensu, quando um cidadão tem um problema com uma autarquia, dum lado está o interesse particular do cidadão, do outro lado está o interesse público, o interesse do Estado (Estado entendido como forma de organização colectiva da sociedade para resolver os seus problemas), e está o Estado a nível local. Como nas regiões autónomas, em Portugal, a nossa organização prevê a existência (embora sejamos um Estado unitário), de duas Regiões Autónomas, nos Arquipélagos dos Açores e da Madeira. Em cada uma dessas regiões existe um patamar de poder, um patamar que exerce a governação e a gestão colectiva dos meios. Ou seja, exerce um poder de Estado, neste sentido lato, que são os órgãos de governo próprio de cada uma destas regiões.

A nível local são as autarquias, como vocês conhecem, já passaremos depois em descrição esses vários patamares de poder que existem em cada uma destas áreas espaciais, digamos assim: local, regional e nacional.

Obviamente, como veremos também, em todos estes patamares os tais princípios de que falávamos, de pluralismo, de representação, de participação, de separação e interdependência, estão presentes. Também fazem parte da organização de todos esses patamares do Estado.

Há bocadinho já vos falei um pouco do papel de cada um dos órgãos de soberania, mas vale a pena fazer aqui uma explicação um bocadinho mais específica.

Comecemos pelo Presidente da República. O Presidente da República, como vos referi, as suas competências são: velar pela unidade do Estado, pela representação da Nação, e pelo regular funcionamento das instituições. E para isso ele tem determinado tipo de poderes. Desde logo, tem o poder de veto.

O que é que é o poder de veto? Cada vez que a Assembleia da República ou o Governo, no uso das suas competências próprias tomam determinado tipo de decisões, essas decisões têm que ser assinadas, leia-se sancionadas pelo Presidente da República, e o Presidente da República pode-se opôr. Pode não concordar, pode achar que essa decisão, seja uma lei aprovada na Assembleia da República, seja uma decisão aprovada pelo Governo, um decreto do Governo, tem que ir ao Presidente da República e o Presidente da República pode não concordar com ela. A não concordar com ela exerce um poder que a Constituição lhe dá, que é o poder de veto.

O que é que é o poder de veto? O poder de veto é dizer: não assino. E volta para trás. Volta para trás com uma de duas consequências: ou volta para trás para quem produziu essa decisão, seja o Governo, seja a Assembleia da República reponderar e alterar; ou no limite, a Assembleia da República ou o Governo poderem confirmar essa sua decisão, depois de reavaliá-la, chegarem à conclusão de que querem mesmo que aquela decisão vá para a frente, e então voltam a devolver o diploma ao Presidente da República. E, depois há aí um mecanismo, (só interessa, penso eu, mais para os formados em direito), que é, sobre determinadas matérias essa confirmação exige uma maioria qualificada dentro da Assembleia da República, ou exige uma mera maioria simples. Isso já tem que ver, com a natureza das matérias que estejam em discussão.

Este poder de veto do Presidente da República, é um poder muito importante, no tal jogo de separação e interdependência que é um dos princípios da organização do Estado.

Ou seja, o Presidente da República através deste poder de veto, pode de facto influenciar o funcionamento dos outros órgãos de soberania, pode inclusive condicionar decisões dos outros órgãos de soberania.

E, depois, tem um outro poder que já foi em tempos apelidado de “bomba-atómica”, que é o poder de dissolução dos outros órgãos. O Presidente da República, pode decidir dissolver a Assembleia da República ou demitir o Governo. Ou seja, pode deitar abaixo os outros órgãos de soberania, embora também os outros órgãos de soberania sejam democraticamente legitimados pelo voto popular. No caso da Assembleia da República directamente, no caso do Governo, indirectamente, porque é aprovado pela Assembleia da República que tem a tal legitimação popular. Existe também este poder de dissolução ou demissão dos outros órgãos de soberania por parte do Presidente da República, que é um poder muito importante neste tal funcionamento de separação e interdependência.

Aqui começam a perceber como é que, por um lado há separação de facto, mas por outro lado, há esta interdependência. Como é que ela se joga. E joga-se através de competências próprias, no caso do Presidente da República, das quais as duas mais importantes são o veto e a dissolução.

Passemos à Assembleia da República. A Assembleia da República genericamente tem o tal poder constituinte que eu vos falei, que muitas vezes é pouco mencionado, mas que no fundo, uma vez que é o poder de mexer e de alterar a Constituição da República, é um poder máximo, porque é no fundo o poder de alterar as regras do próprio jogo, a que está submetida toda a organização do Estado. Tem o poder constituinte, tem o poder legislativo, com reserva, o poder legislativo total, universal, sobre todas as áreas legislativas, mas, em algumas dessas áreas é um poder reservado só para si, só para a Assembleia da República. É a chamada reserva de competência legislativa da Assembleia da República.

Dito de uma forma mais simples, a Assembleia da República pode legislar sobre tudo e mais um par de botas, mas em algumas dessas áreas tem uma competência que o Governo também tem, ou seja, tem uma competência concorrente com a do Governo: tanto pode ser a Assembleia da República a legislar como pode também ser o Governo, através de Decreto-Lei. Mas há determinado tipo de áreas, aquelas que são consideradas as mais relevantes na estruturação do Estado e da organização da sociedade, que só a Assembleia da República é que pode legislar, que são as áreas de reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Além disso, a Assembleia da República tem também poderes essenciais no tal jogo de separação e interdependência, como sejam o poder de fiscalização permanente da actividade política do Governo, e um poder decisivo na formação e na demissão do próprio Governo.

Como sabem, o órgão de soberania, Governo, quando é constituído a seguir a um acto eleitoral, tem, que apresentar o seu programa perante a Assembleia da República e a Assembleia da República nesse momento tem o poder de dizer: não quero. Não concordo com esse programa de governo, não concordo com esse governo, e portanto, o governo não vai para a frente.

Tem esse poder no momento da formação do Governo, que é uma competência da Assembleia da República que pode inviabilizar a formação do Governo, e tem um poder a todo o tempo de demissão do Governo. Através de quê? Através da aprovação de uma Moção de Censura. A todo o tempo na Assembleia da República pode ser apresentada, discutida e votada uma moção de censura que, caso seja aprovada, tem como consequência necessária a queda do Governo, a demissão do Governo.

E, portanto, joga-se aqui, mais uma vez, como estão a ver à semelhança do que acontece no caso do Presidente da República com os poderes de veto e de dissolução, aí por acto próprio, por decisão própria.

No caso da Assembleia da República é através das moções de censura que têm que ser debatidas e votadas colectivamente pelo plenário da Assembleia da República, mas caso sejam aprovadas têm exactamente a mesma consequência. Ou seja, no caso do Governo, tem a consequência da queda do Governo, de deitar abaixo o Governo, e de obrigar à constituição de um novo Governo, que mais uma vez vai ter de ir à Assembleia da República, no seu momento inicial de formação, para ver se a Assembleia da República lhe confere um mandato de confiança política par que ele possa iniciar funções.

Portanto, os governos só iniciam funções depois de passarem pelo crivo da Assembleia da República, e a todo o tempo, durante o exercício das suas funções, pode a Assembleia da República, através das moções de censura deitar abaixo o próprio Governo.

Passemos então para o órgão de soberania Governo. O órgão de soberania Governo, como eu já vos referi, é quem tem a competência de condução da política geral do Estado, do país, da sociedade. Através de um programa que é inicialmente apresentado à Assembleia da República, e que traça as linhas gerais da condução dessa política e dos objectivos a que se propõe atingir durante o funcionamento da actividade do próprio Governo e, por outro lado, depois tem, digamos, como consequência disso a máquina do Estado, a gestão da administração pública, a administração pública central, estamos a falar do Governo nacional, e portanto a administração no plano central.

É o Governo que é o responsável por toda a administração pública as direcções gerais, as repartições, direcções de serviços, os institutos públicos, as empresas públicas. Portanto, seja o sector empresarial do Estado, que são as empresas públicas, as empresas de capital maioritariamente público; seja o sector administrativo do Estado, que são as direcções gerais, os institutos públicos, as repartições e por aí fora.

O Governo é responsável, é o órgão máximo de condução da administração pública, e nesse sentido é quem põe e dispõe relativamente ao funcionamento dessa administração. Lá está, sobre a fiscalização política permanente quer do Presidente da República através do exercício das tais competências de veto e dissolução, quer da Assembleia da República, permanentemente através das competências de fiscalização dos actos do Governo e da administração, ou em última instância através da apresentação inclusive de moções de censura, se for entendido que a condução da administração pública por parte do Governo ou os objectivo do programa do Governo, estão a ser deficientemente cumpridos, ou estão a ser cumpridos num sentido que a Assembleia da República não concorda, e a Assembleia da República pode nesses casos, aprovando a moção de censura, provocar a queda do Governo.

E por último temos os Tribunais. O quarto órgão de soberania, os Tribunais, a sua competência é a administração da Justiça. Justiça entendido como a capacidade de se aferir em cada momento do cumprimento das leis. Ou seja, a administração da justiça, tem por objectivo, relativamente a qualquer conflito, analisar quem é que tem razão relativamente ao cumprimento da lei. Ou seja, os Tribunais administram a justiça, fazem aplicar a lei e podem tomar decisões, que como eu vos referi, prevalecem sobre quaisquer decisões de quaisquer outras autoridades. Sobre a Polícia, sobre o Governo, sobre a Assembleia da República, sobre as decisões do Presidente da República, as decisões dos Tribunais são, estão por cima das decisões de todas as outras autoridades.

É nesse sentido que se costuma dizer, como já têm ouvido, e que é um princípio geral da organização do Estado de Direito que é, num Estado de Direito ninguém está acima da Lei. E como é os Tribunais que têm a competência de velar pela correcta aplicação da lei. As decisões dos Tribunais aplicam-se a toda a gente, e ninguém está acima dessas decisões.

Para não me alongar muito mais, que o Carlos já me fez aqui sinal que temos que passar para o nosso diálogo, eu rapidamente fazia apenas uma breve descrição da tal organização espacial do Estado.

O Estado organiza-se a nível nacional pelos tais órgãos de soberania de vos falei aqui, o Estado português, portanto, os 4 órgãos de soberania. Depois tem um outro patamar que é o patamar regional, patamar regional que no nosso caso são as duas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, onde existem todos os princípios que vos falei, de pluralismo, participação, representação, separação e interdependência. Ou seja, há eleições livres para escolha dos órgãos de Governo em cada uma das regiões; há representação, existem assembleias representativas em cada uma das regiões, são as assembleias legislativas das regiões autónomas; há uma separação de poderes, há um executivo que são os governos regionais; e há tribunais, que esses dependem, obviamente, são para o todo nacional, uma vez que as leis se aplicam ao todo nacional.

