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14.30 - Assembleia (simulação)
20.00 - Jantar-Conferência com o Dr Vasco Graça Moura
28-08-2007
Jantar-Conferência com Drª Leonor Beleza
 
Marta Santos
Boa noite a todos os presentes. Eu gostaria, em primeiro lugar, de propor um pequeno exercício, gostaria que se levantassem todos, sem excepção e agora, com os olhos fechados gostaria que tentassem dar a mão à pessoa que está à vossa direita, com os olhos fechados. Citando Shakespeare: “depois de algum tempo aprendes a diferença, a subtil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma”. Peço agora que direccionem o vosso olhar para a Dra. Leonor Beleza, uma mulher de causas humanas e que, recentemente, abraçou o desafio na área da investigação médica, um brinde à Dra. Leonor Beleza.

(APLAUSOS)

 
Dep. Carlos Coelho
Senhor Presidente da JSD, Senhor Secretário-Geral Adjunto do PSD, Senhores Conselheiros, Senhores Avaliadores, minhas senhores e meus senhores, senhores presidentes da Câmara de Castelo de Vide, de Portalegre, de Alter do Chão, de Sousel e de Marvão. Estão todos curiosos para saber quem é a senhora que está sentada à minha direita. Chama-se Leonor Beleza, tem como hobby brincar com a neta, tem como comida preferida a tosta mista, tem como animal preferido a cegonha, o livro que nos sugere, “Identidade e Violência” e a qualidade que mais aprecia nos outros é a coragem. Esta mulher de garra, que foi Vice-Presidente do PSD, Presidente do Congresso do Partido, Secretária de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Ministra da Saúde, Vice-Presidente da Assembleia da República, Presidente do Instituto Francisco Sá Carneiro, renunciou a uma actividade política em que fez praticamente quase tudo, para se dedicar às causas sociais, presidindo à Fundação Champalimaud. É com muito prazer, Dra. Leonor Beleza que a temos entre nós e que lhe agradecemos o facto de ter aceite o nosso convite e cabe-me este privilégio de lhe dirigir a primeira pergunta que, no caso, é bem simples: Dra. Leonor Beleza que renunciou, ou pelo menos interrompeu, uma carreira política para se dedicar a isto, acha que vale a pena? O que é que de facto faz na Fundação Champalimaud? O que é que a Fundação Champalimaud faz para o país e para o mundo? Minhas senhoras e meus senhores, connosco a Dra. Leonor Beleza.

(APLAUSOS)

 
Dra.Leonor Beleza
Caro Carlos Coelho, Sr. Presidente da Jota, Sr. Secretário-Geral Adjunto, Senhores Presidentes das Câmaras do distrito de Portalegre, de quem tenho muitas saudades, do distrito, dos presidentes de Câmara, de toda a gente aqui, caros amigos. Esta pergunta tem um pressuposto que, aliás, foi afirmado pelo meu amigo Carlos Coelho e que é: porque é que eu renunciei a uma carreira política para fazer outra coisa? Esta expressão renúncia tem uma carga um pouco negativa, perdi uma coisa que eventualmente me faz falta e eu comecei a pensar se faria. Um dia o Sr. António Champalimaud telefonou-me, (eu conhecia-o muito mal, tinha-o visto uma vez, tinha falado algumas vezes com ele, tinha tido uma relação nalguma medida profissional mas sempre muito distante) e perguntou-me se eu aceitaria ser presidente de uma Fundação dedicada à saúde que ele se preparava para criar no seu testamento. Foi assim que eu soube. Eu respondi-lhe imediatamente que aceitaria e que para mim era uma enorme honra esse convite ser-me dirigido. Pedi-lhe também imediatamente, (isto foi uma conversa de segundos) que me transmitisse todas as instruções que ele considerasse adequadas sobre o que ele queria que essa Fundação viesse a ser e ele disse-me “ se eu tiver saúde e vida veremos como é que isso se faz”. De facto, nunca aconteceu, nunca recebi essas instruções, quatro anos depois ele morreu e as instruções constam do testamento e são muito poucas, são que a Fundação se deve dedicar à promoção da pesquisa científica na área da medicina, que a par da minha designação como Presidente, que o Dr. Daniel Proença de Carvalho e eu própria tomaríamos todas as decisões iniciais relacionadas com a Fundação, respectivos estatutos, a designação das primeiras pessoas que fizessem parte dos respectivos órgãos, e, enfim, as decisões fundamentais que dariam corpo à Fundação.Não disse mais coisa nenhuma. Não disse qual devia ser o perfil da Fundação, não disse que se devia dedicar a umas áreas em vez de outras. Teve isto, que eu acho um gesto de um rasgo extraordinário: é uma Fundação para a investigação científica. Quando se me pergunta se eu renunciei a uma coisa para outra, bom, eu quando disse aquele sim (que, repito, foi instantâneo e acho difícil imaginar que alguém no seu perfeito juízo, dissesse naquelas circunstâncias uma coisa diferente), assumi um compromisso de vida, pura e simplesmente, porque eu não tinha a noção na altura, da dimensão, dos termos exactos em que a Fundação viria a ter lugar, mas imaginava que António Champalimaud que tinha criado tantas coisas ao longo da vida, que tinha feito tantas coisas extraordinárias, que tinha um poder criativo fantástico, só podia estabelecer condições para a existência de uma Fundação destas que verdadeiramente valessem a pena. E se ele tinha tido a ideia de que eu podia presidir à Fundação, eu também não ia pôr-me a discutir a minha própria capacidade, eu também não tinha tantas dúvidas sobre isso, e, portanto, achava que seria capaz e devo dizer-vos que desde esse momento (segredo que guardei durante quatro anos), até à verificação que de facto as coisas iam nesse sentido quando o testamento foi aberto quatro anos depois e até ao momento de hoje eu não tive um segundo, um momento em que me tivesse passado pela cabeça que não fiz bem. O problema não é tanto renunciar a uma coisa para fazer outra, o problema é eu ter nas minhas mãos e à minha frente uma tarefa de uma tal dimensão, com um carácter tão inovador, tão fantástico criar uma Fundação no domínio da investigação científica que eu acho que tenho de considerar-me uma privilegiada por essa distinção ter-me sido um dia concedida e, repito, de então para cá, sobretudo desde que a Fundação começou a tomar corpo, desde que eu soube quais eram os meios financeiros de que ela dispunha, quais eram os termos exactos em que António Champalimaud tinha enquadrado, muito limitados, como vos disse, o funcionamento da Fundação, e, portanto comecei a imaginar como é que se fazia aquilo que ele queria. Área da medicina, área da promoção da saúde, portanto, área das ciências da vida, área das ciências da vida e da saúde, é nessa área que a Fundação se situa mas, devia ser uma Fundação que se limitasse a dar fundos a instituições e a cientistas para fazer a sua investigação, devia ser uma Fundação que faça a sua própria investigação, que tenha uma instituição de investigação ou mais, devia fazer as duas coisas? Devia dedicar-se à SIDA, às doenças próprias dos países em desenvolvimento, ao cancro, às neurociências, às doenças cardio-respiratórias, ao quê, devia fazer o quê? Que tipo de perfil é que devia ter? Que tipo de pessoas é que podiam ajudar a Fundação a crescer e a fazer sentido? Devia fazer investigação básica, fundamental ou devia avançar para a investigação clínica, para a investigação feita ao pé dos doentes, aonde é que ia, neste caminho entre o laboratório e a cama do doente a Fundação se devia situar? Tentei com os colaboradores excelentes que tenho explorar duas vias, uma era a personalidade do fundador. O que é que ele gostaria que a Fundação fosse? Já que ele não me disse como é que queria que eu fizesse, como é que eu posso imaginar que ele gostaria que esta Fundação fosse? É uma questão ética, como compreenderão. Ele dispõs daquilo que era seu para que a Fundação existisse. Portanto, o que é razoável, é que façamos tudo para que a Fundação tenha alguma coisa a ver com a pessoa que quis que a Fundação existisse. A outra foi recolher dados e mais dados e mais dados sobre qual é a investigação científica que se faz, onde é que se faz, o que é que se faz em Portugal, o que é que se faz na Europa, o que é que se faz nos Estados Unidos, o que é que se faz no resto do mundo, quais são as áreas em que é gasto mais dinheiro em investigação, quais são as áreas mais descobertas, quais são as áreas onde as pessoas sofrem mais em função das doenças que têm (as pessoas, as famílias, as sociedades) e isso não é suficientemente coberto pela investigação que é financiada. Quais são as áreas aonde, ou em relação às quais há muita gente a sofrer no mundo e não há ninguém que pague a investigação para que essas pessoas deixem de sofrer. As pessoas sofrem, por razões de saúde, porque não há meios técnicos, centros de saúde, hospitais, médicos, enfermeiros, material, medicamentos, ou sofrem porque não se sabe como é que aquelas doenças podem ser evitadas ou tratadas, porque para a primeira coisa a resposta é os sistemas de saúde, enfim, em sentido muito amplo, para a segunda coisa a resposta é a investigação em saúde, é descobrir como é que se trata o cancro, descobrir como é que nós podemos evitar que a mortalidade por cancro seja o que é hoje? Nós hoje sabemos que a mortalidade por cancro é muito inferior ao que foi há algum tempo atrás, sabemos que pode ser muito inferior ao que é mas não sabemos como é que se chega lá. Há pois no mundo quem sofra das duas coisas: há quem no mundo sofra sobretudo da ausência de investigação. Há quem no mundo sofra de doenças completamente diferentes. Muito mais de certas doenças do que doutras em função do desenvolvimento do País, daquilo que o país gasta de facto em cuidados de saúde. Há quem sofra muito porque não se investiga em certos domínios. Por exemplo, se não se descobriu ainda uma vacina da SIDA, será porque não se investiu o suficiente para que essa vacina seja descoberta ou será porque é cientificamente impossível prevenir a SIDA através de uma vacina? Tudo isto foi feito com o recurso a pessoas que estudaram estes dados para mim mas também através de outra coisa que para mim tem e tem tido uma importância enorme que é ir ao maior número de sítios que eu puder falar com o maior número de pessoas daquelas que valem a pena: cientistas, decisores em matérias de políticas de investigação e de saúde, instituições científicas e instituições de saúde, onde é que estão aqueles que se destacaram, o que é que eles acham, o que é que um cientista muito qualificado em cada uma das áreas acha que faria se lhes fossem postos nas mãos quinhentos milhões de euros, onde é que valia a pena, onde é que aquilo se traduziria nalguma coisa?

A personalidade do fundador: ele era um homem que criava, que fazia coisas que não pré-existiam, ele criou a Siderurgia Nacional numa altura em que todos diziam em Portugal que era impossível fazer a Siderurgia Nacional. Eu acho que eu tenho a obrigação de fazer uma coisa que as pessoas também achem que é impossível de fazer cá. Ele ultrapassava os obstáculos, fossem eles quais fossem. Tinha uma enorme capacidade para lutar contra aquilo que eram forças várias que se opunham aos seus desígnios. Eu tenho a obrigação também de não ceder aos primeiros obstáculos, de não me desviar de coisas só porque são difíceis. E era um homem extremamente preocupado com a eficácia e com os resultados. Desta última coisa eu tirei uma conclusão que também tem a ver com as inúmeras pessoas com quem falei, as inúmeras coisas que eu li, as inúmeras instiuições que visitei e que é que há um ponto que todos acham que é particularmente preciso que seja colmatado, mas que é muito difícil de colmatar. Qual é esse ponto? É o relacionamento entre a investigação básica, a procura do conhecimento pelo conhecimento, a procura dos mecanismos pelos quais as coisas funcionam e a efectiva melhoria no estado de saúde das populações, a efectiva prevenção das doenças, o efectivo tratamento das doenças, a luta contra a mortalidade e contra os fardos das doenças. A coisa que junta isto tudo chama-se investigação de translação, a capacidade de pôr os cientistas e os médicos a falarem entre si e a encontrarem soluções, todos nós compreendemos, isto tudo é uma linguagem em grande parte que era nova para mim há pouco tempo atrás, acho que consigo fazer compreender o que eu quero dizer, os médicos dão com um cancro no ovário e precisam saber os mecanismos exactos através do qual esse cancro ocorreu para descobrir como é que é possível evitar, por exemplo, que ele avance e se expanda através de metástases para outras zonas do corpo. Precisa de respostas vindas dos cientistas básicos, dos que investigaram as células, os mecanismos das células, como os seres vivos funcionam, para tentar descobrir como é que isso se pode traduzir em que menos mulheres sejam vítimas mortais do cancro dos ovários. Por outro lado, os cientistas básicos também terão um momento na vida em que gostarão de que aquilo, estou a falar com alguma ironia porventura, mas eu já tenho encontrado cientistas básicos que acham que é, de facto, um momento extraordinário, que coisas, mecanismos que eles descobriram como é que funcionavam, se traduzam em melhorias efectivas no tratamento de doenças, na diminuição da mortalidade, na diminuição do sofrimento. Não é fácil, admito que para muitos de vós, (como para mim há algum tempo atrás)

, não é porventura fácil perceber que seja tão difícil que eles funcionem em conjunto mas para um País como o nosso aonde pôr a funcionar em conjunto o que quer que seja é por si uma coisa relativamente complicada, todos nós sabemos isso muito bem, imaginem o que é uns médicos que entrem pelos laboratórios dos cientistas básicos e lhes dizem “e agora em vez de estar aí a pensar como é que se fazem as teias de aranha, vai-me explicar como é que esta metástase se formou, porque eu preciso de saber isso para conseguir evitar que a metástase avance daqui para a frente.” Ou como é que é um cientista básico ir ter com o médico e maçá-lo até ele lhe dar elementos suficientes sobre como é que determinada doença se desenvolve e ele a vê desenvolver-se no seu doente para conseguir comprovar que aquilo que ele acha lá dos seus ratinhos ou das suas moscas, ou do que quer que seja, consoante os modelos com que o cientista básico funcione, para comprovar que faz sentido fazer uma certa diferença que ele encontrou e, portanto, é neste mundo da investigação de translação, da comunicação entre o cientista básico e o cientista clínico, o médico que efectivamente trata pessoas, é neste mundo que a Fundação Champalimaud vai focar, está já a focar e vai focar ainda mais no futuro a sua atenção basicamente fazendo, e fico-me por aqui, de resto aguardo as outras perguntas. Basicamente fazendo, (é essa a opção que tomámos), o instituto científico. Aliás, basicamente, identificando-se com um instituto científico. Eu digo isto muitas vezes, quando me perguntam, onde é que vai ser a sua sede? Eu não vou ter sede nenhuma, não quero saber de sede, hei-de ter uma instituição de investigação e é nessa instituição de investigação que eu estou lá dentro. Não é a sede que me interessa, interessa-me é a identificação da Fundação criada por António Champalimaud com a investigação científica que ela faz. É nesta, é pôr no mesmo edifício, debaixo da mesma orientação científica, cientistas básicos e cientistas clínicos que sejam obrigados a encontrar-se pelas escadas acima, pelas escadas abaixo, nos cafés ou onde eles quiserem para conseguir em conjunto encontrar coisas, encontrar soluções e obter respostas e resultados que de facto se traduzam em melhoria da saúde das pessoas. Neste ponto, eu tenho a certeza que António Champalimaud ficaria, que seria de acordo com aquilo que ele queria, que, de facto, aquilo que ele deixou, se traduza em melhoria no estado de saúde de muitas pessoas, em menos mortalidade e em menos sofrimento. Não estou triste com esta renúncia.

 

(APLAUSOS)

 

Dep. Carlos Coelho: - Muito obrigado, Dra. Leonor Beleza por ter respondido de forma tão clara à pergunta que eu lhe fiz. Agora tem mais dez perguntas, uma de cada grupo e o primeiro a falar é o João Gomes da Silva do grupo cinzento.

 
João Gomes da Silva
Obrigado, muito boa noite. Antes de mais gostaria de agradecer a sua disponibilidade e a honra da sua presença neste jantar, e a nossa pergunta começa, pegando há pouco no que o nosso Reitor afirmou, como a pessoa que já fez quase tudo na política e estando na presença de tantos jovens e sendo que a maior parte no início da sua actividade política, que conselho ou conselhos deixaria neste ambiente de formação política, a todos nós? Obrigado.
 