Depois há um outro patamar ainda, que é o patamar local, que são as autarquias locais, que como sabem se organizam em duas grandes modalidades: que são os municípios, os concelhos, e, por outro lado, as freguesias. E em cada um deles, estão presentes também, estes princípios que enformam o Estado de Direito Democrático.  Ou seja, todos eles são, as escolhas são feitas livremente pelos cidadãos, portanto, têm eleições, são as eleições que escolhem as freguesias, são as eleições que escolhem os municípios. Os órgãos dos municípios também têm representantes, têm por um lado o executivo que é a Câmara Municipal, e têm por outro lado, uma assembleia representativa, que são as Assembleias Municipais. O mesmo se passa no plano das freguesias, as freguesias têm, o órgão executivo é a Junta de Freguesia e o órgão assembleia, é a Assembleia de Freguesia.

Portanto, como vêem, em todos estes patamares do Estado, seja no plano Estado lato sensu, no plano local, no plano regional e no plano nacional, os princípios estão lá todos, as regras de Estado do Povo, pelo Povo e para o Povo, procura-se que sejam cumpridos em todos estes patamares de organização do Estado e, por estas razões, e porque por cima de tudo isto estar sempre, o cumprimento da lei, estar sempre os tribunais a velar pelo cumprimento da lei, o Estado português é um Estado Democrático, mas é mais do que isso, é um Estado de Direito Democrático.

Eu termino dizendo que esta viagem, como o Carlos falava no princípio, pelos meandros do Estado é, nomeadamente, para as pessoas que têm motivações e preferências pessoais um pouco longe do direito, um pouco enfadonha às vezes, mas acreditem que do ponto de vista, independentemente das escolhas de cada um, todos nós somos cidadãos e todos nós temos os nossos direitos próprios, e eu diria, os nossos deveres de intervenção cívica, exactamente para que aquilo que é o Estado, que é a organização colectiva da nossa sociedade, não fique nas mãos dos outros e possa também beneficiar das nossas opções, das nossas soluções, das nossas ideias e dos nossos projectos.

E, portanto, embora possa parecer um pouco árido nós percorrermos a organização do Estado e os vários patamares e instituições em que ele se divide e se organiza, eu diria que é fundamental. Porque só conhecendo e compreendendo os mecanismos de funcionamento do Estado é que verdadeiramente nós podemos influenciar o nosso futuro colectivo. Só mexendo nas formas pelas quais nós nos organizamos, é que nós conseguimos influenciar decisivamente a condução da política geral do país, e através disso o nosso futuro colectivo.

Eu costumo dizer que há um erro muito grande em considerar-se, e com isto termino, um erro muito grande em considerar-se o Estado como uma entidade terceira que está lá colocado num patamar longe do cidadão comum, longe do dia a dia de nós todos, das nossas vidas, isso é redondamente falso.

Se nós pararmos para pensar um pouco, o Estado somos nós todos.

E somos nós todos no sentido em que, depende exclusivamente, pelo menos nas sociedades democráticas, como é o caso português, nos Estados de direito democráticos, depende de nós, em cada momento, influenciar decisivamente a própria organização do Estado e quando não concordamos com a forma como o Estado está a funcionar, o que devemos fazer não é dizer de uma forma pejorativa que, isso são eles lá em cima no Estado que estão a trabalhar mal ou que estão a trabalhar contra nós, devemos ter a noção de que o Estado somos nós todos. E tudo aquilo que nós façamos, em cada momento, através da nossa intervenção cívica e política, influencia decisivamente o funcionamento do Estado. Quer seja através dos momentos mais nobres, que são os momentos eleitorais, quer seja através do dia a dia, de todos os mecanismos, alguns que eu já vos referi aqui, de mecanismos de participação, que numa sociedade democrática e livre, e aberta como é a sociedade portuguesa, estão ao dispor dos cidadãos.

Participação que é no fundo, também aquilo que todos vós estão hoje aqui a fazer, ao se terem voluntariado pessoalmente para participarem numa acção de formação cívica que tem como objectivo, exactamente, passar a compreender um bocadinho melhor os mecanismos de funcionamento da organização do Estado e da política, para depois poderem através desse conhecimento influenciar ou ter capacidade de vir a influenciar a tomada das decisões e a condução das orientações gerais do país.

É isso que eu espero sinceramente, e acho que é isso que a JSD se propõe com este tipo de iniciativas, é isso que eu espero que vocês consigam hoje, minimamente através não da exposição inicial que eu fiz, mas das perguntas que me vão fazer a seguir, que possam esclarecer um bocadinho melhor e perceber um bocadinho melhor, por onde é que devem pegar, por onde é que devem atacar para fazer valer aquilo que verdadeiramente interessa, que é fazerem valer as vossas ambições e os vossos anseios.

Muito obrigado.

(APLAUSOS)

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado Sr. Dr., por ter sido o nosso guia nesta viagem pelo Estado, vamos iniciar então a nossa fase das perguntas, e dou a palavra ao Sofia Sobreiro do Grupo Roxo.

 
Sofia Sobreiro
O Grupo Roxo cumprimenta a mesa na pessoa do Deputado Luís Marques Guedes.

Sr. Deputado, concordará que temos um Estado transparente, a gestão dos recursos humanos prima pela politização das nomeações, a burocracia dos procedimentos baralha o cidadão face às decisões que o afectam, os casos de corrupção geram a revolta no seio da sociedade portuguesa. Acresce que temos um Estado demasiado presente, por um lado a despesa pública consome aproximadamente metade da riqueza produzida pelos portugueses, por outro lado, o Estado intervém directa ou indirectamente em todas as áreas da vida social. Vivemos portanto, numa sociedade sob influência de um estado parcial.

Ora, Cícero ensinou-nos que o Estado justo é um Estado imparcial.

Duas perguntas para si:

-Enquanto líder parlamentar, político e cidadão, preocupa-o o peso dum Estado parcial sobre as liberdades efectivas dos cidadãos?

-Que soluções preconiza para construir um verdadeiro estado imparcial?

 
Dep.Luis Marques Guedes
Obrigado, Sofia Sobreiro. Você enunciou duas preocupações, por um lado a omnipresença do Estado, um Estado asfixiante que ocupa demasiadas áreas no dia a dia, e na vida dos cidadãos. E estou totalmente de acordo com isso, somo sabe, de resto é uma das linhas de orientação política actualmente do PSD e que os Deputados do PSD, e o Grupo Parlamentar do PSD procura bater-se por isso na Assembleia da República, é da necessidade de redefinição das funções do Estado, para que o Estado possa ser reconduzido àquilo que verdadeiramente são o núcleo essencial das suas funções, do nosso ponto de vista, e deixar respirar o mais possível a sociedade. Ou seja, abrir muito mais espaço ao funcionamento livre da iniciativa privada, da iniciativa dos cidadãos, e reservar para o Estado apenas aquelas preocupações que são as tais preocupações de o Estado poder funcionar como instrumento de gestão colectiva, para que isto às tantas não se comece tudo o partir e cada um a puxar para o seu lado, e às tantas já não somos uma sociedade, já não somos um país, somos um conjunto de grupos de cidadãos.

E, portanto, do ponto de vista do PSD, o Estado português neste momento, está de facto gordo, ocupa demasiadas áreas da nossa vida social, e nesse sentido o PSD preconiza e tem vindo a apresentar sucessivamente na Assembleia da República, iniciativas para que haja, em primeiro lugar, uma redefinição clara das funções do Estado. Ou seja, dizer-se com clareza quais são as áreas onde o Estado deve intervir. Há áreas onde todos estamos de acordo, seguramente, que são as chamadas áreas nobres de soberania: a Defesa Nacional, é evidente que não pode ser privatizada, tem que ser exercida colectivamente pelo Estado; a Justiça, até pelas razões que vos referi, que tem que ver com a própria estrutura de funcionamento da coisa, é uma área nobre de soberania; a Segurança, as polícias, evidentemente não podemos passar a ter, não vivemos num Far West, não podemos passar a ter os cidadãos a fazer justiça por mãos próprias, e portanto, tem que haver uma organização do Estado que assegure o funcionamento das autoridades policiais.

Agora, dou-lhe estes três exemplos, aqueles que são mais marcantes, há outras funções que o Estado deve assegurar, um Partido Social Democrata como o PDS terá sempre de defender as funções sociais mínimas, para que aqueles que são mais desfavorecidos na nossa sociedade e que não tem capacidade de aceder a determinado tipo de bens, possam ver através do funcionamento do Estado asseguradas condições sociais mínimas para uma vida com dignidade. Mas isso apenas para quem verdadeiramente necessita.

O que é verdade, é que hoje em dia, como você referiu, e o seu grupo penso eu, nós assistimos a uma omnipresença do Estado, nós tropeçamos no Estado no dia a dia para fazer as coisas mais banais, das expectativas e das ambições das pessoas, tropeçamos no Estado e o Estado torna-se através disso um empecilho ao funcionamento da sociedade.

É precisamente isso que o PSD entende também, é essa a orientação que nós temos, e por isso que é que já apresentámos iniciativas legislativas próprias, foram chamadas pela maioria socialista, já por duas vezes nesta legislatura, que vai a meio como sabe, mas já por duas vezes apresentámos iniciativas no sentido de haver uma redefinição clara das funções do Estado, do Estado se libertar de um conjunto de funções e de actividades que, verdadeiramente não estão no núcleo essencial do exercício da soberania e que podem e devem ser exercidos com vantagem, embora reservando-se o Estado para si um papel regulador, podem e devem ser exercidos com vantagem pela iniciativa privada.

Eu acho que a sua pergunta no sentido de um Estado parcial, o que é que se pode fazer para que o Estado não seja parcial? Vamos lá ver, há que distinguir aqui duas questões muito importantes. Muitas vezes nós não concordamos com o funcionamento do Estado mas a maioria que num determinado momento está a gerir esse Estado, está a exercer a governação, concorda.

E isso faz parte das regras do jogo democrático. A tal ideia do Estado do Povo, pelo Povo e para o Povo, uma vez que seja um Estado democrático, acontece em que muitas vezes pela nossa cabeça, nós achamos que o Estado está a prosseguir determinado tipo de objectivo com os quais nós não concordamos.

Mas desde que esses objectivos sejam sufragados, sejam apoiados pela maioria dos nossos concidadãos, nós não temos outro remédio que senão democraticamente respeitar, embora tentando sempre, nunca deixando de tentar fazer valer o nossos pontos de vista e tentando fazer ver aos nossos concidadãos que eles estão a ver mal. A essa tal maioria que está a exercer o poder, que ela está a fazer mal, e que isso vai ter consequências más, vai consequências erradas para o funcionamento da sociedade.

É esse, no fundo, a dialéctica do funcionamento da política.

Mas feita essa separação, há uma outra área, que penso que também abordou, em que o Estado às vezes é parcial no sentido de ser sectário, um Estado que funciona apenas para os seus, um Estado que se preocupa com nomeações partidárias, se preocupa com conluios e promiscuidades, de amizades, de amiguismos políticos ou outros, deixando de parte os objectivos colectivos – aí é diferente. Aí já estamos naqueles princípios que falámos há pouco, que são princípios que se sobrepõem às escolhas democráticas que, em cada momento, as maiorias devem fazer livremente para a condução dos negócios do país, que é o respeito pela tal ideia do Governo para o Povo.

Ou seja, o Governo não pode ser para alguns, o exercício da gestão da coisa pública do Estado não pode ser feita favorecer apenas determinadas cliques e determinadas famílias políticas ou famílias económicas, tem que ser feito para o bem comum.

E aí entram as denúncias, como sabe, em que o PSD tem sido líder, quer na Assembleia da República, quer fora da Assembleia da República, mas com orgulho digo que, particularmente na Assembleia da República, relativamente ao ambiente de claustrofobia democrática, ao ambiente de opressão das liberdades, que se vive na generalidade das sociedades.

Ou seja, essa lógica de que o Estado se está a comportar com parcialidade, está a funcionar para os seus e está a esquecer o funcionamento democrático do bem comum.

Nós temos estado desde há um ano, pelo menos, na vanguarda dessas denúncias, o Grupo Parlamentar do PSD e o PSD no seu conjunto, o líder do PSD também, e os conceitos que hoje se falam de claustrofobia democrática, de excessiva concentração de poderes, de arrogância e de projecto de poder pessoal, tudo isso que são conceitos que hoje em dia a generalidade dos cidadãos já ouviram, uns concordam mais, outros concordam menos, mas que já ouviram, foram conceitos e são conceitos que no combate político que é travado na Assembleia da República foram lançados e são lançados permanentemente pelos Deputados do PSD e pela direcção nacional do Partido, pelo presidente do Partido, que tem como objectivo, exactamente, denunciar essa parcialidade que você situa na sua pergunta, e que é claramente um desvio inaceitável relativamente ao funcionamento dum Estado de Direito Democrático.

Como lhe disse, pode haver parcialidade quando estamos a aplicar um programa de uma maioria, sufragado por uma maioria, agora, essa parcialidade nunca pode atingir questões essenciais que são o respeito pelos direitos das minorias. Porque, aí, entramos na tal parcialidade, e essa tem vindo a ser denunciada e seguramente continuará a ser denunciada com todas as forças que a actual representação política que nos foi dada pelos votos dos portugueses nas ultimas eleições, nos permita.

Não temos a capacidade de tomar decisões definitivas, mas temos a capacidade de através da nossa denúncia e, através de um combate firme e baseado em princípios em que as pessoas se reconheçam de conseguir inverter muitas das decisões, do nosso ponto de vista, parciais e erradas do Governo.

Isso tem acontecido, umas vezes mais, outras vezes menos, eu diria que menos do que mais, precisamente porque estamos em minoria, e portanto democraticamente não conseguimos fazer vencimento das nossas posições sempre.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado. Fernando Alves, do Grupo Rosa.

 
Fernando Gomes Alves
Antes de mais bom dia. Gostaria de agradecer a presença do Dr. Luís Marques Guedes aqui na Universidade de Verão, e a sua apresentação.

A pergunta que o Grupo Rosa lhe coloca é, como é que vê a nomeação de determinados magistrados para os casos mediáticos pela sua imagem pública, e se não acha que remetem os outros magistrados e o seu trabalho para um plano inferior, criando-lhe limitações e levantando uma dúvida permanente sobre as suas decisões, prejudicando todo o sistema judicial?

Obrigado.

 
Dep.Luis Marques Guedes
Muito obrigado.

Olhe, concordo totalmente com a preocupação que está subjacente à sua pergunta. Ou seja, há um princípio que não deve existir nunca no exercício das competências do órgão de soberania e Tribunais, cujos protagonistas são os magistrados, e que é a preocupação da mediatização. Se há actividade do Estado aonde a mediatização não deve, pura e simplesmente, entrar na equação, é a actividade dos tribunais, é a actividade dos magistrados. Percebe-se que os outros órgãos de soberania, nos quatro órgãos que estruturam o nosso Estado, os órgãos de soberania de natureza política: Presidente da República, Assembleia da República e Governo, tem de haver inclusive alguma mediatização do exercício das suas funções, até para que os cidadãos possam apreender e compreender melhor aquilo que esses órgãos de soberania pretendem e aquilo que está a ser feito.

No caso dos Tribunais não, porque no caso dos Tribunais, como vimos há pouco quando fizemos a viagem pela organização do Estado, a função dos Tribunais é de velar pela aplicação da lei. Ora, a lei já lá está. O que tem que ser conhecido dos cidadãos é a lei, não é a actuação dos magistrados. E, esta tendência que nos últimos tempos, porque felizmente ainda não passa de uma mera tendência, mas esta tendência é negativa, exactamente na medida em que ao mediatizar o funcionamento da justiça dá a errada sensação aos cidadãos de que nem todos os processos judiciais são tratados de igual maneira, ou seja, que a lei não é igual para todos. E como o princípio de que a lei é igual para todos é um princípio fundamental na estruturação do Estado de Direito, tudo o que contrarie este princípio é profundamente negativo ao funcionamento do próprio Estado.

E, portanto, não posso estar mais de acordo com a sua preocupação, embora lhe diga com toda a franqueza que acho que hoje em dia é apenas uma tendência, felizmente ainda não é a regra, e espero que nunca venha a ser a regra.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado. Tiago Dias, do Grupo Verde.

 
Tiago Borga
Sr. Deputado antes de mais, muito obrigado pela sua presença em nome do grupo e de todos nós.

Acho que ouvi-lo aqui a falar na Universidade de Verão e não lhe colocar uma questão sobre os trabalhos parlamentares seria quase um crime. O Sr. Deputado é conhecido, acho que toda a gente terá uma ideia disso, é conhecido por ser provavelmente o Deputado mais sabedor do Regimento da Assembleia da República, há quem lhe chama o “Professor” até, e portanto, tenho que lhe fazer um pergunta obrigatoriamente sobre isto.

Tendo ocorrido há pouco tempo a reforma do parlamento, eu estranhei ligeiramente não ter havido qualquer apreciação sobre os temas que vão a plenário. Hoje em dia  é possível termos o debate sobre medidas de protecção à produção do Pão de Ló de Ovar, e imediatamente a seguir o debate sobre o Estado da Nação ou sobre o Orçamento de Estado. Isto faz-me alguma confusão porque depois acontece aquilo que todos vemos na televisão, talvez por este motivo mas por outros de certeza, em que há as chamadas debandadas. Essa era a primeira questão.

A segunda questão, prende-se mais com um ponto da sua intervenção, em que falava da iniciativa popular sem ter avançado para a actualidade portuguesa, actualmente existe o direito de participação popular através de iniciativa legislativa directa, não através de meios representativos, directamente os cidadãos hoje podem apresentar uma proposta de lei.

Acontece que, salvo erro, e corrija-me se estou errado, esse projecto não foi o projecto da Helena Roseta mas foi o projecto para a Helena Roseta, porque até agora houve uma iniciativa desse género que foi precisamente da Arq. Helena Roseta. Não houve mais nenhuma até agora.

Acha que, de facto, esta iniciativa que na altura foi tão aclamada, tem os resultados que eram pretendidos na altura? Ou está a fracassar por algum motivo? E se entende que está a fracassar porque motivo será?

Por fim, gostaríamos de lançar um desafio, porque eu hoje voltei a ver mais uma notícia, apenas mais uma, em que fala mal da classe política, mais uma vez diz-se descrédito da classe política, e nós hoje temos perante nós, uma pessoa que dá o crédito à classe política.

E se existem nomes a que chamam aos Deputados, eu não estou a dizer nada de novo, mas existem os chamados Deputados de punho, os Deputados Ferrari, os Deputados fantasma, os Deputados de corredor. O Dr. Luís Marques Guedes que tem muito mais qualidades do que defeitos, eu gostava que perdesse um pouco da sua conhecida modéstia, perante nós, e encontrasse um sound byte para si próprio e se definisse enquanto Deputado.

 
Dep.Luis Marques Guedes
Muito obrigado. Olhe, eu começo pelo fim, porque é mais fácil de responder. Em primeiro lugar agradecer-lhe os elogios que seguramente são exageradíssimos. Mas responder-lhe com aquilo que eu acho que é o que deve acontecer para todos aqueles que aceitem num momento da sua vida pessoal, fazer serviço público, através da actividade que eu acho que é a mais nobre que é a política, exactamente entendida como contributo para a organização da vida em sociedade.

Eu como Deputado defino-me como alguém que acredita que no período em que sou eleito devo contribuir e devo empenhar-me totalmente para encontrar soluções que ajudem à vida das pessoas no dia a dia.

E, portanto, não entendo, não sou capaz de entender aquela lógica dos Deputados que não vão ao parlamento porque acham que aquilo que lá se discute não os interessa, acho que quem pensa assim, pura e simplesmente não devia ser Deputado, não se devia candidatar a ser Deputado, não devia aceitar ser candidato a Deputado. Eu não conheço ninguém que tenha sido obrigado a ser Deputado. As pessoas candidatam-se a eleições, desde logo, porque aceitam, porque têm disponibilidade para, essa disponibilidade depois tem que se revelar no dia a dia.

É isso que procuro fazer, e acho que isso não é mérito nenhum da minha parte, acho que esse é um princípio básico que devia enformar o cumprimento do mandato de qualquer Deputado.

Temos aqui um exemplo muito mais gritante dessa qualidade, que é o Carlos Coelho, como Deputado europeu, mas que também já o era assim, e eu aprendi muito com ele  porque o Carlos Coelho era Deputado quando eu entrei como Deputado, e pela amizade pessoal que tinha com ele, foi um dos exemplos que procurei seguir, mas que eu acho, com toda a franqueza que não é propriamente mérito pessoal, acho que é uma exigência que devia estar presente na cabeça de todos aqueles que aceitam em determinado momento servir a causa pública.

Quanto às outras duas questões, essa perplexidade que muitas vezes os cidadãos têm relativamente à questão do Pão-de-ló de Ovar, seguida de debate com o Primeiro-Ministro. Acho que tem toda a razão e na revisão do regimento, uma das coisas pela qual nos procurámos debater foi exactamente essa alteração. Alteração que radica, vale a pena irmos um pouco à raiz do problema. Porque é que isso é assim?

Isso é assim, exactamente como há bocadinho na exposição inicial eu vos expliquei, porque inicialmente as assembleias, os parlamentos tinham na lógica da organização do Estado uma função tipicamente legislativa. Hoje em dia, por causa da lógica da separação e interdependência de poderes, os parlamentos são muito mais do que isso, têm uma competência, que é a competência política de fiscalização do Governo, que vai inclusive ao ponto, como vos referi, de poder deitar abaixo um governo se entender que ele está a governar mal, os parlamentos hoje em dia já não são apenas a casa do poder legislativo, são mais do que isso, além do poder legislativo têm o poder de fiscalização política. E aquilo a que nós assistimos hoje em dia é, ao confronto entre o exercício das competências legislativas, aprovar a lei sobre o Pão-de-ló ou sobre o raio que o parta, aprovar uma lei, aprovar, portanto, função legislativa pura e dura; e, a função de fiscalização política, que na sociedade de informação em que vivemos hoje em dia, diz muito mais ao cidadão no dia a dia. Muito mais. É evidente que se você fosse um empresário de Pão-de-ló de Ovar estava interessadíssimo, mas isso são meia dúzia de pessoas que estão interessadas naquela lei.