Dra.Leonor Beleza
O Carlos Coelho disse-me que eu tinha que responder depressa, não é assim exactamente. Vocês sabem uma coisa, eu tinha 25 anos quando foi o 25 de Abril. Vivi, enfim, naquilo que era a sociedade portuguesa nessa altura, não poder ler livros, não poder ver filmes, ir lá fora e ficar embasbacada com as coisas que havia e percebia ser vítima enfim, (vítima entre aspas, apesar de tudo houve vítimas que sofreram infinitamente mais), de uma sociedade fechada, de não podermos olhar para a Europa, de termos a história da guerra colonial que era complicado. O meu marido ainda esteve na guerra, eu ainda estive lá uns tempos. De repente isto muda tudo e vivi uns anos de um enorme entusiasmo, uns anos em que os jovens vinham para a política e achavam que valia a pena, em que as pessoas achavam que valia a pena participar, em que as pessoas iam descobrindo como é que era possível mudar as coisas, participar e, enfim, não estou a dizer-vos nenhuma coisa que não estejam fartos de saber mas não é tão fácil hoje seguramente encontrar entre os jovens pessoas que queiram mexer nas coisas. As pessoas muitas vezes perguntam-se, mas a política é importante? Quando nós nos queixamos muito das coisas todas que nos acontecem e estamos numa fase particularmente má, eu acho que vale a pena olhar para os países onde aconteceram as coisas e onde isso teve a ver com a política, porque há alguns países onde a gente acha que as coisas apesar de tudo vão funcionando, há alguns assim, têm essa sorte. Depois há outros onde a gente percebe que as coisas acontecem porquê? Porque há estabilidade no exercício do poder, porque há um razoável afastamento entre o exercício do poder e a administração pública, porque é possível captar alguns dos melhores para fazer política. Estes países existem! Todos se queixam, todos de uma maneira ou de outra dizem que há menos gente disponível mas, o que eu acho que a gente percebe ao olhar para alguns dos países que em democracia estão a fazer avanços muito importantes no sentido do progresso, da luta contra a pobreza, do desenvolvimento das pessoas, nalguns desses países a actuação dos governos foi muitíssimo importante e eu acho que esses demonstram que isso ainda é uma coisa que vale muito a pena e que isso condiciona brutalmente a situação das pessoas, o desenvolvimento do país. Há um país, com o qual eu agora ando muita interessada que é a Índia. Eu acho que em grande parte a India fez ou está a fazer o que está a fazer (eles também se queixam de muita coisa) porque houve dois governos, o governo anterior e este governo, que perceberam qual era o sentido fundamental daquilo para que era preciso empurrar o país. Eu li e convido-vos a ir ler o interessante discurso que o primeiro-ministro indiano fez há dias nas comemorações do 60º aniversário da independência da Índia. Este primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, teve um papel muito importante e tem um papel muito importante nas transformações que alguns dizem que é a estratégia mais bem sucedida de combate à pobreza que alguma vez foi feita, e talvez valha a pena ler nas palavras dele como é que isso se faz. Eu acho que a gente precisa de algumas pessoas que tenham dado exemplos e que sejam inspiradoras para perceber que Portugal precisa de um governo muito bom para que o salto de facto aconteça. Já houve uma altura em que nós acreditámos que o salto estava a acontecer e eu acho que precisamos muito de voltar a acreditar nisso, mas isso não é assim. Não é só por as pessoas dizerem coisas, é por as pessoas fazerem as coisas que têm de ser feitas e eu acho que uma das coisas muito importantes é que os jovens compreendam que governar o País é uma tarefa nobre. Governar é igual a servir, só essa.

 

Dep. Carlos Coelho: - Inês Cabrita, grupo roxo.

 
Inês Cabrita
Boa noite a todos. Queria agradecer muito a presença da Dra. em nos honrar na Universidade de Verão 2007 e o grupo roxo tem a seguinte questão para lhe colocar: a verticalização da produção dos materiais para o Hospital Aravind levou a uma enorme redução de custos operacionais dos mesmos, de que forma poderemos replicar este modelo em Portugal, considera estes dois modelos de gestão compatíveis? Tem a sua Fundação transmitido alguns deste ensinamentos à gestão hospitalar feita no nosso país? Obrigada.
 
Dra.Leonor Beleza
A referência feita ao Aravind é feita à entidade que ganhou o prémio Champalimaud na sua 1ª edição que é atribuída este ano e que é atribuída a uma entidade que se tenha distinguido no combate à cegueira no terreno no mundo em desenvolvimento. O Aravind é um sistema, portanto não é só um hospital, é um sistema, é um conjunto de hospitais, é simultaneamente uma entidade formadora de pessoal de saúde e de pessoal de investigação, tem também no seu seio a manufactura de uma série de produtos que têm a ver com a visão, lentes intra-oculares é o mais conhecido mas muitos outros produtos, e simultaneamente tem uma qualidade e é aquela a que fez referência e que é uma gestão absolutamente de primeiro mundo, (se é que podemos falar nestes termos). É tão extraordinária que foi um case study na universidade de Harvard e tem sido estudada em Portugal na AESE nos cursos de gestão de empresas. Como é que eles fazem? Eles aplicam princípios universais de gestão que os nossos hospitais também podem aplicar. Uma coisa é os princípios universais de gestão poderem ser aplicados em qualquer lado incluindo nos nossos hospitais. Olhem, eu vou-lhes mostrar uma coisa que eu trouxe aqui, que é uma das coisas de que eu gosto mais do Aravind que depois pode circular nas vossas mãos se quiserem e que é um folheto que as pessoas que entram no hospital recebem. Este hospital onde este folheto é distribuído recebe 2000 pessoas por dia não marcadas que entram no hospital e só saem quando o seu problema está resolvido e isso pode acontecer no mesmo dia, pode acontecer no dia a seguir, a questão é resolvida até ao fim. Essas pessoas recebem este folheto que lhes explica qual é o esquema da zona por onde vão andar e quanto tempo é que vão levar em cada uma das operações que são aqui explicadas, das coisas que vão ter de fazer enquanto estão dentro do hospital consoante as circunstâncias. Devo dizer que o homem que me estava a mostrar o hospital, quando me deu este papel não percebeu até que ponto era fantástico para mim porque talvez ele não tenha a noção que num hospital português uma coisa destas era uma barafunda, era uma coisa impensável, um cidadão qualquer saber, entrar e ser-lhe dito que leva x minutos a registar-se, que depois leva x minutos no exame não sei quê e mais x minutos não sei aonde, eu devo dizer que apesar do milagre hoje vi no jornal que havia uma lei recente que teria sido aprovada que exigia que se dissesse às pessoas quanto tempo é provável que venham a estar num estabelecimento de saúde quando lá aparecem sem ser para cuidados de urgência. Também se dizia que era muito difícil de executar. Também se dizia que ia ser preciso vários meses até ser possível fazer uma coisa daquelas. Ora eu acho que se muitos gestores hospitalares fossem a Madurai no sul da India, no estado Tamil-Nadu ver isto talvez compreendessem o que temos que fazer quando queremos muito fazer as coisas bem feitas, quando gerimos bem os meios que temos, quando não gastamos recursos a fazer as pessoas esperarem e a fazerem as pessoas andarem. Este hospital, neste momento, tem pouco espaço para as pessoas todas que recebe, mas eu vi as pessoas deslocarem-se de uma maneira perfeitamente ordeira, sabendo perfeitamente para que lado é que iam, sabendo perfeitamente o que lhes ia acontecer a seguir. Devo dizer-vos que me dá uma enorme pena pensar que é muito difícil fazer isto num hospital português, mas eu tenho a certeza absoluta que é possível porque um hospital não é uma coisa estranha que não pode ser gerida, cujos meios não podem ser geridos, em que o pessoal e os meios técnicos todos não podem funcionar o tempo todo com a ordem que é necessária, respeitando as pessoas como deve ser, não deitando fora recursos, isso é possível eu podia passar muitas horas a explicar-vos como é que se gastam recursos inutilmente. Estes princípios de gestão podem ser aplicados em qualquer sítio, admito que o sistema Aravind e o tipo de resposta que dão seria muito difícil replicá-lo em Portugal, nós vivemos num sistema sob todos os pontos de vista diferente …

(Um minuto inaudível)

 

… simplesmente não deitar fora coisíssima nenhuma nem do tempo, nem dos instrumentos, nem das pessoas, e sobretudo ter um respeito infinito pelas pessoas que aparecem e que precisam de ser tratadas. Este hospital sozinho resolvia todos os problemas de olhos cá em Portugal.

 

Dep. Carlos Coelho: - João Guerreiro, grupo rosa.

 
João Guerreiro
Boa noite Sra. Dra., em nome do grupo rosa gostaríamos de lhe perguntar se nos poderia dar uma opinião enquanto ex-ministra da saúde e sendo a sua actividade hoje em dia ainda ligada a uma área conexa à área da saúde e da investigação médica de ponta, gostaríamos de saber de que forma é que está a acompanhar hoje em dia as políticas de saúde do actual governo e de que forma é que com o know-how que conseguiu acumular desta experiência que agora para si é recente e que nos transmitiu com tanto entusiasmo, que forma é que conseguiria plasmar essa atitude, reverter tudo isto em termos de políticas de saúde, de que forma é que este conhecimento que foi acumulando desde o falecimento do Sr. António Champalimaud até agora, de que forma é que conseguiria reverter todo este conhecimento em termos de políticas de saúde e em termos de melhoramento dessas mesmas políticas? Muito obrigado.
 