Na função legislativa, normalmente, a não ser quando se discute grandes leis, quando está a rever a Constituição, aí interessa a todos ou deve interessar a todos, no exercício da função legislativa normalmente a Assembleia não se dirige à generalidade das coisas; no exercício da função de fiscalização política dirige-se.

E uma das confusões e que se procurou na última revisão do regimento, que se está a procurar corrigir, é, superar aquilo que historicamente sempre foi o papel primordial dos parlamentos, que era a casa mãe das leis por excelência, e começar a transformar os parlamentos mais na casa mãe do debate político por excelência.

Não perdendo, obviamente, até porque é uma competência constitucional inultrapassável por causa da tal lógica de separação de poderes, não perdendo o poder legislativo relativamente às grandes leis, mas cada vez acentuar mais o poder político de fiscalização do Governo e da Administração Pública. E portanto, a última revisão do regimento da Assembleia da República foi feita muito com esta preocupação, preocupação de cada vez, numa lógica de vasos comunicantes a baixar a visibilidade das competências legislativas passando-as para o trabalho de comissões e acentuar a visibilidade em plenário, que é aquilo que passa nas televisões, é aquilo que tem maior mediatização, a competência de fiscalização política da Assembleia da República. Para que cada vez mais no plenário existam debates políticos sobre a actualidade, sobre interesses que tem que ver com o dia a dia do país e com o dia a dia dos cidadãos. E o trabalho legislativo, nobre da Assembleia da República, ser mais remetido para as comissões, ser mais realizado em comissões e não ocupar tanto tempo do Plenário.

Esse de facto é um dos objectivos da última reforma do parlamento.

A última questão que me colocou foi a questão da iniciativa legislativa popular. Se eu acho que está a fracassar ou não?

Vamos lá ver. Em primeiro lugar, acho que o que é importante nestas coisas, é que esteja previsto. É um bocadinho como a questão em democracia do direito de voto. Eu não concordo com aqueles países, como sabem em alguns é assim, em que votar não é apenas um direito é um dever, os cidadãos são obrigados a votar, e quando não votam são até penalizados fiscalmente.

Eu acho que não. Eu acho que, eu pessoalmente acho que o que é importante numa democracia, é este o conceito e modelo de organização de sociedade em que eu me revejo,, acho que o que é importante é que os direitos existam, estejam lá, depois nós exercemos ou não exercemos consoante entendamos que, sintamos  que é necessário ou não é necessário.

E portanto, eu não diria que a iniciativa popular legislativa é um instituto que esteja a fracassar. Não. Eu acho que o que é importante é ter sido aprovado, existir, está lá esse direito para os cidadãos, os cidadãos podem organizar-se e apresentar um projecto de lei para regular uma determinada matéria que entendem relevante e que está em falta na sociedade. Podem fazê-lo, depois se o fazem ou não fazem, eu não fico particularmente angustiado por o fazerem mais ou fazerem menos.

É evidente que o facto de fazerem mais ou fazerem menos pode ter leituras políticas, mas não acho que seja sinónimo de fracasso. Acho que o fracasso tinha que ver se houvesse o instituto de iniciativas e depois as pessoas quisessem utilizar e deparassem-se com um cem número de problemas tão grande que não conseguissem. Aí sim, havia claramente um, mais que um fracasso, havia um embuste. As pessoas estavam a ser enganadas, tinha-lhe sido dito que havia um determinado direito e depois as pessoas não podiam exercer esse direito. Não é o caso. Não é o caso.

De facto o único exemplo que até ao momento entrou na Assembleia, embora tivesse havia anúncio ou expectativa de outras iniciativas que nunca vieram a concretizar-se. O prof. Vital Moreira em Coimbra uma vez chegou a falar que ia apresentar na Assembleia da República uma iniciativa legislativa sobre a organização dos municípios e dos institutos públicos, depois nunca chegou a concretizar essa medida. Provavelmente porque entendeu que a legislação que entretanto foi aprovada na Assembleia da República, de algum modo ía ao encontro ou satisfazia minimamente as suas preocupações, e portanto, já não sentiu a necessidade de o fazer. E todos os outros cidadãos, se calhar, colocam-se no mesmo patamar.

E, portanto, eu não acho propriamente que haja um fracasso, acho que no caso da Helena Roseta como sabe era um problema antigo da Ordem dos Arquitecto, particularmente para os Arquitectos, também para os Engenheiros, mas era, a Lei 7373 era de facto uma pedra no sapato na distinção do exercício das funções de engenharia, de arquitectura, de engenheiros técnicos e por aí fora. Portanto, não há uma separação clara de águas, e havia desde há muitos anos o problema de se tentar resolver aquilo. Não é uma questão fácil. E por não ser uma questão fácil, o problema nunca (..)

(Um minuto inaudível)

 

(...) Bastonária da Associação de Arquitectos, foi mais no sentido de, digamos assim, empurrar a Assembleia da República para uma decisão, empurrar a maioria, a actual maioria para um decisão. Acabou por ser aprovada uma Lei na Assembleia da República de revisão do 73/73, e portanto, não sei se a total contento da iniciativa originária da arquitecta Helena Roseta e de outro conjunto, aquilo vinha assinado por 30 e tal mil pessoas. Mas foi o caso, eu não acho propriamente que seja um fracasso. Nestas coisas o que é importante é os direitos existirem e poderem ser verdadeiramente exercidos, depois se o são ou não, eu acho que isso está na liberdade de cada um, e se calhar você pode ter a leitura de que não o são porque não serve para nada, ou também pode ter a outra leitura mais benigna, de que não são porque afinal de contas os cidadãos entendem que o poder legislativo através dos seus representantes está a satisfazer minimamente.

Acho que é importante é haver essa espada por cima da Assembleia, digamos assim, de saberem que em cada momento, através de uma iniciativa popular, pode ser desmascarada a sua inacção ou a sua falta de capacidade para resolver o problema.

 

Pedro Rodrigues: - Muito bem, André Pardal do grupo Amarelo.

 
André Pardal
Bom dia a todos, em especial saudar a presença do Deputado Luís Marques Guedes, e a sua brilhante apresentação na qual esclareceu sem dúvida muitas das coisas, que quanto a mim deviam ser obrigatórias na nossa formação escolar, se calhar para os colegas de Direito ou de Ciência Política, já tiveram o conhecimento na Universidade ou na Faculdade, mas os colegas que não o são muitas vezes esses conceitos são-lhes estranhos.

A minha questão, a questão do grupo amarelo, vai sobre a re-organização administrativa com duas vertentes: uma, se em Portugal não temos um espaço muito grande entre o Estado central e as autarquias locais, nomeadamente as freguesia e municípios, se não haveria lugar a uma terceira autarquia local nomeadamente as regiões administrativas para solucionar problemas de parte a parte, tanto de um Estado muito pesado, como das autarquias locais.

Quanto às grandes cidades, às grandes metrópoles, Lisboa e Porto, que têm estruturas autárquicas semelhantes às pequenas e médias cidades, se não haveria lugar a uma re-organização administrativa centrada na fusão ou cisão  nalgumas freguesias nessas duas grandes cidades.

Obrigado.

 
Dep.Luis Marques Guedes
Obrigado. A questão que o André coloca é uma questão politicamente relevantíssima, e que ciclicamente vai sendo colocada na ordem do dia, que tem que ver com o problema da regionalização.

Como sabem, a Constituição portuguesa prevê entre o patamar nacional da administração central do Estado, e o patamar das autarquias e da administração local, a existência de um patamar intermédio, que seriam as regiões administrativas. Só que a Constituição da República fá-lo de uma forma um pouco híbrida, ou seja, quando eu vos referi há bocadinho a propósito dos conceitos do Estado, haver uma organização do Estado em três patamares, nacional, regional, regiões autónomas, e local, autarquias, aonde estão presentes todos aqueles princípios de pluralidade, representação, participação, separação e interdependência, o caso das regiões administrativas não é bem assim. Porque, as regiões administrativas conforme a Constituição as prevê, não é para serem por eleição, não são eleitas. Portanto, não são propriamente um patamar de poder democrático. Porque não estão legitimadas pelo voto popular.

A Constituição, desde 75, apenas prevê isso para as regiões autónomas aí existe eleição, separação de poderes, representação, assembleias, governos, por aí fora. Para as regiões administrativas não. É um patamar no plano meramente administrativo e não no plano de legitimação política.

E o grande debate que tem havido nos últimos 20 anos na sociedade portuguesa é, entre aqueles que acham que se o problema é esse, então dê-se o salto e transformem-se as regiões administrativas que estão previstas na Constituição em regiões eleitas; e aqueles que acham que pode fazer sentido o patamar no plano administrativo, mas se se avançar para a criação das regiões administrativas no plano administrativo, muito rapidamente por força das coisas, por força das circunstâncias, muito rapidamente esse patamar vai reivindicar uma legitimação política e então vamos começar a ter uma desagregação da legitimidade do poder político no todo nacional.

Sem tomar partido, este é basicamente, o separar de águas, o debate que tem havido na sociedade portuguesa. Que teve, como sabe, o culminar num referendo nacional em 1998, em que a vitória do Não foi esmagadora, foi mais de 60%. A generalidade dos portugueses ouvidos em referendo acharam que, pesadas as coisas, não era adequado avançar-se para a constituição dessas regiões.

O problema, neste momento, está a voltar à actividade política, depois de durante alguns anos a seguir ao Referendo ter ficado um bocadinho esquecido ou em banho-maria, até por força da decisão tão clara dos portugueses no Referendo. E está a voltar à actualidade política, eu diria, desde logo, (continuando a não tomar um partido pessoal), por uma evidência, porque sempre que há um poder que é exercido de uma forma mais centralizada, sente-se mais a necessidade, nomeadamente as regiões que estão mais longe desse poder, que estão mais longe do Terreiro do Paço, que estão mais longe de Lisboa, sentem mais a revolta em relação a esse poder longínquo, distante que não responde ao dia a dia com a celeridade necessárias, com a proximidade necessária aos seus anseios, sente-se mais a decisão de dizer: ora bolas, então, venham as regiões! Para isso venham as regiões! Para eu estar a ser comandado por uns senhores que nem sabem, não têm noção da especificidade dos meus problemas aqui, estão completamente fechados lá no Terreiro do Paço, centralizaram o poder todo e não atendem às minhas necessidades concretas, então venha antes a criação de umas regiões.

E, portanto, objectivamente, eu acho que, hoje em dia, a actualidade política começa de novo a ser marcada pelo debate sobre a criação ou não criação das regiões administrativas, muito por força de um exercício de um poder que actualmente existe, da maioria socialista, que é o poder mais centralizado, eu diria, desde que existe democracia em Portugal. Isso é um facto, do meu ponto de vista.

Agora, independentemente disso ser um facto, se calhar também pode ser uma solução, se calhar também pode ser uma solução.