Dra.Leonor Beleza
Olhe eu vou-lhe responder assim. Seria absolutamente inimaginável acho eu, que algum ministro da saúde lá voltasse pelo menos tanto tempo depois, o actual ministro já esteve lá e voltou mas foi num período bastante curto. Eu acho que algumas coisas que estão a acontecer hoje ou que têm vindo a acontecer e que têm tornado muito difícil a gestão dos recursos na área da saúde. Há umas que são universais, toda a gente sabe que os recursos são finitos, com o aumento dos conhecimentos que aumenta a esperança de vida das pessoas que tende infinitamente para tentarmos ver como é que conseguimos evitar que um dia sejamos visitados pela morte e portanto que enfim, que se vão pedir mais recursos para que isto aconteça. Mas há duas coisas que tornam, uma relacionada com isto, os recursos, as máquinas, a forma como as doenças são tratadas está a sofrer uma evolução brutal. O centro clínico da Fundação Champalimaud na qual será feita aquela investigação de que eu vos falei, vai abrir daqui a três anos. Eu não tomei ainda nem vou tomar nos próximos meses qualquer decisão sobre os equipamentos que vão lá ser colocados porque eu sei que daqui a três anos uma boa parte desses equipamentos não são os actuais, e portanto estas decisões só vão ser tomadas mesmo em cima da hora. O que é que eu quero dizer com isto? Que esta mudança rápida que está sempre a acontecer na forma como tratamos as doenças, como abordamos as questões de saúde, supõe instituições com a agilidade suficiente para se poderem adaptar a isso também. Isto supõe duas coisas que podem parecer contraditórias, uma é a estabilidade na gestão dessas instituições e a outra é a capacidade de tomar decisões muito rapidamente. Ora eu acho que estamos a chegar a uma situação em que isto não acontece e não vejo as pessoas com vontade de reconhecer isto publicamente. Nós estamos a tentar emendar as coisas como se o mundo não estivesse a mudar rapidamente. Reparem, se uma gestão está num hospital com uma esperança de vida média muito curta, sabendo que a sua capacidade de mandar num hospital e de tomar decisões pode ser posta em causa nos próximos meses não decide que aquele equipamento vai ser modificado. Se o sistema de compras de equipamentos é um sistema pesado que leva anos a tomar decisões, quando resolve decidir e põe lá o equipamento já passou. Este tipo de desafios coloca-se a qualquer sistema de saúde, a nós e a outros e eu com toda a franqueza acho que hoje o sistema já não responde com a rapidez que tem de responder e com um factor aqui fundamental que é com estabilidade e capacidade de resolver. Eu acho que há uma perda de capacidade das instituições tomarem decisões, sabendo que as podem tomar em tempo útil com rapidez e sabendo que ninguém vai pôr em causa imediatamente o seu poder dentro das instituições e eu acho que isto torna muito crítico quem hoje toma decisões neste mundo não tendo consciência que é neste entorno que as está a tomar.

 

Dep. Carlos Coelho: - João Camilo Martins, grupo verde.

 
João Camilo Martins
Boa noite a todos. Antes de mais queria agradecer a presença e a disponibilidade de estar aqui connosco esta noite, e a minha questão é mais a nível da sua opinião pessoal. É o seguinte, eu sei que, após o parto, são retiradas células do cordão umbilical para posteriormente serem feitos tratamentos e essas células são congeladas por empresas privadas. A minha questão é a seguinte, não seria mais eficaz ser o Estado ou a própria instituição de saúde a fazer esse congelamento? Obrigado.
 
Dra.Leonor Beleza
eu não tenho nenhum preconceito em relação a que sejam entidades privadas ou públicas, aliás aquela resposta que eu dei há bocado que alguns poderão eventualmente achar um pouco vaga, em parte conduzia a isto também. Eu não tenho nenhum preconceito sobre se os cuidados de saúde são prestados por entidades públicas ou por entidades privadas. O que eu tenho preconceito é contra as sociedades que não asseguram o acesso à prestação de cuidados de saúde e é aqui que a sua pergunta faz sentido do meu ponto de vista, porque o problema que acho que está por trás daquilo que disse é uma questão de igualdade de acesso. Só aí é que eu percebo que isso seja um problema, isto é, que uns possam e outros não possam. Está a fazer uma pergunta concreta em relação a um ponto concreto em relação a cuja utilidade futura eu não tenho certezas, não sou cientista nem tenho a mais leve pretensão de o ser, e portanto não lhe posso assegurar que em termos de política pública, de avaliação de custos-benefícios fizesse eventualmente sentido que se fizésse isso sistematicamente, mas no dia em que eventualmente houvesse a consciência disso o problema era assegurar que toda a gente tinha a possibilidade de ter acesso a isso ou a outra coisa qualquer, e esta sim, esta é uma escolha que eu acho que os governos dos países civilizados não podem fazer. Isto é, têm de garantir o acesso a todos. Se depois a prestação de cuidados de saúde é feita por entidades públicas ou privadas é um problema menor. Aquilo que eu acho que é um ganho importante de sociedades como a nossa que como sabem não é sequer de todas as sociedades que têm princípios próximos dos nossos, é que o acesso seja universal e que as pessoas não vejam o acesso ser-lhes negado por razões que tenham a ver com factores de carácter económico. Mas isto tem de ser visto no enquadramento actual da limitação de recursos e portanto é preciso saber muito bem exactamente a que tipos de cuidados é que nós garantimos o acesso de toda a gente ou não. Por exemplo, neste momento está em discussão uma coisa que talvez seja mais fácil porque mais imediata e onde a discussão está na mesa, se se vacina ou não vacina todas as raparigas contra o vírus do papiloma humano que dá origem ao cancro do colo do útero. Essa vacina passou a existir. É uma coisa recente, está em discussão se o Estado deve ou não deve assegurar a todas esta vacina. Faz-se uma avaliação custo-benefício, quanto é que custa a vacina, quantas pessoas estão em risco, quais são os meios alternativos de garantir que isso não aconteça e a decisão é tomada. Nuns casos, o Estado assegurará esse aceso, noutros casos não, mas depois se são entidades públicas ou privadas que garantem a prestação efectiva de cuidados eu acho hoje, acho cada vez mais que é uma questão relativamente secundária num Estado organizado como deve ser.

 

Dep. Carlos Coelho: - Filipa Guimarães, grupo amarelo

 
Filipa Guimarães
Boa noite. Quero felicitar a sua presença mais uma vez e também dizer que é com muito orgulho que presencio mais uma vez a presença das mulheres na vida política portuguesa, mulheres de causas, fico com muito orgulho de existir em pessoas como a Dra. Leonor Beleza. A pergunta do grupo passa pela seguinte questão, o combate à doença inicia-se ao nível da prevenção, realidade menosprezada em Portugal. Assim sendo, quais são os objectivos da Fundação  ao nível da prevenção primária, secundária e terciária? Obrigada.
 
Dra.Leonor Beleza
Todas as pessoas se queixam que a prevenção não é suficiente em parte nenhuma, portanto não há uma razão para nós portugueses nos queixarmos muito mais do que os outros e nalguns domínios tivemos sucessos muito grandes. Falei há momentos nas vacinas. O sistema de vacinas em Portugal é um belíssimo sistema, que foi instalado antes de outros países e com alguns resultados melhores do que outros países. Portanto, nós não somos sempre os piores a fazer muita coisa. As vacinas são por definição meios de prevenção de doenças e nós somos um país onde o sistema funciona bastante bem comparado com outros sistemas. É evidente quando eu há bocadinho estava a falar do hospital Aravind e disse que eram 2000 doentes e depois tirei a palavra doentes e falei em pessoas, o que está sempre por trás da minha ideia de não falar muito em doentes é que a saúde promove-se antes de ter de se compor quando as coisas já se estragaram. A verdade é que nunca acharemos que os meios de prevenção são suficientes, sempre acharemos que, às vezes não é porque as pessoas não saibam, as pessoas fumam e sabem que é um factor individual de risco. Se nos Estados Unidos ninguém fumasse haveria 30% menos de cancro. Eles sabem sempre estas coisas com os números muito precisos e a gente presume mais ou menos que seja assim mas, por exemplo, as pessoas sabem que devem fazer exercício físico. Ora bem, quem é que hoje subiu escadas a sério e fez algum esforço nesse sentido? Sabemos  que não devemos comer não sei quantas coisas, há muita coisa que tem a ver com a protecção da saúde em relação às quais estamos todos fartos de saber mas é uma maçada cumprir e portanto não cumprimos, continuamos a fazer essas coisas, não é? Claro que é sempre preciso explicar mais, é sempre preciso explicar melhor, isso hoje tem uma actualidade brutal, por exemplo, no domínio da SIDA. As pessoas sabem que se não tiverem comportamentos de risco (o que é perfeitamente possível) também não ficam infectadas e isso pode fazer muito bem. Só a prevenção da SIDA é efectivamente capaz de fazer alguma coisa a sério e aí em Portugal estamos bastante mal infelizmente, mas a pergunta era dirigida à Fundação. A Fundação situa-se na área da investigação científica, evidentemente que a investigação científica na área das ciências da saúde também pode abranger a investigação sobre prevenção, mas a Fundação não vai directamente fazer prevenção excepto que no seu centro clínico e por razões relacionadas com a investigação científica, portanto nós vamos fazer prestação de cuidados clínicos na medida em que consideramos que isso é necessário para podermos fazer investigação clínica, esse centro que vai ter uma forte componente de cancro, vai ter também uma componente de educação, de prevenção e de rastreio no domínio do cancro.

 

Dep. Carlos Coelho: - Bem é altura de agradecer a hospitalidade do grupo anfitrião, do grupo encarnado, com quem estabelecemos uma conversa muito interessante ao longo da refeição e passar a palavra ao Francisco Correia.

 
Francisco Correia
Boa noite. Muito obrigada por estar presente e por contribuir para enriquecer esta Universidade de Verão. A minha pergunta é em relação às políticas de saúde e na sua opinião, até onde deve ir o papel do Estado?
 