E agora vou apenas dar a minha opinião pessoal. Eu pessoalmente acho que não, porque acho que Portugal não tem dimensão, nem dimensão quantitativa nem dimensão em termos qualitativos de Estado para estar a criar mais um patamar de decisão política.

Repare, porque como lhe referi, e não vale a pena iludirmos isso, embora a Constituição preveja que estas regiões sejam regiões meramente administrativas, pela força das coisas, é evidente, e todos nós temos essa percepção clara, a partir do momento em que elas forem constituídas, (e foi muito esse o debate que houve em 98), muito rapidamente se passará para a exigência da sua legitimação política, para a exigência de que esse poder seja verdadeiramente legitimado pelo voto dos cidadãos.

E partir daí você deixe de ter regiões administrativas e passa a ter regiões políticas mesmo. E portanto passa a ter, pelo menos, do ponto de vista político, alguma fragmentação maior do território.

Eu acho sinceramente que Portugal não tem dimensão que justifique isso, do meu ponto de vista. Ainda mais num mundo cada vez mais global em que nós vivemos, já não apenas na União Europeia, mas com a globalização, o mundo todo, que está mais ou menos, então através da Internet está mesmo ao alcance dos nossos dedos, ao alcance das nossas mãos. Acho que a dimensão interessa, e Portugal já é um país pequeno, já é um mercado pequeno neste contexto global, se ainda se fragmentar mais, acho que não terá grandes vantagens.

Mas é a minha opinião pessoal.

Quanto à segunda questão que coloca das grandes áreas metropolitanas, chamamos assim, de Lisboa e do Porto, coloca uma questão que é uma questão interessante e que foi muito discutida aqui há uns anos na política em Portugal, que é o problema da diferenciação ou não na gestão das autarquias.

Ou seja, no fundo, se é verdade que em Portugal existem 308 municípios, também é verdade que eles não são homogéneos, no sentido que não são comparáveis. Eu posso dizer, por exemplo, que mais de metade desses 308 municípios têm menos de 10 mil eleitores, e que apenas 27 desses municípios têm mais de 100 mil eleitores. E é evidente para nós que os municípios maiores, os que têm mais de 100 mil, 200 mil, 300 mil eleitores, como é os casos dos municípios nas grandes áreas metropolitanas, têm problemas de gestão e problemas logísticos que não são comparáveis, nem podem ser tratados da mesma maneira que os problemas de municípios que têm 2, 3, 4 mil eleitores, que no fundo são pequenos concelhos, alguns deles até com núcleos urbanos de muito pequena dimensão, aonde os problemas podem ser tratados duma perspectiva muito mais pessoal e muito menos tecnocrática, muito menos profissional.

E, portanto, o problema da diferenciação na gestão dos municípios é um problema que chegou a ser equacionado, chegou-se a pensar numa revisão constitucional, permitir que as autarquias não fossem todas necessariamente iguais, e portanto que houvesse tratamentos diferenciados, mas isso não foi para a frente.

A única coisa que existe, como sabe, previsto na própria Constituição, é a criação das áreas metropolitanas, ou seja, a agregação de determinado tipo de municípios, e através disso, poderem ter delegação de poderes e competências próprias da parte do Estado central. Ou seja, por exemplo a gestão, dos transportes, a gestão das redes de energia, das redes de esgotos. Quer dizer, há uma gestão conjunta, que faz todo o sentido que seja feita numa perspectiva macro duma área metropolitana, e não individualmente por cada um dos municípios: tratamentos do lixo, questões ambientais, tantas outras, até os planos sociais e educativos. Faz todo o sentido que haja uma gestão harmonizada dentro de todas as áreas metropolitanas, até porque sabemos que hoje em dia as pessoas que vivem numa área metropolitana, muitas vezes moram num município e trabalham noutro, e têm o filho na escola noutro ainda.

E portanto, faz sentido, até para facilitar a vida às pessoas, que a gestão de tudo isso possa ser feita conjuntamente, não se avançou ainda para a diferenciação da gestão municipal, ou seja, os municípios hoje em dia têm todos o mesmo tipo de órgãos, o mesmo tipo de competências, seja um município em Freixo de Espada à Cinta, seja um município do Porto ou de Lisboa.

Mas existe a possibilidade de associação. Ela está na lei mas depois na prática não existe. A verdade, é que, por exemplo, este Governo, que pela lógica centralista que tem, anda a empurrar com a barriga a criação das autoridades metropolitanas de transportes, as autoridades metropolitanas de gestão de resíduos sólidos e urbanos, as autoridades metropolitanas de distribuição de energia. Porque não tem interesse, porque isso é perder poder.

E portanto, há aqui uma dialéctica própria que tem que ser aprofundada, eu acho que acima de tudo, (eu pessoalmente acredito, mas é uma opinião pessoal) que o que deve ser feito é a lógica do associativismo municipal e não a lógica da eleição de regiões impostas por cima. Porque isso depois o que vai acontecer é que a região, começa por ser administrativa mas rapidamente, (eu não tenho grandes ilusões) passará para a necessidade da legitimação política e quando tiver uma legitimação política, o que vai acontecer é que vai ter uma tensão permanente entre o poder que está em cima, que é o Estado, é o Estado central, o Governo da República, e o poder que está em baixo que é a autarquia. E eu não vejo grandes vantagens. Se hoje em dia já existe uma conflitualidade que pode ser virtuosa e positiva, entre o patamar autárquico e o patamar nacional, não vejo que haja grande interesse, em introduzir aqui mais um patamar.

Mas tem toda a razão ao dizer, ao colocar essa questão, e felicito o vosso grupo por isso, porque essa questão é uma questão que está a ser cada vez mais presente no debate político, e não tenho dúvida nenhuma que nos próximos anos vai estar muito presente no debate, e é bom que os cidadãos reflictam e pensem bem e discutam sobre estas matérias. Reflictam em conjunto, vejam os prós e os contras dessas opções, porque elas vão estar sobre a mesa e vamos ter que, todos nós vamos ser chamados a pronunciar-nos sobre elas nos próximos anos.

 

Pedro Rodrigues: - Filipe Lopes do Grupo Encarnado.

 
Filipe Lopes
Dr. Luís Marques Guedes, recentemente prestou-se homenagem a Manuel Fernandes Tomás, a figura mais importante do início do liberalismo, o nosso primeiro Deputado, e Deputado numa altura em que os titulares desse órgão de soberania não recebiam nada pelas suas funções. Ora, Manuel Fernandes Tomás, por nada ganhar e por muito trabalhar, acabou por falecer poucos anos depois da Revolução Liberal. A pergunta que lhe coloca, Dr. Luís Marques Guedes, não querendo de forma alguma pensar em regressar a esses tempos, gostaria de ouvir a sua opinião relativamente à questão das remunerações e regalias dos titulares de cargos públicos? E refiro-me concretamente aos Deputados, na medida em que esses se propõem para sê-lo, ao contrário dos ministros que o aceitam ser, e o Primeiro-Ministro e os Chefes de Estado são, perdoe-se-me a expressão de outra “casta”.
 
Dep.Luis Marques Guedes
Obrigado. O exemplo que dá do Fernandes Tomás, acho que é um exemplo que se pararmos para pensar, explica um bocadinho aquilo que é o objectivo destes nossos trabalhos hoje de manhã.

Ou seja, nessa altura embora houvesse uma eleição, essa eleição não era totalmente uma eleição livre. Em primeiro lugar só podia votar quem tivesse património, quem tivesse bens, quem fosse filho de algo, quem fosse fidalgo. Nessa altura só votavam as pessoas de uma determinada classe, que era a classe dominante, uma classe que geria a sociedade. E as pessoas que iam para o parlamento, que iam para Deputados, o exercício dessa actividade era um bocadinho, eu não vou dizer que era totalmente diletante, mas era um bocadinho diletante. Desde logo, até por a actividade de Deputado não ser remunerada, ninguém podia ir para Deputado se não tivesse meios próprios de subsistência. E portanto, à partida essa era não uma vantagem, mas uma enorme discriminação à generalidade dos cidadãos, que por esses factos eram inteligentemente pelo poder, colocados à margem do exercício desse poder. Eles eram afastados do exercício de cargos públicos, precisamente porque não tinham hipótese absolutamente nenhuma.

E, portanto, a ideia do exercício do poder do Governo pelo Povo, é uma ideia que tem que ter subjacente necessariamente, e nas sociedades modernas, nas democracias modernas tem sempre, a ideia de que, quem aceite ser eleito a exercer uma função pública, não seja prejudicado na sua vida pessoal, familiar e patrimonial por força do exercício dessas funções.

Também não tem é que ser beneficiado, mas não pode ser prejudicado. Ora, para não ser prejudicado tem que ter uma remuneração. E aí, chegamos à questão das remunerações.

Digo-vos sinceramente, eu acho que a questão das remunerações dos titulares de cargos políticos em Portugal, vai ter muito rapidamente que ser revista e ser revista para cima no nosso país.

Por uma razão muito simples: porque, enquanto isso não acontecer, por força da sociedade competitiva em que nós vivemos hoje em dia, o que vai acontecer cada vez mais é um desviar das pessoas mais qualificadas. Aquelas que poderiam dar mais ao colectivo da sociedade. O desviar dessas pessoas para a actividade privada, para as empresas, para a actividade empresarial, precisamente porque só aí é que conseguem encontrar a satisfação dos seus anseios e das suas necessidades pessoais e familiares, para um padrão de qualidade de vida que legitimamente anseiam ter.

Não por acaso, que são os partidos mais à esquerda, os partidos comunistas que defendem a lógica da funcionalização da política, porque não lhes interessa que o Estado seja, como há pouco eu vos falava, não lhes interessa verdadeiramente o conceito deles de Estado, não é que o Estado seja exercido por todos e para todos, eles sentem-se uma vanguarda iluminada, e portanto, o que lhes interessa é que cada vez mais vão sendo afastados do exercício da actividade política as pessoas mais qualificadas que pensam de maneira diferente em relação a eles. Para cada vez terem adversários mais fracos, digamos assim, em termos do combate político.

Acho que tem que se devolver competitividade ao exercício de funções públicas, e nomeadamente também ao exercício de funções políticas. Competitividade com aquilo que se faz cá fora. Porque se a actividade política por ser a gestão do colectivo é uma gestão nobre, ai de nós ou mal de nós, se começarmos a ter os piores a tratar disso. Já não digo ter os melhores, mas pelo menos ter alguns dos mais qualificados. Porque se começarmos a ter os piores, isto cada vez andará pior, cada vez vai mais para o fundo.