Dra.Leonor Beleza
A primeira coisa importante de um Estado que se respeite a si próprio, é assegurar oportunidades de acesso com uma razoável igualdade das pessoas ao que são meios básicos de prevenção e de tratamento. E fazê-lo acompanhando a evolução da investigação científica. Há muitos anos atrás quando a prestação de cuidados de saúde era relativamente primária, o rico podia morrer num palácio e o pobre numa esteira qualquer, mas morriam mais ou menos da mesma maneira, nas mesmas circunstâncias. Quando se sabe o que se sabe hoje e quando os meios são o que são hoje, pode haver uma diferença monumental entre a forma como morre o pobre e o rico, e nesse domínio o Estado tem responsabilidades. Outra zona de onde não é possível retirar o Estado é o da regulação e do controle daquilo que é prestado, quer por entidades públicas quer por entidades privadas exactamente com o mesmo nível de exigência. O Estado tem de garantir que os cuidados que são prestados, são prestados com a diligência, com a higiene, com o nível razoável, suficiente, em termos iguais para toda a gente. Eu acho que daqui não remove, como não remove da promoção da saúde pública, da promoção da saúde em sentido estrito, disso tudo não remove o Estado, a prestação de cuidados pode, do meu ponto de vista, ter uma razoável diversidade nas entidades que o prestam, acho que deve ser promovida alguma competição entre as entidades que prestam cuidados. Quando se pensa em Estado e entidades privadas há quem esteja a pensar nas empresas, não é só Estado e empresas, é Estado, empresas e entidades de carácter privado que não são empresas, fundações, por exemplo, ou em Portugal, misericórdias, instituições particulares de solidariedade social, portanto pode haver uma pluralidade de prestadores de cuidados. Se o Estado investir uma parte substancial dos seus recursos e das suas capacidades a regular, a fiscalizar, a ver o que é que está a ser feito, a garantir o nível de qualidade que o faz com muito mais utilidade do que se quiser sistematicamente ser ele directamente a prestar tudo. Reconheço um papel muito importante ao Estado, acho dificilmente imaginável que o Estado em Portugal se retire da generalidade da prestação de cuidados de saúde, mesmo da prestação directa, mas acho que devia investir muito mais a garantir aos cidadãos algum nível de igualdade no acesso e garantir aos cidadãos que a qualidade dos serviços prestados é de nível razoável, quer seja numa entidade privada, quer seja numa entidade pública. Por exemplo, a história de quantos partos ocorrem nas maternidades e se deve ser assim ou se deve ser assado, o nível de exigência tem de ser o mesmo em todo o lado. Se se exige a um médico que para prestar assistência no parto tenha de assistir a um número razoável de partos durante o ano (que é isso que está em causa) onde quer que seja que ele preste esses cuidados, esse nível de exigência tem de existir, isto é que eu acho que o Estado pura e simplesmente não pode retirar-se.

 

Dep. Carlos Coelho: - Joana Simões, grupo azul.

 
Joana Simões
Boa noite, queria agradecer a sua presença mais uma vez. Eu e o meu grupo decidimos perguntar-lhe que solução é que daria para o péssimo acesso em alguns serviços de saúde?
 
Dra.Leonor Beleza
Assim em termos tão amplos, eu não sei muito bem responder-lhe porque as soluções não são necessariamente as mesmas consoante os sítios… Olhe vou falar-lhe numa coisa que eu nunca falei publicamente e que, as pessoas consoante a situação em que estão precisam de cuidados que podem ser prestados em sítios diferentes, eu acho que todos nós compreendemos isto. Uma pessoa que acaba de ser vítima de uma doença súbita grave, precisa de um nível de cuidados que só pode ser prestado em certas entidades de saúde. Há regras em Portugal que fazem com que por exemplo os serviços de emergência tenham de transportar as pessoas imediatamente consoante o local onde ocorreu qualquer coisa, onde a pessoa se sentiu mal, onde teve um acidente para um certo local de prestação de cuidados, e há muita gente que neste percurso perde tempo absolutamente essencial, por exemplo, porque é levada para um centro de saúde quando precisa de atenção prestada num hospital sofisticado. Isto são histórias de sempre, não são histórias recentes. Eu tenho ouvido muitas histórias recentes algumas que ouvimos falar nos jornais e eu acho que era preciso sofisticar um bocadinho a forma como os serviços de emergência fazem este transporte das pessoas para unidades de saúde onde possam ser socorridas, isto não pode ser agarrar na pessoa e levar para a coisa mais perto. Levar para a coisa mais perto pode ser perder tempo, em certas situações é seguramente perder tempo e nalgumas pode significar pura e simplesmente que as pessoas percam a vida. Eu li recentemente num jornal que houve uns partos que ocorreram numas ambulâncias em relação a umas senhoras que tinham ido para o centro de saúde. Ora eu acho difícil imaginar que em Portugal hoje uma mulher que sabe que está em trabalho de parto ainda vá parar a um centro de saúde quando toda a gente anda a falar em hospitais que são fechados ou em que são fechadas as maternidades. Quem é que diabo entre nós sugere ou deixa que uma mulher em trabalho de parto pense que o problema pode ser resolvido num centro de saúde? Isto é um exemplo para compreenderem do que é que eu estou a falar. Há pessoas que têm acidentes ou problemas graves de saúde, e que são transportadas para sítios por causa de regras burocráticas que significam que as pessoas não vão para o sítio para onde devem ir. Nos tempos em que eu estive no Ministério da Saúde apercebi-me de algumas coisas dessas, que muitas vezes têm a ver com divisões mais ou menos salomónicas de terreno. Ora, é muito importante que as pessoas que precisam de cuidados de saúde, sobretudo as que precisam de cuidados urgentes vão para a instituição de saúde capaz de as acudir e não para outras onde só perdem tempo, coisa que também perderiam muitas vezes nas tais maternidades que não têm condições para fazer partos.

 

Dep. Carlos Coelho: - Tiago Esteves, grupo bege.

 
Tiago Esteves
Boa noite, antes de mais o grupo bege gostava de agradecer a sua vinda aqui à Universidade de Verão para partilhar com todos nós a sua valiosa experiência profissional e relativamente à pergunta, Dra. Leonor Beleza, era a seguinte, se está nos planos da Fundação Champalimaud criar em Portugal centros de investigação médica de excelência que permitam atrair os chamados cérebros portugueses que estão emigrados de forma a permitir e até fomentar o aparecimento de casos de sucesso dignos de receberem o prémio da Fundação Champalimaud e até quem sabe inverter esse fluxo de saída de cientistas? Obrigado.
 