E, portanto, acho sinceramente, não apenas nos titulares dos cargos políticos mas dos altos cargos públicos. Têm o exemplo recente do actual Director Geral de Impostos, uma polémica perfeitamente esdrúxula que houve na sociedade portuguesa, porque no tempo em que a doutora Manuela Ferreira Leite era Ministra das Finanças fez uma coisa, do meu ponto de vista, acertadíssima, e do ponto de vista do PSD acertadíssima, que foi aprovar uma lei que permitia que um alto quadro que fosse trabalhar para o Estado, (neste caso para Director Geral de Impostos), pudesse optar pelo vencimento que tinha na sua actividade privada. Ele não foi para lá para enriquecer, isto é apenas permitir que o Estado possa ir escolher os melhores. Mas para escolher os melhores tem que ir ter consigo, se você for um tipo qualificadíssimo com provas dadas no caso do Director Geral de Impostos, no sector bancário, é preciso ir ter com ele e dizer: Olhe, venha trabalhar e continua a ganhar rigorosamente o mesmo que está a ganhar no banco, não passa a ganhar mais nem a ganhar menos, não perde nada, mas também não ganha nada.

E era essa a legislação que a Dra. Manuela Ferreira Leite aprovou e à luz disso, foi contratado um alto quadro do BCP, um tipo que se veio a demonstrar nos últimos anos muitíssimo capaz, muitíssimo eficiente a trabalhar, e que melhorou muitíssimo a qualidade de funcionamento da máquina fiscal.

Vieram os socialistas e com aquela lógica de esquerda, um bocadinho de penalizar o exercício da actividade política e de achar que o exercício da função pública é um exercício de entrega, uma espécie de missionários que para ali vão e que não têm que ter retornos materiais, e então acabaram com isso. Resultado: o senhor foi-se embora, como é evidente, terminado o seu contrato, foi-se embora. Quer dizer, não vai continuar a trabalhar no Estado para passar a ganhar metade ou um terço, ou um quarto daquilo que ganhava na sua actividade, na sua vida profissional antes de ser convidado para o Estado.

Com toda a franqueza acho que, não apenas nos titulares de cargos políticos, mas todos os cargos públicos qualificados, na sociedade em que vivemos hoje em dia, tem de haver uma lógica de se assegurar alguma competitividade no exercício do serviço público, sobre pena, de muito rapidamente o serviço público passar a ser o serviço feito pelos, não vou dizer os incapazes, mas os menos capazes.

 

Pedro Rodrigues: - Obrigado. Pedro Gil, Grupo Azul.

 
Pedro Gil
Em meu nome e em nome do Grupo Azul, bom dia a todos, e em especial obrigado ao Deputado Luís Marques Guedes. A nossa questão vai direccionada à administração pública. Sabemos que a nossa administração pública está muito gorda, tem excesso de funcionários, e nem sempre é mais eficaz, ao contrário dos países do Norte da Europa, apesar da intenção do Governo de alterar esta realidade, que soluções é que aponta para resolver este problema? Obrigado.
 
Dep.Luis Marques Guedes
Obrigado. As soluções como referi à pouco, passam por um conjunto de iniciativas que o próprio partido, através do Grupo Parlamentar já apresentou na Assembleia da República. Em primeiro lugar, isto não pode ser feito a olho. Ou seja, temos todos a noção de que o Estado tem uma dimensão demasiado grande, então pega-se numa tesoura e começa-se aqui a cortar. Isso não seria uma solução racional.

A solução racional é começar por se fazer um debate sério no país, sobre aquilo que se entende serem as funções essenciais do Estado, das quais o Estado não pode, de maneira alguma, demitir-se, qual é o núcleo duro das funções do Estado. E para isso, isso pressupõe haver uma redefinição das funções do Estado, haver um repensar, uma reavaliação das funções do Estado. E depois o Estado concentrar-se apenas naquilo que é o exercício dessas funções, e relativamente a todas as outras, em que não precisa de ser o Estado directamente a fazer, o Estado remeter-se a um papel não de prestador desses serviços, mas apenas de regulador desses serviços. Ou seja, haver determinado de serviços, por exemplo, prestações sociais, a gestão de um lar de terceira idade, não precisa ser um funcionário pública a estar à frente daquilo.

É evidente que eu acho, e um Partido Social Democrata como nós acha que os lares devem existir, nomeadamente para as pessoas que precisam deles, e que deve haver um esforço da sociedade para assegurar a existência desses lares, mas a partir do momento em que isso aconteça, os lares podem ser geridos porventura até mais bem geridos, por entidades outras que não funcionários públicos, que não administração pública.

E, nesse caso o Estado deve-se limitar a regular a existência dos lares, a criar mecanismos de apoio às entidades que os criem e os mantenha em funcionamento. Como por exemplo, as IPSS, as misericórdias, ou a iniciativa privada, ou a iniciativa privada.

Não há aqui complexos nenhuns, da parte do PSD pelo menos, não há aqui complexos nenhuns de que a função social também possa ser exercida pela iniciativa privada. Desde que as regras estejam definidas pelo Estado. Ou seja, o Estado nesta redefinição de funções, o Estado em determinadas áreas, o Estado tem que perceber onde é que tem que ser prestador de serviços, eu já nomeei três casos tipos em que todos concordamos: Polícia, Forças Armadas, Justiça. O Estado tem que ser prestador desses serviços, não pode contratualizar com privados serem eles a gerir os tribunais, ou serem eles a policiar as ruas, ou serem eles a defender as fronteiras. Não. Isso tem que ser o Estado, são funções de soberania puras.

Haverá muitas outras situações, como por exemplo, na área da Educação, hoje em dia já existe co-existência de sector público e sector privado nas escolas. Eu acho que deve existir cada vez mais uma competição verdadeira entre esses sectores.

Um dos exemplos que tem estado em gestação e em discussão em vários grupos de trabalho, quer dentro do Partido, quer dentro do Grupo Parlamentar, é a criação do cheque ensino, para que o esforço que o orçamento do Estado faz com a rede pública, com o ensino, com a educação das gerações jovens, não será direccionado maioritariamente para uma rede pública de estabelecimentos, mas ser direccionado maioritariamente para os jovens, para as pessoas. Serem as pessoas que transportam consigo o esforço financeiro para a sua educação, e depois livremente escolhem se aplicam esse cheque ensino numa escola que é gerida publicamente ou numa escola que é gerida privadamente ou numa cooperativa. Haver uma liberdade maior de escolha. O esforço financeiro do orçamento de Estado seguir o estudante e não a rede pública ou a rede privada.

São alterações como esta que podem levar a uma redução do peso da máquina do Estado, o Estado recuar em alguns sectores onde pode e deve, do meu ponto de vista, deixar de ser prestador directo ou assegurar apenas a prestação directa quando a iniciativa privada não tenha interesse em realizá-la.

E ser apenas supletivamente o Estado prestador em determinada áreas. Isto pressupõe um trabalho sector por sector, área por área, identificar quais são as actividades em que o Estado não precisa de ser prestador directo e, recuar para uma função de regulador. E, depois, feita esta definição, aprovação de legislação que enquadre o exercício dessas competências de regulação de uma forma eficiente, com penalizações, com capacidade efectiva de actuação nos casos em que as coisas não funcionem como devam funcionar.

E, depois o Estado verdadeiramente ousar recuar, ousar dispensar funcionários, e reduzir o peso da sua máquina. Acho que é por aí, não é um trabalho fácil, não é. Mas como referiu dando alguns exemplos, alguns outros países têm vindo a percorrer nos últimos anos esse caminho, mesmo nos países nórdicos onde a máquina da administração era muito grande, era mais eficiente, é verdade, mas era muito grande, hoje em dia sem perder essa eficiência está a reduzir, está a recuar, está a contratualizar aquilo que era feito há dez, quinze, vinte anos, da Dinamarca, na Suécia, na Holanda, por entidades tipicamente públicas, hoje em dia está a ser contratualizado com entidades não públicas, com entidades privadas ou de natureza social, mantendo-se o Estado na posição de garante do exercício da prestação desses serviços aos cidadãos.

Esse é um caminho que tem que ser percorrido, Portugal não é um caso isolado, estamos é um bocadinho atrasados em relação àquilo que deve ser feito.

 

Pedro Rodrigues: - Muito obrigado. Tânia Morais, Grupo Bege.

 
Tânia Morais
Bom dia a todos. Bom dia caro Deputado. O nosso grupo de trabalho queria agradecer-lhe a sua disponibilidade para participar nesta acção de formação política e da cidadania, e temos uma pergunta muito prática. Que tem a ver com o encontro do Estado central com os cidadãos que referiu no início da sua intervenção.

A nossa bancada parlamentar tem vindo a sedimentar uma tomada de posição quanto à redução do número de Deputados à Assembleia da República, alegando que o funcionamento de listas uninominais aproxima o poder dos cidadãos. Nós gostaríamos de saber como? Obrigada.

 
Dep.Luis Marques Guedes
Obrigado. Abordou aí duas coisas distintas, por um lado a redução do número de Deputados e por outro lado a criação de círculos uninominais. São duas coisas diferentes.

 Você pode ter redução do número de Deputados e manter o mesmo sistema que actualmente existe, círculos grandes; pode ter redução de número de Deputados criando ao mesmo tempo círculos uninominais, também procurando uma proximidade maior entre o eleito e o eleitor; ou pode, no limite, manter o número de Deputados como está, e introduzir círculos uninominais. Portanto, são duas coisas distintas.

O PSD tem-se batido convictamente desde há vários anos, não é de agora, desde há vários anos, sucessivas direcções políticas do partido têm vindo a defender isto, pelo menos desde o tempo do prof. Cavaco Silva, a redução do número de Deputados.

De resto a primeira redução que foi feita foi em 89, na Revisão Constitucional de 89, inicialmente a Assembleia da República eram 250 Deputados, a seguir ao 25 de Abril, e passou para 230. E já na altura só passou para 230 porque o Partido Socialista não aceitou, o PSD queria reduzir ainda para mais.

Isso tem que ver com a explicação do PSD, há muito se debater por essa redução, fá-lo convictamente e tem que ver com aquilo que é a realidade da sociedade de hoje em dia, se é verdade que há 30 anos atrás, há 40 anos, a distância entre lugares, não apenas a distância em termos de deslocação das pessoas, como de deslocação da informação, era de tal maneira grande e penosa, que era importante que houvesse uma multiplicação de representação de várias localidades, de vários pontos do território nacional, para que o exercício do poder verdadeiramente fosse exercido por todos. A verdade é que hoje em dia, estamos todos à distancia de um click e de segundos para a comunicação, de segundos, para a tomada de posição colectiva.

Nós, hoje em dia, quer fisicamente, através das possibilidades de deslocação nas redes viárias, aviões, ferroviárias, aviação e por aí fora, tudo é mais próximo; como também em termos de comunicação e de circulação de informação e de tomada de decisões, tudo também é muito mais imediato.

E portanto, do nosso ponto de vista, isto faz com que faça cada vez menos sentido a necessidade de uma representação tão multiplicada em número de Deputados, possa haver uma redução desse número. E com a convicção de que essa redução melhora significativamente a capacidade, a produtividade, a qualidade de funcionamento do Parlamento.

Só quem não conhece o funcionamento do Parlamento, é que não percebe que, como actualmente existe, 230 Deputados não têm possibilidade prática, objectiva, física, em termos das leis da física, do tempo, das horas do dia, para ter um trabalho, um protagonismo, uma capacidade de intervenção de todos eles.