Dra.Leonor Beleza
A história do fluxo de saída de cientistas é uma coisa de que hoje toda a gente se queixa, não somos só nós. A generalidade dos países europeus queixam-se, queixavam-se disso em relação aos Estados Unidos e muitos outros agora nos países em desenvolvimento também se queixam disso. Eu gostava que tivéssemos todos consciência do facto que hoje há, na área das ciências da saúde, muitíssimos portugueses relativamente jovens e muito qualificados. De facto houve a partir do lançamento do programa “Ciência” sucessivas gerações de portugueses que tiveram acesso a formação de grande qualidade em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente em programas aqui e no estrangeiro, que fizeram doutoramentos, que fizeram pós-doutoramentos, que estão com carreiras em muitos sítios. Uns regressaram, outros não. Há este escol de portugueses, é uma elite de jovens superqualificados que eu tenho tido ocasião de encontrar em muitos sítios. Agora, voltar, não voltaram. Há aqui um ponto que para mim é particularmente importante e que é o seguinte: uma boa instituição científica faz-se com gente de origens muito diferentes. A minha ambição em relação ao que vai ser a instituição científica da Fundação Champalimaud é que ela seja suficientemente atraente, não apenas para que venham para cá portugueses com saudades de casa mas que para que venham para cá portugueses que estão disponíveis para ir para onde é muito bom e também venham estrangeiros que querem ir para onde é muito bom e, portanto, eu desvio um pouco as coisas. O meu problema não é tanto fazer com que os portugueses queiram vir para Portugal. O meu problema é fazer um centro de excelência em Portugal capaz de atrair bons cientistas sejam eles portugueses ou não sejam, o que neste momento já estamos a fazer. Há um programa de neurociências que é da Fundação Champalimaud que está a correr no Instituto Gulbenkian de Ciência, começou agora em Setembro. Vem para Portugal o coordenador desse programa que é um americano, é um americano que graças a Deus casou com uma portuguesa o que dá uma certa ajuda porque ela gosta do país dela, mas ele só vem porque lhe foi garantido tudo o que ele poderia ter noutro lado, porque ele poderia ir para qualquer outro lado. Neste caso concreto estivémos em competição com uma das maiores fundações americanas que é a Howard Hughes que criou um instituto fantástico que se chama Julien Pharm e que queria contratar esta pessoa. Esta pessoa em vez disso achou que o programa que nós tínhamos em Neurociências, que neste momento se compõe dele e de dois outros portugueses, um deles (uma) já cá está, o outro ainda está no Estados Unidos e também virá que é suficientemente inovador, suficientemente interessante que vai ter os meios necessários para ele se sentir bem aqui, e é este tipo de actuação que a gente quer ter. A gente não quer que os portugueses venham atrás só do sítio de onde está o pai e a mãe e a terrinha. A gente quer que os portugueses venham atrás do sítio aonde têm os meios, têm os cientistas, têm as coisas, têm o ambiente científico adequado e sabe que se está a fazer coisas inovadoras. Aqui a nossa ambição é muitíssimo alta, é ao nível do fundador. Ele também não se satisfazia com fazer. Eu neste percurso tenho andado por aí a falar com muita gente, tenho tido o privilégio de ter conversas com pessoas absolutamente extraordinárias que eu nunca julguei na vida que ia ver alguma vez à minha frente, e que me ajudaram muito a perceber e me ajudaram muito a desenvolver uma ambição muito grande em relação àquilo que a Fundação vai ser, e por coincidência duas dessas pessoas que eu vou nomear porque não são quaisquer, um chama-se Jim Watson e é um dos que recebeu o prémio Nobel da Medicina por ser um dos chamados pais do DNA, que é o presidente do Conselho Científico da Fundação Champalimaud (levou uns anos de namoro mas aceitou) vai organizar em Setembro na instituição dele que é a Cold Spring Harbor Laboratory no Estado de Nova Iorque um encontro para discutir as linhas científicas dos nossos principais programas para onde convidou alguns dos melhores cientistas do mundo, esse Jim Watson e um outro Susumu Tonegawa é um japonês, está neste momento nos Estados Unidos no MIT, é prémio Nobel também, começou a carreira como imunologista, foi aí que recebeu o prémio Nobel, hoje é um neurocientista de enorme categoria, fez um dos discursos mais fantásticos para explicar porque é que as neurociências são um sector apaixonante daqueles que me ajudou a convencer-me. Os dois, por acaso, em conversas completamente separadas (ele é um dos membros do júri do prémio Champalimaud) em dois momentos completamente separados disseram-me uma coisa, “ não meta na sua cabeça que tem de fazer uma instituição à medida do seu país, não pense que está em Portugal ou na Europa, não, pense que vai fazer uma coisa que é boa em qualquer lado, que é uma coisa de excelência. A gente não pode limitar a nossa ambição no domínio da ciência, só vale a pena fazer o que é muito bom, seja em que sítio for”. Por coincidência os dois disseram-me isso e foram-me criando essa convicção, para dizer o quê? Que eu quero que alguns dos portugueses voltem, os melhores. E quero também que alguns dos melhores que não são portugueses voltem a trabalhar em conjunto. É bom que as pessoas venham. Nos melhores laboratórios, a gente entra e não percebe de que país é que as pessoas são, não percebe, depois começa a perguntar e começa a perceber que eles falam inglês, cada um da sua maneira e portanto que de facto vieram de sítios completamente diferentes, porque as pessoas têm que se misturar, tem que se misturar as formações das pessoas, as origens das pessoas, as ideias das pessoas porque é dessa mistura, é dessa acção entre pessoas muito diferentes que nascem as coisas boas. No domínio dos olhos, visitei um serviço de oftalmologia na John Hopkins University, portanto no hospital ligado à universidade e puseram-me a falar com três cirurgiões. No serviço de cirurgia chamaram três cirurgiões jovens, puseram-me a falar com os três a explicar o que é que faziam, os três eram, uma turca, um chinês e um japonês, nenhum deles era americano. Acontece que os Estados Unidos, com o que aconteceu nos últimos anos por lá, diminuíram a sua capacidade de atrair cientistas vindos de todo o lado por causa das dificuldades dos vistos, porque as pessoas não estão para serem enxovalhadas e chateadas e aborrecidas para conseguirem entrar porque eles negam. Diminuíram a sua capacidade de organizar reuniões científicas e diminuiram a sua capacidade de recrutar para as universidades e de recrutar para as instituições científicas e há alguns estão a saber usar isto nomeadamente os ingleses, as boas universidades inglesas onde neste momento me dizem que está a haver um reverse, portanto, que estão a ir pessoas para lá vindas de outro lado, portanto nós estamos em competição com toda a gente. Nós vivemos em competição com toda a gente, e não é só com os americanos e com os ingleses e com isso tudo, porque a India está a despertar para as coisas da ciência, Singapura está a despertar para as coisas da ciência, a China ainda talvez leve mais tempo. A coisa mais importante que nós temos de perceber em Portugal é que ser investigador científico é como ser político, é ser uma coisa que é muito precisa para o país, eu há bocadinho dizia que é preciso que haja bons que queiram fazer política, não é? É preciso que haja pessoas que queiram fazer investigação científica e é preciso que os que fazem investigação científica sejam reconhecidos como fazendo alguma coisa de muito importante e meus amigos nós estamos muito longe disso em Portugal. Por exemplo, nós vamos precisar de médicos a fazer investigação científica. É porventura das áreas mais difíceis, é ter médicos que façam investigação científica porque o exercício da medicina é infinitamente atraente por muitíssimas razões. Haver pessoas que fazem o curso de medicina e que querem ser cientistas é absolutamente crucial para que aquela translacção de que eu falei, de facto se realize e se há sector onde eu tenho dificuldade em encontrar pessoas que possam vir trabalhar é na dos médicos cientistas, nós estamos em competição não é só com a gente, é também com inúmeras outras atracções que existem nomedamente em Portugal para as pessoas porque as carreiras não são suficientemente valorizadas. Ora, eu ando activamente à procura de médicos que queiram fazer ciência, sem esses a gente não consegue fazer aquela tal coisa e não consegui encontrar pessoas para as mandar formar para onde for preciso, coisa de que precisamos absolutamente, também há uma competição aqui dentro, competição pela consideração dos cientistas como gente de quem o país precisa como de pão para a boca. Obrigada.

 

Dep. Carlos Coelho: - Tânia Marinho, grupo castanho.

 
Tânia Marinho
Muito boa noite a todos. Dra. Leonor Beleza, o princípio de presunção de inocência é um dos pilares fundamentais do nosso Direito Processual Penal e do próprio Estado de Direito. Numa época em que a comunicação social despertou para as matérias do Direito, assistimos frequentemente a julgamentos na praça pública e se o visado desempenhar cargos de relevo, a senha persecutória dos jornalistas é ainda maior. Agora pergunto, o que se pretende fazer com o princípio da presunção de inocência no caso de autarcas a braços com a justiça não poderá preverter o próprio Estado de Direito e colocar os autarcas nas mãos do Ministério Público, sem qualquer critério? Muito obrigada.
 
Dra.Leonor Beleza
Olhe, eu não sou científica mas em matéria de julgamentos na praça pública sou doutorada. Não vou dizer nenhuma novidade sobre a natureza conflitual que existe entre o direito de informar e o direito das pessoas ao seu bom nome e à sua boa reputação e essas coisas todas, e também não vou dizer-vos nenhuma novidade quando vos digo que às vezes as pessoas perguntam-me se acredito no sistema de justiça. E eu respondo: é preciso acreditar no sistema de justiça. Percebem porque é que eu respondo assim? Bom, acho que percebem. Ora bem, é porventura acho eu, uma coisa ainda mais séria do que muitas outras, porque um país em que o sistema de justiça não funcione com lisura e com correcção é um país onde as pessoas não querem fazer negócios, não querem viver, não querem trabalhar, e eu muitas vezes quando falo destas coisas da justiça com as pessoas, pergunto às pessoas se já tiveram ou não algum embate pessoal com o sistema, porque eu acho que a gente percebe muita coisa se o tem, e nestas coisas a gente tem de ter muito cuidado porque todos os comportamentos podem ser exemplares. Quero dizer, é preciso ter muito cuidado quando se tem um determinado comportamento que tenha a ver com a revelação de coisas, por exemplo, porque depois esses comportamentos podem repercutir infinitamente contra as pessoas. Isto vale no direito à informação e vale em particular quando ele está conjugado com o direito à justiça, para dizer o seguinte, o sistema judicial tem que ser absolutamente independente na sua actuação. Independentes são os juízes, o Ministério Público não é independente e não é composto por juízes. Há aqui muitos juristas, mas há muitos que não são, e em Portugal gerou-se uma enorme confusão na cabeça das pessoas sobre qual é exactamente o papel do Ministério Público e qual é exactamente o papel dos juízes. Independentes, não obedecendo nem tendo de obedecer a ninguém excepto à sua consciência e ao entendimento que têm da lei são só os juízes, e esses é que são os titulares do poder judicial, são esses que tomam decisões, são esses que tomam decisões de carácter definitivo eventualmente sujeitas a recurso a partir de um determinado momento, só esses é que são independentes. Os agentes do Ministério Público são chamados magistrados também, mas não são agentes independentes, são agentes que actuam sob as ordens da hierarquia do Ministério Público até ao Procurador-Geral da República e têm por missão representar o Estado numa série de funções, nomeadamente acusando as pessoas daquilo que eventualmente fazem. É evidente que este poder tem que ser utilizado com uma grande imparcialidade, com uma grande objectividade, sem tentar introduzir qualquer julgamento nesta decisão de perseguir ou de não perseguir judicialmente uma determinada pessoa que não tenha a ver com a lei e com o conhecimento dos factos, sem introdução de qualquer outro elemento, mas é uma hierarquia, estão mais perto da administração pública e mais perto da polícia, não estão mais perto dos juízes ao contrário do que as pessoas muitas vezes pensam e inclusivamente a própria cena num tribunal é equívoca em relação ao relacionamento recíproco. Portanto, uma coisa é uma decisão de um Juiz, outra coisa é uma decisão do Ministério Público com todo o respeito que certamente tenho, pelo menos em abstracto, em relação a quem exerce este tipo de funções. Do meu ponto de vista, estamos a chegar a uma situação muito complicada porque todas as decisões do poder judicial que têm a ver com titulares de cargos políticos no exercício de funções evidentemente se repercutem de uma maneira ou de outra no próprio exercício do cargo mas é preciso separar isto completamente de quaisquer julgamentos definitivos feitos sobre as pessoas enquanto esses julgamentos não são feitos por juízes e não são feitos com todas as regras de recurso que existem. Mas tenhamos consciência de uma coisa, não há nenhuma forma perfeita nem nenhum sistema de justiça perfeito, e mesmo naqueles para que a gente olha porventura com mais respeito do que olhamos para o nosso, há muitas coisas que são eminentemente criticáveis, mas o que a mim me faz mais confusão é quando as pessoas não guardam uma perfeita noção de exactamente o que é que significa cada decisão de uma entidade de uma maneira ou de outra integrada na forma como o sistema judicial funciona, e vezes demais em Portugal se confundiu no passado magistrados do Ministério Público e magistrados judiciais, isto é, agentes da administração pública e juízes esses titulares de um órgão de soberania com capacidade para fazer julgamentos definitivos sobre o que as pessoas fizeram ou não fizeram sujeitos a recurso de acordo com as respectivas regras. A primeira coisa é pôr a casa na ordem e garantir que as pessoas que desempenham este tipo de actividades as fazem com espírito de missão e uma noção muito objectiva e muito segura daquilo que lhes cabe fazer. Infelizmente, repito, quando se fala do sistema de justiça eu digo que acho que precisamos absolutamente de acreditar nele e precisamos todos de contribuir para que ele funcione bastante melhor.
 
Dep. Carlos Coelho
Dra. Leonor Beleza, nós temos uma tradição na Universidade de Verão que é a de dar a última palavra à nossa convidada, portanto antes de dar a palavra à última pergunta e para lhe dar a última resposta, prevaleço-me da última oportunidade que tenho para ter o microfone à minha disposição para dizer algumas coisas. A primeira é para vos dizer, que provavelmente vocês terão reparado que esta Universidade de Verão está cheia de pormenores, alguns deles são pormenores com uma intenção precisa que vos podemos revelar, outros são pormenores que terão de ficar a tentar indagar a razão de ser porque nós não vos vamos dizer, têm razões próprias mas se revelássemos nesta Universidade de Verão já não seria segredo na universidade seguinte, mas o que vocês talvez não saibam também é que há alguns pormenores que não resultam da organização da Universidade de Verão, mas resultam da iniciativa de outros, quer da vossa iniciativa, quer da iniciativa do Hotel. Não sei se repararam que quando chegaram já ontem no primeiro jantar, havia uma fita de papel a envolver o vosso guardanapo, essa fita tem de um lado o logo da Universidade de Verão, do outro tem a ementa do jantar, a fita de ontem era laranja, numa homenagem às nossas raízes ideológicas, a fita de hoje é encarnada homenageando a cor do grupo anfitrião, e verão que ao longo das noites a fita terá a cor do grupo anfitrião. Alguns pensariam que teria sido iniciativa nossa, não é verdade. Foi iniciativa voluntária do hotel que o ano passado nos surpreendeu com esse cuidado, com esse requinte de pormenor e que é uma prova de como neste hotel nós somos recebidos de braços abertos, como alguém que é da casa e também por isso nos sentimos muito bem aqui para lá da hospitalidade do senhor Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide. Mais dois ou três avisos; amanhã o Juv trará as respostas que já recebemos da Dra. Leonor Beleza e do Prof. Dr. João de Deus Pinheiro que já nos enviou as respostas de Bruxelas. Quer a Dra. Leonor Beleza, quer o Prof. João de Deus Pinheiro disseram o mesmo, lamentaram que dada a qualidade das vossas perguntas tivessem sido obrigados a seleccionar duas e limitar a resposta a essas duas, mas o Juv não pode ter muitas páginas e o que tem de ser, tem de ser. Para depois de amanhã teremos as respostas da Dr. Teresa Morais que será a nossa convidada de amanhã ao jantar, e do Presidente da República de Timor Leste, Dr. Ramos Horta, que nos vai enviar esta noite as suas respostas de Timor. Teremos uma reunião breve dos coordenadores e dos avaliadores a seguir a este jantar, talvez seja melhor aqui à saída do bar, prometo não vos roubar muito tempo mas temos de decidir duas coisas de organização e é melhor fazermo-lo já e, finalmente, dizem-me que ontem alguns de vós trabalharam até às oito da manhã, isto é, estiveram nesta sala durante a noite inteira e que à hora do pequeno almoço ainda cá estavam a trabalhar. Eu sei que vos demos missões complicadas e muitos trabalhos e que amanhã vão ter um plenário delicado à tarde onde vão apresentar os vossos trabalhos sobre quem foi o melhor português de todos os tempos, mas também acho que vocês têm direito a algum sossego. Dizem que a noite é reparadora e que os bons sonhos são importantes para o nosso equilíbrio psicológico e físico, portanto não aconselho a que fiquem a trabalhar a noite inteira não apenas porque têm direito a descansar mas também de forma a permitir aos outros que os outros também possam descansar. E agora sim, passamos a palavra à última pergunta, é do grupo laranja e é a Teresa Graça Moura.
 
Teresa Graça Moura
Boa noite nós gostaríamos de saber que critérios levaram à selecção de Aravinde para o prémio Champalimaud para além da já referida boa organização no que toca ao atendimento ao público.
 
Dra.Leonor Beleza
Ora bem a decisão não foi minha, a decisão foi do júri do prémio e portanto eu tenho, enfim, alguma dificuldade em dizer exactamente. Agora, não é o bom atedimento ao público. Talvez eu deva voltar um pouco atrás, porque quando há momentos falei do Aravinde posso ter sido excessivamente explícita sobre coisas relacionadas com a gestão e não em relação ao resto. O Aravinde é um sistema criado há cerca de 30 anos que em primeiro lugar presta cuidados de saúde e presta cuidados de saúde a uma população onde prevalece fundamentalmente a cegueira, a chamada cegueira evitável. O primeiro objectivo do sistema Aravinde é dar cabo da cegueira evitável portanto a cegueira de pessoas que não seriam cegas se o sistema de saúde desse as respostas que já existem. Portanto não são coisas que seja preciso investigar, são respostas que a ciência conhece, por exemplo, pessoas cegas por cataratas, que é a causa mais comum de cegueira, aliás, em todo o lado. Num país razoavelmente organizado as pessoas que têm cataratas são operadas, recuperam rapidamente a visão ou não chegam sequer a perder e portanto não há cegos por cataratas. Num país onde não há recursos de saúde há milhões de cegos por razões relacionadas com as cataratas. O Aravinde, por exemplo, que se notabilizou sobretudo começando a fazer operações às cataratas em grande número, notabilizou-se também embaretecendo brutalmente o preço de uma intervenção às cataratas descobrindo umas lentes chamadas intra-oculares, eu falei há bocado nisso porque é particularmente importante na história deles a descoberta dessas lentes que custam muitíssimo menos do que custavam na altura no mercado internacional. Descobriram como é que essas lentes se podiam fazer, fabricam-nas eles próprios, vendem-nas para outras zonas do mundo e instituições de carácter social e portanto tornaram possível, em vez de operar dez pessoas, operar cem, por exemplo e portanto notabilizaram-se encontrando respostas para a saúde dos olhos de populações extremamente sujeitas à cegueira embaratecendo essas respostas e com isso multiplicando a possibilidade de responder.