Não é só por essa razão, mas essa é uma razão pelas quais os Deputados dos pequenos partidos, leia-se Blocos de Esquerda e PCP’s, normalmente são mais conhecidos do que a generalidade dos Deputados dos grandes partidos. Porquê? Porque como eles são grupos parlamentares pequeninos, eles falam todos os dias, eles estão sempre em jogo. Imaginem uma equipa de futebol que em vez de ter 11 jogadores, uma equipa de futebol tem 11 jogadores, jogam todos, há outro clube ao lado que em vez de ter 11 jogadores tem 111, só jogam 11 de cada vez, e os outros 100 ninguém os vê. Só jogam de três em três meses.

E então fica-se com a noção de que os Deputados dos grandes partidos são piores Deputados, são mais calaceiros, não trabalham, são menos interventores, são preguiçosos. Há alguns casos que também pode ser essa a razão, isso será com certeza. Mas, objectivamente, há aqui um dado que não vale a pena escamotearmos, quer dizer, os Deputados dos pequenos partidos, CDS’s, o Bloco de Esquerda, têm uma visibilidade muito grande, diária, permanente, junto das televisões, dos cidadãos, e, portanto, os cidadãos acabam por subconscientemente valorizarem mais o trabalho desse Deputado, do que os Deputados das filas lá de trás do PS e do PSD que são 70, 80, 90, 100, 120, e portanto, não têm condições práticas de intervir todos.

É evidente, que a redução de número de Deputados pode contribuir para que haja uma maior selecção, uma concentração maior de qualificações e de permitir um protagonismo na actividade política mais satisfatória e mais produtiva por parte dos Deputados. É essa a razão principal, pela qual convictamente o PSD, não é de agora, desde há vinte anos pelo menos, vem defendendo claramente a redução de número de Deputados.

Quanto à constituição dos círculos uninominais, são coisas distintas, como já disse. O PSD também defende há vários anos, (eu estou à vontade porque eu pessoalmente sou vencido nessa opção, porque pessoalmente por razões que agora não vale a pena estar a explicar, não acredito na vantagem da criação de círculos uninominais), pelo menos desde o tempo do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, meados da década de 90, a criação dos círculos uninominais, dentro da lógica de que se houver círculos uninominais pode haver uma responsabilização política maior dos Deputados por parte dos cidadãos eleitores.

Pessoalmente acho que o resultado não seria esse, mas como o partido entende que é assim, o PSD nos seus programas e nas revisões constitucionais, tem-se batido pela criação destes círculos uninominais, e já apresentou, inclusive na actual legislatura, na Assembleia da República, um projecto de lei de alteração da lei eleitoral para a Assembleia da República, com a redução do número de Deputados, também, e com a criação de círculos uninominais.

 

Pedro Rodrigues: - Muito bem. João Marques, Grupo Castanho.

 
João Marques
Antes de mais, boa tarde a todos. Gostaria de saudar a presença do Dr. Luís Marques Guedes. Começar por um ponto prévio, se me permitir, é que se eu adormecer não se espante, não é por causa da sua intervenção, mas é porque de facto este campo de concentração de luxo a que se convencionou chamar Universidade de Verão, levou-nos a trabalhar noite fora, mas é com grande orgulho que digo isto, porque já tenho a certeza que o nosso grupo é o melhor, independentemente de qualquer pontuação. (APLAUSOS)

Agora em relação a questões mais sérias, gostaria de lhe perguntar em primeiro lugar, e pelo factor da coragem política, gostaria de lhe perguntar, fiquei confesso desiludido, com os recentes avanços da reforma de todo o sistema eleitoral, quer das autarquias quer do próprio parlamento, mas sobretudo nas autarquias, que há um ponto que não percebo, sinceramente, porque é que os Deputados não assumem com coragem certas questões como esta que eu vou dar, um exemplo muito claro, pelo menos, corrija-me se estiver errado, a questão dos presidentes de junta, que vão continuar a manter a sua posição nas assembleias municipais.

Ora bem, isto, para quem como eu, em Braga, que sofro as consequências do PS dominante há 30 anos, e em que infelizmente os presidentes de junta, não são raros os casos em que acabam por ser trânsfugas, muito mais difícil se torna ter lá uma, posso dizer que sem os Presidentes de Junta, a nossa posição em relação ao PS seria quase paritária. E por isso é que eu não percebo como é ainda se mantém o lugar dos Presidentes de Junta nas Assembleias Municipais. Para mim é tão estranho como manter, por exemplo, Presidentes de Câmara na Assembleia da República.

Não faz sentido, para mim não faz sentido, e gostaria de saber porque é que não houve a coragem de avançar com esta reforma, e corrija-me se estou errado, penso que não houve essa coragem.

Gostaria de saber então se houve ou não a coragem e se não houve, porque é que não houve.

Depois, gostaria, já agora tenho de aproveitar este momento, porque é um momento único, em que posso falar com um Deputado, a honra é grande e espero que a sua honra em falar connosco também seja igual, que a sinta de igual forma, mas o que lhe gostaria de perguntar é que, apesar de tudo a democracia portuguesa é uma democracia jovem, temos de considerá-la em relação às outras democracias da Europa. E acho que nós ainda não superámos grande parte dos preconceitos, quer da ditadura, quer do período seguinte do socialismo. Um exemplo claro disso, é o que temos espelhado na Constituição em que muitas vezes, não são raras as vezes, pelo menos, em que se fala da parte da tendência quer para os serviços gratuitos, quer para o socialismo.

Sinceramente quando estudei Direito, quando vi a Constituição pela primeira vez, parecia-me mais uma peça de museu, nesses casos particulares, porque atenção, considero que é um excelente documento, mas nesses casos em particular, conseguia ser mais uma peça de museu do que a Magna Carta que teria referido há pouco. E portanto, é outra questão que não entendo, no mesmo vector da coragem, porque é que ainda não houve a coragem de avançar com, não a despolitização, que é um documento político, mas a despartidarização da Constituição. Acho que isso seria um grande avanço até na superação daquele paradigma que eu disse, da problemática quer do avanço da ditadura, quer do avanço em relação à superação do modelo socialista.

Muito obrigado.

 
Dep.Luis Marques Guedes
Obrigado. Bom, rapidamente, lei eleitoral das autarquias, o PSD defende que, eu estou aqui a pesar as palavras, mas não vou cometer nenhuma inconfidência, porque as coisas, provavelmente nas próximas semanas vão ter (espero), desenvolvimentos públicos. Penso que estamos à beira de conseguir um acordo, com o Partido Socialista relativamente à alteração da lei eleitoral autárquica. Isso é muito importante, não apenas porque estamos em minoria como sendo uma lei de dois terços, é uma lei que, e mesmo quando estivemos no poder, nunca poderíamos alterar sozinhos, e o PS ao longo dos anos tem sido sempre extraordinariamente renitente a alterar esta legislação que vem da Constituição da República.

A presença dos Presidentes de Junta, aquilo que o PSD defende é que, no novo modelo da lei eleitoral autárquica, não é possível eles saírem das assembleias municipais, porque como sabe isso está na Constituição, e portanto isso não pode ser alterado na lei eleitoral autárquica, tem que ser primeiro alterado numa Revisão Constitucional, e o PS nunca esteve disponível para isso nas revisões constitucionais, e só depois é que a lei eleitoral podia dar a volta.

Mas, dentro dos limites do actual texto constitucional, a proposta que está sobre a mesa é a de que os Presidentes de Junta, no novo figurino da lei eleitoral, deixem de poder votar na aprovação dos orçamentos municipais, bem como em tudo o que tenha que ver com a constituição do executivo. Porque como sabe, o modelo que está previsto é que deixe de haver eleição directa para os executivos, passe a haver apenas para as Assembleias, para a Assembleia Municipal, e depois o mais votado, o partido mais votado, o cabeça de lista é automaticamente o Presidente da Câmara e depois escolhe o seu executivo, que é legitimado pela Assembleia Municipal. Nessas decisões da Assembleia Municipal, seja para aprovar o executivo ou para deitar abaixo o executivo, os Presidentes de Junta não têm direito de voto.

E, portanto, há já aqui alguns avanços, não dá resposta à questão total que você colocou, mas pelo menos relativamente ao orçamento de plano de actividades, está a ver as questões macro de funcionamento das autarquias, a proposta que está sobre a mesa, os Presidentes de Junta deixarem de ter poder de voto na Assembleia. Podem participar no debate, podem dizer de sua justiça, o que entendem, mas depois na decisão, não participam na decisão.

Tirá-los de membro da assembleia, isso só com uma revisão constitucional.

Quanto à segunda questão de que a nossa Constituição é demasiado programática, no fundo, programática no sentido que contém um programa de caminhar para o socialismo, e com terminologia perfeitamente datada no tempo e ultrapassada ideologicamente – isso é tudo verdade. E é essa verdade que faz com que, sempre que há uma revisão constitucional, de 6 em 6 anos, ou de 7 em 7 anos, politicamente o PSD aparece sempre como vencedor desse processo de revisão constitucional

Por uma razão: como a Constituição foi escrita à esquerda, cada vez que se faz uma revisão vai-se puxando, vai-se tirando complexos de esquerda da Constituição, e vai-se puxando a Constituição para o meio. E portanto, o resultado final de cada revisão é sempre uma vitória política para o PSD.

Também por méritos próprios do PSD seguramente e por quem lá anda, mas, acima de tudo, por causa daquilo que você acabou de dizer, a Constituição foi escrita num período revolucionário, você é muito novo para isso, mas quando a Constituição estava a ser escrita, a Assembleia Constituinte chegou a estar sequestrados. Os Deputados estiveram sequestrados pelos operários e camponeses, como na altura se dizia. Houve uma manifestação, uma ocupação da área de São Bento, do Palácio de São Bento, e durante dois dias os Deputados ficaram lá fechados, e só os Deputados do Partido Comunista é que recebiam comida. A comida só entrava para os Deputados do PC, porque havia piquetes de operários à porta, o MFA na altura cruzava os braços porque também estava minado, isto durante o PREC, não vale a pena alongarmo-nos sobre isso.

Agora, tem toda a razão naquilo que disse, a Constituição está escrita à esquerda, o PSD em todos os processo de revisão constitucional apresenta propostas no sentido de uma limpeza enorme do texto constitucional, porque verdadeiramente a lógica que devia existir é aquela que você constituiu, é a Constituição ser uma espécie de Magana Carta, ou seja, ter os princípios, os direitos e os deveres essenciais do Estado e dos cidadãos, cada um dos cidadãos, e permitir que qualquer força política que democraticamente seja escolhida e ganhe as eleições, possa aplicar o seu programa e governar em liberdade.

Isso não acontece porque a esquerda não deixa que a revisão constitucional seja mais rápida.

 

Pedro Rodrigues: - Obrigado. Vamos agora fazer as duas últimas questões e vamos colocá-las em conjunto, porque estamos já a esgotar o nosso tempo. Vou dar a palavra ao João Torres do Grupo Laranja e depois ao João Almeida do Grupo Cinzento.

 
João Torres
Boa tarde a todos em nome do grupo Laranja, de modo muito especial ao dr. Luís Marques Guedes, por nos ter elucidado sobre algumas questões durante esta manhã. Nós no grupo Laranja chegámos à conclusão que estamos 500 e alguns após a viver no rescaldo dos descobrimentos. Habituámo-nos a viver plantados à beira mar a olhar para o mar, e só conseguimos desenvolver o país na linha de costa. Questionamo-nos mesmo como é que os espanhóis conseguiram criar Madrid sem terem linha de costa e os Franceses, Paris. É algo estranho, nós não sabemos o receio de criar cidades que não tenham lista de costa. Neste sentido, e sabendo das enormes assimetrias regionais existentes, tendo o litoral sido privilegiado ao longo das décadas, qual ou quais as soluções que enunciaria para combater as assimetrias regionais e as injustiças sociais daí decorrentes?

Obrigado.

 

Pedro Rodrigues: - Muito Bem., João Almeida, Grupo Cinzento.

 
João Almeida
Bom dia a todos, somos o último grupo e por isso eu deixo uma mensagem, uma boa viagem de regresso para o Sr. Deputado.

A Dra. Leonor Beleza ontem disse: governar é servir. A frase que o Sr. Deputado disse hoje, foi: O Estado do Povo, pelo Povo e para o Povo.

Eu deixo outra frase: O Estado do Povo, pelo Povo, com o Povo.

Sendo a Assembleia da República o órgão que representa os cidadãos porque é que existem inúmeros Deputados eleitos por ciclos aos quais não pertencem? Muitas das vezes não tendo ligação à população lá da terra. Na sua opinião esta situação não descredibiliza o PSD ou mesmo a classe política? Obrigado.

 
Dep.Luis Marques Guedes
Obrigado. Bom, começando pelo grupo, que é o grupo mais importante desta sala, por ser o Laranja, só por isso, naturalmente que é um grupo que deve ter um orgulho (…)

 

(Um minuto inaudível)

 

(…) a questão colocada pelo João Torres, tem que ver com a questão muito difícil do nosso país, que é o problema da interioridade, ou se quiser, como você apresentou, da litoralização do desenvolvimento.

Eu acho que isso, em primeiro lugar tem que ver a com as escolhas das pessoas e, portanto, do meu ponto de vista cabe a quem está à frente do Estado em cada momento, tentar encontrar mecanismos que possa contrariar um bocadinho essa tendência natural das pessoas, sob pena, obviamente, de a páginas tantas nós termos um interior abandonado, desertificado, termos um país profundamente desertificado.

Devo dizer-lhe com toda a franqueza que, compartilhando todas as suas preocupações no plano conceptual, é bom que se diga, é verdade, e vocês são porventura um pouco jovens para ter essa percepção exacta, que apesar de tudo, pouco, mas bastante se fez nos últimos 20, 30 anos. Quero com isto dizer que há 20,30 anos era bem pior. Ou seja, talvez não fosse pior em termos de número de pessoas que viviam no interior, mas era seguramente muito pior em termos de qualidade de vida, e de capacidade de desenvolvimento que o interior tinha, passava-se fome no interior do país.

Lembro-me, em miúdo, da família dos meus pais e da minha mãe também, (a família dos meus dois pais é da zona de Viseu, Vila Real, ali junto ao Douro). E lembro-me de em miúdo passar as férias em casa dos meus avós, lá em cima, numa quinta que eles lá tinham. E passava-se fome, havia fome nas aldeias no interior do país na década de 60. E não por acaso as pessoas emigravam, as pessoas emigravam porque não tinham o que comer, não tinham onde trabalhar, não tinham o que fazer.

Nos últimos 20 anos, felizmente não é assim. Os últimos 30 anos, desde o 25 de Abril, e particularmente, desde 1985, da nossa adesão à União Europeia, é preciso ser-se um pouco justo e objectivo e reconhecer que se melhorou muito na qualidade de vida das regiões do interior. Ou seja, há hoje um conjunto de cidades, as chamadas cidades médias, de dimensão média, por todo o país, em que a qualidade de vida é assinalável, vive-se com alguma qualidade. Persiste, no entanto, o problema do abandono.

As pessoas querem, com toda a legitimidade, o melhor para si. Anseiam em ir para os locais onde haja mais e melhor.

E de facto o desenvolvimento, nomeadamente nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, continua  ainda a ter uma décalage muito grande em relação às tais cidades médias, onde se vive bem, há alguma qualidade de vida, mas ainda não um conjunto de oportunidades tão grande como há nas grandes áreas metropolitanas. E, portanto, há essa tendência.

Como combatê-la? Eu acho que não há aqui varinhas mágicas, não há soluções mágicas, a única forma de a combater é criar mecanismos de discriminação positiva. Ou seja, tentar incentivar as pessoas a, pesando os prós e os contras, é verdade que tenho mais oferta cultural, oferta educacional, oferta social nos grandes centros urbanos, isso é uma verdade inquestionável para qualquer jovem, para qualquer pessoa, mas se conseguirmos pôr no outro prato da balança algumas outras vantagens, nós estas não podemos anular, nós não podemos fechar a oferta cultural, a oferta profissional, a oferta social nos grandes centros urbanos, não podemos fechá-la, dizer, agora não há aqui mais que é para não atrair as pessoas, isso não é possível. A única hipótese é tentar mecanismos de discriminação positiva que consiga pôr no outro prato da balança, no outro lado da educação algumas outras vantagens. Algumas outras vantagens em termos de segurança, de tranquilidade, de perspectivas de educação dos filhos, de constituição de empresas, criação de riqueza.

Portanto, tentar criar instrumentos de discriminação positiva. Isso tem vindo a ser feito. Como lhe disse não há aqui varinhas mágicas, tem vindo a ser feito, pelo menos nos últimos 20 anos. Eu lembro-me, já no tempo dos governos do Prof. Cavaco Silva, no início da década de 90, quando houve um crescimento muito grande da qualidade de vida, exactamente porque houve uma aposta nestas cidades médias, criaram-se politécnicos em todas a capitais de distrito, que foram pólos muito importantes de atracção para a permanência, e atracção, de alguma massa cinzenta e de permanência dos jovens das novas gerações nessas cidades, e evitar alguma da sangria de deslocação para os grandes centros.

São apostas dessas, medidas dessas, medidas fiscais mais competitivas para as empresas, para criar e para se instalarem, o que é preciso é, criar alguns mecanismos de discriminação positiva que permita contrabalançar de algum modo e pôr na equação das pessoas, as pessoas pesarem. Se eu for viver para Lisboa e para o Porto, tenho isto, isto e aquilo; mas se ficar aqui, porventura posso ter facilidade nisto ou naquilo, e depois depende das pessoas.

Como é evidente, numa sociedade livre, felizmente, não vivemos como no tempo da União Soviética, em que as pessoas, não podiam mudar-se da cidade donde viviam. Tinham que ter uns documentos, uns papéis de autorização do Estado para se deslocarem de um sítio para outro. A mobilidade hoje em dia faz parte da liberdade individual. Nos países mais livres do mundo, como por exemplo nos Estados Unidos, as pessoas normalmente nascem num Estado, formam-se noutro e trabalham noutro, e têm filhos a trabalhar noutro.

A mobilidade interna dentro dos espaços políticos e económicos, hoje em dia é uma realidade. No mundo global hoje em dia é uma realidade planetária, eu diria, e portanto, não há como combatê-la, a única hipótese é medidas de discriminação positiva.

Quanto à questão que o João Almeida coloca sobre os Deputados eleitos por círculos a que não pertencem. A razão de ser disso tem que ver com aquilo que falávamos no princípio. Ou seja, a Assembleia da República coloca-se em termos de Estados no patamar nacional, é um órgão de soberania nacional, não é um órgão de representação e de exercício do poder a nível das comunidades, a nível local, do patamar de baixo. E por isso a Constituição da República diz e é uma das normas que está cá desde o princípio que os Deputados, independentemente, de serem eleitos por círculo A, círculo B ou círculo C, representam todo o país, e não o circulo por onde foram eleitos. Porque se fosse ao contrário, se os Deputados representassem o círculo por onde foram eleitos, então sim, era completamente impensável, os Deputados serem pára-quedistas. Ou seja, não serem da região por onde são eleitos. Caírem de lá, serem Deputados doutras regiões do país, e caírem de lá e serem eleitos por aquele círculo.

Mas a lógica do nosso sistema é que sendo a Assembleia da República um órgão de soberania nacional e sendo os Deputados titulares de cargos políticos que representam todo o país e não o círculo por onde foram eleitos, (isso está preto no branco na Constituição, goste-se ou não se goste), enquanto fôr assim, é evidente que não se pode coarctar a nenhum cidadão, ele candidatar-se pelo círculo que entender. Não se pode.

Ou seja, não há nenhuma reserva, nenhuma coutada dos autóctones de um determinado local de poderem ser eles os únicos candidatos. Precisamente porque a lógica do nosso sistema, na organização constitucional que temos, a Assembleia da República é um órgão nacional e os Deputados representam todo o país e não o círculo por onde foram eleitos. E é essa a única explicação para aquilo que acontece.

É evidente que esta explicação é uma explicação legal. É uma explicação técnica. Politicamente você pode dizer, bom, mas não é desejável que assim seja. Tudo bem. E não sendo desejável e se houver partidos que entendam que não é desejável que assim seja, os partidos tentam evitar que nas suas listas haja pessoas de fora. Dentro do PSD, como sabe, normalmente existe uma coisa que é a chamada “quota” da direcção do partido, que é o cabeça de lista e mais um ou dois Deputados apenas, e depois a generalidade da lista, em cada círculo, é da iniciativa das estruturas locais do partido.

E portanto, há aqui, digamos, alguma divisão salomónica, mas a resposta à sua pergunta tem que ver com aquilo que eu primeiro disse. A realidade é esta, na Assembleia da República os Deputados não representam os círculos, representam o todo nacional.

(APLAUSOS)

 
Dep. Carlos Coelho
Muito bem, chegámos ao fim desta lição sobre o Estado, agradeço muito ao Presidente do Grupo Parlamentar do PSD, ao Dr. Luís Marques Guedes, o facto de ter aceite o nosso convite e ter respondido às nossas perguntas. O Pedro Rodrigues e eu vamo-nos despedir como é costume, do nosso convidado.

Peço ao Duarte e à Zita, e aos avaliadores para vierem conduzir o processo de votação. E à saída quando depositarem o vosso voto, têm um impresso relacionado com a visita a Castelo de Vide, que pedia para levantarem e depois devolverem preenchido durante o dia de hoje. Até já.

 
Ana Zita Gomes

Vamos alterar a lógica, vamos votar agora por grupos, por isso pedia aos grupos que tivessem o vosso bonequinho visível em cima da mesa para que pudéssemos ir chamando.

Não resisto a dizer ao João, eu fui deputada pára-quedista e portanto não fui eleita pelo meu círculo, portanto achei graça. Graça ironicamente. (Risos)

 

Votação