Como é que eles se financiam? Um prémio Champalimaud é (m milhão de euros) acontece-lhes uma vez. De vez em quando recebem reconhecimentos, eles são, aliás, bastante reconhecidos no mundo como uma instituição de uma enorme capacidade, de grande nível de resposta. Mas como é que eles se financiam habitualmente? Mais de 90% do financiamento que eles efectivamente utilizam na prestação de cuidados de saúde é obtida através do pagamento daqueles que podem pagar para receber aqueles que não podem pagar e é aí que a resposta é específica, foi inventada por eles e tem um alcance social fantástico porque são muitissimas mais as pessoas que não podem pagar do que aquelas que podem pagar e através de um sistema muito eficaz do ponto de vista da utilização de recursos que inclusivamente fabrica os instrumentos de que precisa para os poder tornar mais baratos, através desse sistema eles conseguem receber uma enorme quantidade, há milhões de pessoas que não poderiam pagar o seu tratamento, que hoje vêem porque o Aravinde existe. A coisa mais genuína que eles criaram, é um sistema em que pedem alguma coisa, mais do que custa o respectivo tratamento áqueles que podem pagar e recebem com isso todos aqueles que não podem pagar. Mais do que isso: eles não se limitam a receber, eles vão buscá-los às aldeias onde eles estão, vão fazer rastreio das crianças e das pessoas nos meios para as quais o hospital é muito distante, estamos na Índia, um sítio onde os transportes são muito mais complicados e as distâncias muitíssimo maiores. Eles enviam pessoas especialmente treinadas a esses locais onde as pessoas andam à procura das crianças que têm dificuldades de visão, das pessoas que não irão ao hospital se não forem transportadas. Agarram nessas pessoas, levam-nas para a cidade, tratam-nas, operam-nas e levam-nas de volta para o sítio onde elas estão. É um sistema que anda à procura das pessoas para tratar em vez de estar aqui paradinho a tentar fazer com que as pessoas não venham atrapalhar o nosso sossego para não virem perturbar a maneira como a gente funciona muito bem sem que as pessoas nos venham procurar. Vão à procura das pessoas, existem para isso. É este conceito, é esta preocupação, esta capacidade de transformar recursos funcionando como uma instituição de um alcance social fantástico, simultaneamente com critérios de gestão muito bons, é isto que é distinguido pelo prémio Aravinde simultaneamente com o facto de eles trabalharem num país em desenvolvimento, portanto serem uma instituição própria de um país em desenvolvimento, que conseguiu encontrar uma resposta que hoje é responsável pela visão de milhões de pessoas. Eles estão num Estado que tem cinquenta milhões de pessoas, nós somos dez só, não é? Eles estão num Estado que tem cinquenta milhões de pessoas, estou a falar de Tamil Madu, não estou a falar da India que tem mil milhões, não é? Eles disseram-me que chegam a vinte, entre vinte e vinte e cinco por cento das pessoas e que a ambição é chegar a toda a gente do Estado. Os vinte, vinte e cinco por cento é mais do que o que nós somos, está a ver? Portanto é de facto extraordinário como é que eles, um cirurgião, numa operação às cataratas só faz os gestos que só o cirurgião pode fazer. Em vez de estar o cirurgião na sala de operações e vem o doente é anestesiado, fazem-se os gestos todos e quando ele já está todo pronto vai-se embora e vem outro para ser anestesiado, não, os doentes vão sendo sucessivamente anestesiados por quem os pode anestesiar. É feita a respectiva preparação por pessoal que não é necessariamente o cirurgião, o cirurgião faz os gestos que só o oftalmologista pode fazer e com isso multiplica o número de operações que pode fazer por dia. Eles não têm possibilidade de gastar os recursos que têm nem sequer o tempo de quem quer que seja e, portanto, treinam muito pessoal para fazer todo os outros gestos. Tanta coisa que a gente podia aprender. Portanto, eu não lhe posso dizer porque é que foi o Aravinde em vez de serem todas as outras entidades que concorreram, que foram trinta e quatro no mundo inteiro. Nós vamos fazer uma cerimónia oficial de atribuição do prémio no dia sete de Setembro, vai ser o Sr. Presidente da República que vai entregar o troféu ao Aravinde. Eu convidei todos os outros que foram concorrentes. A Fundação preparou um filme com a actividade de todos os concorrentes, porque o nosso grande objectivo é divulgar para todos os lados onde possamos a actividade extraordinária que muitas organizações no mundo fazem para devolver às pessoas a vista que porventura possam ter perdido e há muitos, concorrentes da Oceania, da América, da África, da Índia, da Europa. Houve muita dificuldade em escolher um ganhador porque há muitas entidades muitas, muitas, que dedicam recursos fantásticos, o trabalho de imensa gente a ajudar as pessoas a ver, às vezes por causa de doenças que são próprias de países menos desenvolvidos como é a chamada oncocercose ou cegueira dos rios ou a tracoma, ou qualquer outra razão que atinje particularmente países em desenvolvimento em relação aos outros. As cataratas, enfim, existem em todo o mundo mas com uma maior incidência, porque a capacidade de tratamento é menor, nos países que têm menos recursos. Eu já respondi mas agora há aqui umas coisas que eu ainda queria dizer. Como isto começou com perguntas, a gente não disse aquelas coisas que às vezes gosta de dizer no princípio e eu quero dizer. A primeira coisa: eu tenho uma particular satisfação em estar hoje aqui convosco. O Carlos Coelho aqui há uns tempos atrás fez o favor de me dar uma boleia para Portalegre quando no âmbito da revisão do programa do Partido eu fui lá dizer umas coisas e no caminho massacrei-o com a história da Fundação Champalimaud. Compreenderão, eu acho que foi relativamente visível, que estou entusiasmadíssima com aquilo que estou a fazer e quando apanho uma pessoa inteligente e atenta e tenho oportunidade, zumba, Fundação Champalimaud, quando tudo..., massacrei-o no caminho entre Lisboa e Portalegre e quando eu julgava que ele já estava muito farto de ouvir aquelas coisas todas ele fez-me este convite para vir cá outra vez falar da Fundação Champalimaud. Eu não sei se foi para massacrar mais gente e partilhar essa coisa com outros, mas a verdade é que fiquei deliciada por ele querer que eu viesse outra vez contar as coisas da Fundação, coisa que eu faço, aliás, com imenso gosto e imenso orgulho e que tenho um prazer especial em fazer convosco, tenho um prazer especial em fazer isto numa organização que é do partido, uma organização que é muito do Carlos Coelho porque esta Universidade de Verão feita há vários anos, com este cuidado, com este pormenor e com esta coisa toda pede muito esforço, pede muito profissionalismo, pede muita organização e depois há aqui várias coisas que eu gosto muito, nomeadamente, a forma como a selecção das pessoas seja feita e que isto é a única actividade do partido onde eu sei que há uma preocupação que chega a resultados de ter uma representação equilibrada dos dois sexos coisa que, como perceberão, é uma coisa que me diz muito. O Carlos Coelho já quando era Presidente da Jota diz que eu o maçava com essa coisa. Pronto, eu continuo a maçar e infelizmente essa coisa tem tido alguma dificuldade. Depois há uma realização do partido onde essa preocupação é efectiva. Eu estou a falar com este ar de brincadeira, mas isto não é nenhuma brincadeira, não é nenhuma brincadeira. A participação no exercício da política, na actividade política, na militância das mulheres também é absolutamente necessária para haja alguma razoabilidade nas coisas como são discutidas, nas coisas que são decididas e por aí fora. Eu tenho esta fé há muitos anos a esta parte, mantenho-a e devo dizer que entre muitas outras coisas, aprecio muito a Universidade de Verão, porque aqui sim, eu vejo um partido mais diverso como é chique dizer-se, neste aspecto, e isso dá-me muita satisfação. Depois encontro aqui muitos amigos que eu conheço há muito tempo, o Matos Rosa e os Presidentes de Câmara aqui do distrito com quem fiz um percurso de vida numa certa altura que recordo com imensa saudade e muitos outros que eu conheci nesse contexto que eu recordo com muita saudade e com muito orgulho que foi o tempo em fui Deputada pelo distrito de Portalegre e sinto sempre assim uma coisa especial quando me aproximo e quando ando por aqui e quando encontro essas pessoas e queria dizer-vos enfim que mantenho esse afecto e esse gosto muito grande por estar aqui e gosto muito que a Universidade de Verão se faça em Castelo de Vide e portanto todos os anos venhamos aqui, estou a ver ali muitos gestos a dizer que sim. Espero que ninguém duvide onde é que vai ser no próximo ano e portanto também fico contente por ouvir dizer que aqui encontram um ambiente propício e adequado e muito colaborante porque eu pessoalmente gosto muito de saber que é aqui que estão. Agradeço-vos infinitamente a paciência e a atenção com que me ouviram falar, entre outras coisas, da Fundação e de outras coisas que me são caras e quero dizer-vos uma coisa. Tratem a política a sério, quero dizer, eu estou a falar com jovens, se os jovens começarem todos a achar, como hoje infelizmente se acha demasiado que a política é uma coisa para a gente se servir, que é uma coisa que não interessa muito, que é uma coisa em relação à qual às pessoas se sentem cada vez mais afastadas, o nosso País vai perder imensamente com isso, como eu acho que já fui clara a dizer e portanto neste grupo de jovens, façam política, façam isto a sério, façam os vossos estudos, façam as vossas carreiras, dediquem alguma atenção a isto, tentem fazer tudo. Pode-se fazer tudo, uma vez faz-se mais de uma coisa, uma vez faz-se mais de outra, tentem fazer tudo. Entre os vossos colegas e os vossos amigos vão buscar aqueles que sabem que são melhores. Estava aqui há bocadinho o Presidente da JSD a falar numa campanha de angariação de militantes. Eu não sei se é isso que deve ser feito, agora trazer as pessoas para os sítios onde discutimos as coisas sérias do nosso País e onde as pessoas participam na decisão disso é, vai ser sempre muito importante. Se os melhores jovens não estiverem para isso, começarem a achar que isso é um problema dos outros ou é um problema daqueles que só pensam em si próprios, o País não tem mesmo futuro e eu posso começar a pensar que não vale a pena fazer cá, não penso, eu penso que vale a pena fazer cá, eu justamente quero que aquilo que estamos a fazer na Fundação seja uma coisa que os portugueses daqui a uns anos se possam orgulhar muito. Muito obrigada pela vossa recepção.

(APLAUSOS)